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        Trovoada 
        
        Estamos em Cuimba. Viemos à sede do Batalhão buscar o 
        Comandante do nosso Pelotão, que tinha ido fazer um reconhecimento aéreo 
        para futuras operações. Quando isto sucedia tínhamos que ir a Cuimba, 
        pois o avião não aterrava em Pangala. Não tínhamos pista, nem nunca nos 
        foram dadas condições para construirmos uma. Coisa que talvez dependesse 
        de insistência do Comandante da Companhia! 
        
        Chegámos de manhã cedo. O avião atrasou, só chegou ao 
        princípio da tarde. Matámos o tempo conversando com a malta do Comando 
        do Batalhão. Sempre eram conversas diferentes das que tínhamos no nosso 
        acampamento, já bastante gastas… Os assuntos eram os mesmos, mas os 
        interlocutores eram outros. Sempre havia uma novidade ou uma anedota 
        nova.  
        
        Uma piada que correu por lá, foi a de um tal Sargento 
        da Companhia 306 que depois de ter almoçado bem e sem ter feito a 
        digestão engoliu quatro Cucas. O melhor da anedota parece que foi a 
        resposta que ele deu ao médico, que entretanto teve de ser chamado! 
        
        Antes de o avião descolar preparei a minha máquina 
        fotográfica, uma Kodak Retina IIs, e entreguei-a ao Alferes Miranda. 
        Dei-lhe instruções de como devia proceder para tirar fotografias aéreas 
        ao nosso acampamento (o Alferes era um nabo em fotografia). E lá foi ele 
        de máquina a tiracolo. Parecia um Senhor! 
        
        O avião levantou e nós continuámos a matar o tempo de 
        espera, falando sobre Luanda, sobre Lisboa, sobre a terra de cada um de 
        nós, enfim, assuntos sem importância no lugar onde nos encontrávamos. 
        
        O reconhecimento aéreo parecia demorar. O tempo 
        entretanto tinha passado e não tardaria que a noite chegasse. 
        
        – Aí vêm eles – disse alguém.  
        
        O avião pouco depois fez-se à pista e aterrou. Dele 
        saíram os passageiros, despediram-se do piloto e este levantou voo de 
        imediato. Teria de chegar ao destino antes de anoitecer e a noite 
        prometia ser das más. Bastava olhar para os lados da Serra da Canda, 
        donde vinham as nuvens negras e onde já brilhava de vez em quando um 
        relâmpago, seguido de um rugido surdo muito ao longe. Vai ser uma linda 
        noite, pensei. E nós ainda teríamos de regressar ao nosso acampamento.
         
        Iniciámos o regresso. A trovoada avançava com a velocidade normal nesta 
        região. Estamos em África. Ainda não estávamos a meio caminho e ela já 
        estava em cima de nós. O espectáculo era impressionante, com os 
        relâmpagos passando de umas nuvens para outras. O céu ficava por vezes 
        completamente iluminado. Era uma trovoada seca. Só temia se começasse a 
        chover. Sempre gostei de ver estes espectáculos mas este era de tamanha 
        grandeza que impunha respeito. Quando começasse a chuva e as descargas 
        se dessem para a terra, o caso mudaria de figura e o perigo aumentaria 
        para nós, que nada poderíamos fazer. Só nos restava continuar viagem. 
        
        Começou a chover. Primeiro pingos grossos, 
        compassados; depois veio o dilúvio! Chuva, relâmpagos que caiam aqui e 
        além, chegando a incendiar o capim. A chuva era tanta que imediatamente 
        apagava o incêndio.  
        
        Às tantas, a viatura que ia à nossa frente, por sinal 
        na que ia o rádio montado, parou:  
        
        – Meu Furriel – diz-me o condutor – não consigo 
        continuar a viagem. O volante parece que está a arder! 
        
        – A arder? – Pergunto espantado! – Ó pá, estás 
        maluco? Com esta chuva tão fria? 
        
        E fui ver o que era. No carro em que eu seguia tudo 
        estava em ordem. Peguei no volante e efectivamente estava a escaldar 
        assim como toda a viatura. O operador de rádio referiu que uma faísca 
        tinha caído perto deles. A antena do rádio era alta e atraia os 
        relâmpagos. Seria? 
        
        Lá convencemos o condutor a pegar no volante e 
        prosseguimos viagem. A trovoada e a chuva continuavam. 
        
        Uma faísca logo seguida de um forte trovão caiu muito 
        perto da minha viatura. Senti calor e logo de seguida ouvimos, como que 
        em som estereofónico, o ribombar ensurdecedor do trovão expandindo-se em 
        todas as direcções. Era de respeito! Meu Deus, o condutor da outra 
        viatura tinha razão. Esta trovoada era a mais forte que tínhamos 
        suportado até aquela data! Mas tínhamos de seguir viagem. “Que Deus nos 
        ajude”, pensei. 
        
        A trovoada parecia querer afastar-se mas a chuva 
        redobrou de intensidade. Depois do calor provocado pela faísca caída 
        junto da minha viatura, sentia agora o frio desta chuva que com o fato 
        de combate completamente encharcado, parecia enregelar os ossos. 
        
        A esta hora, no acampamento, há com certeza soldados 
        completamente nus, debaixo das caleiras da casa do Comando, tomando o 
        seu banho com água à fartura. Só nestas ocasiões se tomava um banho 
        fresco e com água à vontade! 
        
        Quando nós chegarmos ao acampamento já a chuva terá 
        passado, e só nos restará tirar a roupa encharcada, secarmo-nos com uma 
        toalha e vestir roupa seca. 
        
          
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             Pôr-do-sol em 
            Pangala, com prelúdio de trovoada  | 
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        Barbas 
         
        Era proibido andar com a barba crescida. Ordem não se sabe de quem! Eu 
        cheguei a ser interpelado pelo Capitão: 
        
        – Porque não cortaste as barbas, Ribau?  
        
        – Não posso, meu Capitão – foi a minha resposta. 
        
        – Mas não podes porquê? – Perguntou irritado.  
        
        – Foi uma promessa que fiz. 
         
        
         Ele 
        nunca mais me chateou por causa das barbas. A gente tinha lá pachorra 
        para andar a pensar na barba. 
         
        Passados uns dias pedi ao barbeiro que mas cortasse, com fotografias 
        progressivas e tudo. Eu já não conseguia cortá-las. Fiquei aliviado, com 
        a cara mais leve e fácil de lavar, e mais fresca. Foi a minha “vingança 
        de chinês”… 
        
        Até um corte de barba era assunto social naquela 
        “terra”. 
  
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