Uma
paragem forçada, lá no largo e esta corrida de sempre para o diálogo.
Há
um puto, meio sujo e meio alegre, olhando de frente para nós.
—
Quantos anos tens?
—
Dois mais dois e outros tantos.
—
Oito. Estás cá um velhote!...
—
Velhota era a tua avó.
—
Bom, não se fala mais nisso. E o teu nome?
—
Já vi que tens língua de perguntador... Eu chamo-me Jesus.
—
Estás a mangar.
—
Não estou nada, acredita se quiseres...
—
Com esse teu arzinho de presépio, és capaz de ter razão...
—
Eu tenho cara para tudo. Pergunta ali à Madalena...
A
Madalena é que não está pelos ajustes e continua a jogar à
macaca, sozinha.
—
Ouve cá, ó Jesus...
—
Eu não me chamo Jesus... Engoliste-a, não foi?
—
Lá isso é verdade. Pensei estar a falar com um
homenzinho...
Aí,
o miúdo faz uma carranca e joga fora a pedra que tinha na mão.
Acerta
em cheio numa carcassa de lata e funga, a medo, esta ameaça:
—
Merecias levar com ela no pote das migas... Lá por ser garrano, não
és mais homem que eu...
Ele
apanha do chão uma verdasca e acrescenta, já a modos que refeito
da terrível ofensa:
—
Há uma coisa que eu te podia dizer...
—
Então diz.
—
A Madalena é minha namorada.
—
Parabéns, rapaz. Já cá estava meio desconfiado...
E
logo ele, repentino:
—
Então porque pensaste que eu não fosse um homem? E olha
aqui, já viste esta peitaça?
—
Tens razão, Jesus...
—
Não sou Jesus... Não faço milagres, mas sou José dos
Milagres...
Uma
buzinadela suspende-me a resposta. O pneu está mudado e vamos
arrancar.
O
miúdo vem para mim de mão estendida:
—
Toma lá uma mãozada à homem e não sejas canalha se
encontrares o pai da minha rapariga...
Pinto
da Costa, 18/11/1988 |