O PRAZER DE LER - IV

 

Numa fase mais avançada, então já a frequentar o primeiro ano do curso de Letras em Coimbra, foi o momento de começar a descobrir várias literaturas europeias: espanhola, francesa e italiana. Mas, aquela que verdadeiramente me cativou, foi a francesa.

Por altura do meu primeiro ano, começou a ser lançada em Portugal, mensalmente, uma colecção de livros de bolso. Além de um preço relativamente acessível, a qualidade do papel e o tipo de letra tornavam a leitura mais aprazível.

Durante alguns anos, por altura do aparecimento de cada novo volume, era fácil encontrarem-me sentado, muito concentrado na leitura, a uma mesa do café Arcádia. E a concentração era tal que, por vezes, colegas da faculdade passavam no passeio, metiam-se comigo, e quase nem dava por eles.

Lembro-me que houve dois livros do mesmo autor que me fizeram ler várias vezes os mesmos volumes. Talvez por me meter na pele das personagens: Julien Sorel e Fabrício del Dongo. Mas foi sobretudo o primeiro que mais me agradou. A identificação com o protagonista e a clara visão de todas as personagens era tal, que um dia mais tarde, quando se estreou em Portugal um filme francês baseado no Vermelho e o Negro, não passei do segundo intervalo. À excepção da actriz, que encarnava Madame de Rênal, o aspecto dos actores e, sobretudo, os ambientes escolhidos para a acção não correspondiam minimamente àquilo que a leitura recreara na imaginação.

As prateleiras foram-se progressivamente enchendo de livros de várias literaturas estrangeiras, quase em simultâneo com outras colecções de bolso portuguesas que foram surgindo nas décadas de 1960 e 1970. E o espaço nas estantes começou a diminuir ao mesmo ritmo da minha apetência por eles. 

O contacto com situações, as mais inesperadas e exóticas nos anos seguintes, fizeram-me passar para uma fase totalmente nova da minha existência, porque todos os romances, por muito bem engendrados e maravilhosos que sejam, não se equiparam ao romance da vida real, que deve ser vivida de maneira plena e sem fantasias por todos nós, com os pés bem assentes na Terra.

Actualmente, estou numa fase totalmente nova e oposta à dos primeiros anos em que aprendi a descobrir os segredos das palavras alinhadas nos livros. Tirando as leituras dos jornais e revistas e dos livros de leitura obrigatória, por imposição profissional, prefiro gastar a tinta da caneta e ser eu a alinhar as palavras ao longo das linhas invisíveis na superfície branca das folhas de papel. Não é que escrever seja uma actividade fácil.  Bem pelo contrário! É mais fácil ler do que escrever! Mas... mudaram-se os tempos, mudaram-se os prazeres.

É chegada a altura de pôr ponto final nas reflexões acerca das fases no prazer da leitura.

Na página seguinte, é apresentado um breve quadro com sugestões de leitura. São pequenos excertos daquelas obras com que valerá talvez a pena ocupar um pouco dos nossos tempos livres. Talvez?! Não talvez, mas seguramente! Estas leituras são uma excelente alternativa àqueles maravilhosos e estupidificantes programas com que as televisões portuguesas, salvo raríssimas excepções, têm vindo, nos últimos tempos, a habituar a assistência nacional.

 

 

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08-04-2019