1.º Capítulo
Nas brumas do tempo
(1702-1769)
Geograficamente, a cidade de Díli está
situada numa planície de cerca de 20 quilómetros de comprimento e de 2 a
3 quilómetros de largura, na costa norte de Timor, aproximadamente a 80
33' S e 1250 34' E, zona onde abundam os pântanos, conhecidos por
coilões. Das montanhas descem as ribeiras de Cômoro, Maloa, Lahane,
Taibessi e Becora.
O clima é tropical, caracterizado por duas
épocas: o período de chu-vas (de dezembro a março) e o tempo seco (entre
abril e novembro). O clima é quente e abrasador nos meses entre setembro
e abril, sendo mais fresco de maio a agosto. A temperatura, nos dias de
calor, atinge 36 a 40 graus centígrados à sombra e à noite desce até 25
a 28 graus centígrados. A precipitação média anual varia entre 80 e 120
mm.
Em relação à agricultura, os habitantes do
reino de Mota-Ain cultivam arroz, milho, palmeiras, coqueiros e akadiru.
Quanto à vegetação, antigamente, Dilly era conhecida pela abundância de
gondoeiros (hali), sumaumeiras (Aí-lele) e outras espécies, como, por
exemplo, aílok, ai-tasi, capim (soko) e trepadeiras.
Os timorenses cuidam de animais, como
búfalos, cavalos, porcos, cabritos, galinhas, gatos e cães. Existe, no
território, uma vasta variedade de aves: cakatua (catatua), loricos,
manulin, lakateu (rolas), malrikit (milhafres), pombos, entre outras.
Relativamente à classe dos répteis,
existem cobras, jiboias, crocodilos e toké.
Como foi referido anteriormente, a
povoação de Dilly já existia antes da chegada dos navegadores
portugueses. O nome Praça de Dilly aparece, ao longo dos séculos, sob
várias formas ortográficas: Dily, DyIly, Delly, Dilly, Dseby, Dillé,
Delle, Délie, Dhéli, Delie, Dielhy, Djieli, Dilli e Díli. Quando o
governador José António Teles Meneses ali chegou, a 10 de outubro de
1769, já existia um prezidio.
Não se sabe de onde provém este nome. Já
ouvi várias versões. Há quem diga que a palavra "Dili" teria derivado da
palavra Ai-dila / 16 / (Papaeira), devido à
sua abundância naquela zona; outros dizem que provém da palavra
Ai-diik ou Ai-diri, uma árvore cujas flores vermelhas atraem
os pássaros, especialmente as cakatuas e os loricos. Um
sacerdote da Sociedade do Verbo Divino disse-me que o nome foi posto
pelos indianos, para relembrar New Dehli. Segundo o mesmo sacerdote, há
30 mil anos houve imigração indiana para as ilhas do Sul (arquipélago
indonésio e Timor), existindo a possibilidade de os indianos terem
denominado aquela povoação costeira de Delly. Outro sacerdote afirmou
que Timor foi habitado por pessoas de Sumatra e de Bornéu e que, em
Sumatra, havia um reino denominado Dili. Um timorense disse que provém
da palavra portuguesa "dali." Alguém disse, ainda, que, possivelmente, o
nome "Díli" provém de Kediri. Com a queda da sílaba "ke", ficou apenas
Diri e daí Díli. Essa é a hipótese mais evidente, pois, no século XIII,
a Ilha de Timor fazia parte do Império de Java, cuja capital era Kediri.
Enfim, tantas cabeças quantas sentenças...
Documentos com origem na China referem
que, já no século XIII, navios chineses sulcavam os mares do sul em
demanda da madeira de sândalo, que era abundante nas florestas de Timor.
Presume-se que navios indianos, árabes, javaneses e das ilhas de Luzon e
Molucas tenham feito viagens às costas de Timor por causa do sândalo.
A pequena povoação costeira de Dylly fazia
parte do reino de Montael ou Motael, que provém de Mota-Ain, isto é, a
povoação situada na foz do rio. O centro da povoação de Mota-ain
situava-se no local onde hoje está o bairro do Farol. A leste de
Mota-aín, existia a povoação Carqueto, onde se ergueu, mais tarde, o
Farol.
O reino de Mota-ain ou Motael estendia-se
até Aileu. Os habitantes cultivavam hortas, várzeas e quintais com
árvores de fruta, hortaliças, coqueiros, arequeiras e bétel, criando
gado bufalino, cavalos, porcos, galinhas, etc. Algumas pessoas
dedicavam-se à pesca. A sul de Mota-ain estendia-se uma vasta planície
de 20 quilómetros de comprimento que ia do sopé das montanhas de
Fatu-Ahi até ao rio de Comoro. Nessa planície predominavam charcos,
pauis e pântanos, que se enchiam com as águas das chuvas torrenciais das
montanhas e que não escorriam para o mar. Nos pântanos, sobretudo na
zona de Caicoli, havia / 17 / crocodilos, cobras,
jiboias e caranguejos grandes. Os coilões mais conhecidos eram os de
Caicole e de Sica (Colmera). A vegetação era constituída sobretudo por
capim (da espécie de Soko), trepadeiras (akar, tali) ,
akadiru, ai-Iele, hali, ai-Iook e outras espécies de árvores e
arbustos. As habitações eram feitas com o material local; a saber:
folhas de tali ou de akadiru e de coqueiro, sendo as
paredes de bebak ou de bambu. Os habitantes vestiam roupa
simples. De entre os homens pobres havia quem usasse o langotim,
hakfolik em Tétum (tanga), quem usasse tais e quem vestisse a
lipa. As mulheres usavam tais-feto e lipa e
kambatik.
O nome Dilli aparece, pela primeira vez,
num documento oficial na carta que o Bispo de Malaca, Dom Manuel de
Santo António, escreveu de Lifau, no dia 15 de maio de 1720, ao Více-Reí,
em Goa, na qual se descrevia o juramento que os reinos dos Belos fizeram
na igreja de Díli.(2)
A 9 de maio de 1721, numa carta ao
vice-rei, o governador Melo e Castro dava conta da sua iniciativa em
enviar para Dily o padre Frei Francisco dos Anjos, vigário de Batugadé,
para ir tratar com os Reis e Coronéis rebelados que se tinham refugiado
na tranqueira de Dily, a fim de que viessem a sujeitar-se à obediência
real, prometendo-lhes o perdão geral de tudo quanto tinham cometido.(3)
Nessa carta falava também do Bispo Dom frei Manuel de Santo António, que
se apoderou duma embarcação que levava mantimentos da província dos
Bellos e que a fez ancorar diante da "tranqueira de Dily, porto do
seu desembarque."(4) O mesmo governador afirmava que tinha a certeza
de que "esse prelado se achava na Província dos Bellos fortificado na
Tranqueira de Dily."(5)
No ano de 1726, o capitão-mor da Província
dos Bellos, Gonçalo de Magalhães de Meneses, saía de Díli com a gente
dos reinos dos Bellos em direção a Cailaco, para tomar parte na
conquista da "Pedra de / 18 / Cailaco", que, no
ano anterior, se tinha tornado refúgio dos povos rebeldes de Loro-monu."(6)
Em 1732, o Presídio de Delly (Díli) tinha
sido conquistado e ocupado pelo larantuqueiro Francisco Fernandes
Varela, que era capitão-mor da província de Servião e que havia tomado
Delly com as forças de que dispunha.(7) A 17 de março de 1732, Francisco
Fernandes Varela pediu a paz ao governador Pedro Barreto Gama e Castro
através do padre frey Manoel de Pilar. Francisco Varela capitulou e
assinou os ter-mos de paz com o governo. Eis o primeiro artigo desse
acordo: "Que será obrigado o Capitão-mor de Campo e Tenente Superior
da província de Servião Francisco Fernandez VarelIa a entregar o
Prezidio de DylIy com todos os seus petrechos, preparos, bastimentos,
munições e sem o viciamento que me consta há nas armas." Além disso,
Francisco Varella obrigava-se a entregar os bens de Gonçalo Magalhães
que se achavam em Díli e que haviam sido sequestrados pela fazenda real.
Era obrigado a restituir o reino ao régulo de Motael, Dom Gregório Roiz
Pereira, e libertar o citado régulo que estava preso e degredado em
Combas."(8)
Uma carta geográfica holandesa, de
aproximadamente 1740, localizava a localidade na costa norte com a
denominação de "Delie."(9)
Termino este capítulo referindo que, em
1750, havia em Delly uma igreja dedicada a Nossa Senhora do Rosário.
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(2) - Cf. LEITÃO, Humberto - Vinte e
oito anos de história de TImor: (1698 a 1725), p. 237.
(3) - Ibidem, p. 223 .
(4) - lbidem, p. 224.
(5) - Ibidem, p. 226.
(6) - SÁ, Artur Basílio de - A Planta de Cailaco, 1727, Valioso
documento para a História de Timor, p. 53.
(7) - MORAIS, Alberto Faria de - Subsídios para a História de Timor,
p. 148.
(8) - Ibidem, p. 155-156.
(9) - Cfr. DURAND, Frédéric - Timor: 1250-2005, 750 ans de
cartographie et de voyages, p. 141.
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