Dom Carlos Filipe Ximenes Belo, SDB, Díli, a cidade que não era, 1ª ed., Porto, Porto Editora, 2014, 144 pp.

 

1.º Capítulo

Nas brumas do tempo (1702-1769)

Geograficamente, a cidade de Díli está situada numa planície de cerca de 20 quilómetros de comprimento e de 2 a 3 quilómetros de largura, na costa norte de Timor, aproximadamente a 80 33' S e 1250 34' E, zona onde abundam os pântanos, conhecidos por coilões. Das montanhas descem as ribeiras de Cômoro, Maloa, Lahane, Taibessi e Becora.

O clima é tropical, caracterizado por duas épocas: o período de chu-vas (de dezembro a março) e o tempo seco (entre abril e novembro). O clima é quente e abrasador nos meses entre setembro e abril, sendo mais fresco de maio a agosto. A temperatura, nos dias de calor, atinge 36 a 40 graus centígrados à sombra e à noite desce até 25 a 28 graus centígrados. A precipitação média anual varia entre 80 e 120 mm.

Em relação à agricultura, os habitantes do reino de Mota-Ain cultivam arroz, milho, palmeiras, coqueiros e akadiru. Quanto à vegetação, antigamente, Dilly era conhecida pela abundância de gondoeiros (hali), sumaumeiras (Aí-lele) e outras espécies, como, por exemplo, aílok, ai-tasi, capim (soko) e trepadeiras.

Os timorenses cuidam de animais, como búfalos, cavalos, porcos, cabritos, galinhas, gatos e cães. Existe, no território, uma vasta variedade de aves: cakatua (catatua), loricos, manulin, lakateu (rolas), malrikit (milhafres), pombos, entre outras.

Relativamente à classe dos répteis, existem cobras, jiboias, crocodilos e toké.

Como foi referido anteriormente, a povoação de Dilly já existia antes da chegada dos navegadores portugueses. O nome Praça de Dilly aparece, ao longo dos séculos, sob várias formas ortográficas: Dily, DyIly, Delly, Dilly, Dseby, Dillé, Delle, Délie, Dhéli, Delie, Dielhy, Djieli, Dilli e Díli. Quando o governador José António Teles Meneses ali chegou, a 10 de outubro de 1769, já existia um prezidio.

Não se sabe de onde provém este nome. Já ouvi várias versões. Há quem diga que a palavra "Dili" teria derivado da palavra Ai-dila / 16 / (Papaeira), devido à sua abundância naquela zona; outros dizem que provém da palavra Ai-diik ou Ai-diri, uma árvore cujas flores vermelhas atraem os pássaros, especialmente as cakatuas e os loricos. Um sacerdote da Sociedade do Verbo Divino disse-me que o nome foi posto pelos indianos, para relembrar New Dehli. Segundo o mesmo sacerdote, há 30 mil anos houve imigração indiana para as ilhas do Sul (arquipélago indonésio e Timor), existindo a possibilidade de os indianos terem denominado aquela povoação costeira de Delly. Outro sacerdote afirmou que Timor foi habitado por pessoas de Sumatra e de Bornéu e que, em Sumatra, havia um reino denominado Dili. Um timorense disse que provém da palavra portuguesa "dali." Alguém disse, ainda, que, possivelmente, o nome "Díli" provém de Kediri. Com a queda da sílaba "ke", ficou apenas Diri e daí Díli. Essa é a hipótese mais evidente, pois, no século XIII, a Ilha de Timor fazia parte do Império de Java, cuja capital era Kediri. Enfim, tantas cabeças quantas sentenças...

Documentos com origem na China referem que, já no século XIII, navios chineses sulcavam os mares do sul em demanda da madeira de sândalo, que era abundante nas florestas de Timor. Presume-se que navios indianos, árabes, javaneses e das ilhas de Luzon e Molucas tenham feito viagens às costas de Timor por causa do sândalo.

A pequena povoação costeira de Dylly fazia parte do reino de Montael ou Motael, que provém de Mota-Ain, isto é, a povoação situada na foz do rio. O centro da povoação de Mota-ain situava-se no local onde hoje está o bairro do Farol. A leste de Mota-aín, existia a povoação Carqueto, onde se ergueu, mais tarde, o Farol.

O reino de Mota-ain ou Motael estendia-se até Aileu. Os habitantes cultivavam hortas, várzeas e quintais com árvores de fruta, hortaliças, coqueiros, arequeiras e bétel, criando gado bufalino, cavalos, porcos, galinhas, etc. Algumas pessoas dedicavam-se à pesca. A sul de Mota-ain estendia-se uma vasta planície de 20 quilómetros de comprimento que ia do sopé das montanhas de Fatu-Ahi até ao rio de Comoro. Nessa planície predominavam charcos, pauis e pântanos, que se enchiam com as águas das chuvas torrenciais das montanhas e que não escorriam para o mar. Nos pântanos, sobretudo na zona de Caicoli, havia / 17 / crocodilos, cobras, jiboias e caranguejos grandes. Os coilões mais conhecidos eram os de Caicole e de Sica (Colmera). A vegetação era constituída sobretudo por capim (da espécie de Soko), trepadeiras (akar, tali) , akadiru, ai-Iele, hali, ai-Iook e outras espécies de árvores e arbustos. As habitações eram feitas com o material local; a saber: folhas de tali ou de akadiru e de coqueiro, sendo as paredes de bebak ou de bambu. Os habitantes vestiam roupa simples. De entre os homens pobres havia quem usasse o langotim, hakfolik em Tétum (tanga), quem usasse tais e quem vestisse a lipa. As mulheres usavam tais-feto e lipa e kambatik.

O nome Dilli aparece, pela primeira vez, num documento oficial na carta que o Bispo de Malaca, Dom Manuel de Santo António, escreveu de Lifau, no dia 15 de maio de 1720, ao Více-Reí, em Goa, na qual se descrevia o juramento que os reinos dos Belos fizeram na igreja de Díli.(2)

A 9 de maio de 1721, numa carta ao vice-rei, o governador Melo e Castro dava conta da sua iniciativa em enviar para Dily o padre Frei Francisco dos Anjos, vigário de Batugadé, para ir tratar com os Reis e Coronéis rebelados que se tinham refugiado na tranqueira de Dily, a fim de que viessem a sujeitar-se à obediência real, prometendo-lhes o perdão geral de tudo quanto tinham cometido.(3) Nessa carta falava também do Bispo Dom frei Manuel de Santo António, que se apoderou duma embarcação que levava mantimentos da província dos Bellos e que a fez ancorar diante da "tranqueira de Dily, porto do seu desembarque."(4) O mesmo governador afirmava que tinha a certeza de que "esse prelado se achava na Província dos Bellos fortificado na Tranqueira de Dily."(5)

No ano de 1726, o capitão-mor da Província dos Bellos, Gonçalo de Magalhães de Meneses, saía de Díli com a gente dos reinos dos Bellos em direção a Cailaco, para tomar parte na conquista da "Pedra de / 18 / Cailaco", que, no ano anterior, se tinha tornado refúgio dos povos rebeldes de Loro-monu."(6)

Em 1732, o Presídio de Delly (Díli) tinha sido conquistado e ocupado pelo larantuqueiro Francisco Fernandes Varela, que era capitão-mor da província de Servião e que havia tomado Delly com as forças de que dispunha.(7) A 17 de março de 1732, Francisco Fernandes Varela pediu a paz ao governador Pedro Barreto Gama e Castro através do padre frey Manoel de Pilar. Francisco Varela capitulou e assinou os ter-mos de paz com o governo. Eis o primeiro artigo desse acordo: "Que será obrigado o Capitão-mor de Campo e Tenente Superior da província de Servião Francisco Fernandez VarelIa a entregar o Prezidio de DylIy com todos os seus petrechos, preparos, bastimentos, munições e sem o viciamento que me consta há nas armas." Além disso, Francisco Varella obrigava-se a entregar os bens de Gonçalo Magalhães que se achavam em Díli e que haviam sido sequestrados pela fazenda real. Era obrigado a restituir o reino ao régulo de Motael, Dom Gregório Roiz Pereira, e libertar o citado régulo que estava preso e degredado em Combas."(8)

Uma carta geográfica holandesa, de aproximadamente 1740, localizava a localidade na costa norte com a denominação de "Delie."(9)

Termino este capítulo referindo que, em 1750, havia em Delly uma igreja dedicada a Nossa Senhora do Rosário.
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(2) - Cf. LEITÃO, Humberto - Vinte e oito anos de história de TImor: (1698 a 1725), p. 237.
(3) - Ibidem, p. 223 .
(4) - lbidem, p. 224.
(5) -  Ibidem, p. 226.
(6) - SÁ, Artur Basílio de - A Planta de Cailaco, 1727, Valioso documento para a História de Timor, p. 53.
(7) - MORAIS, Alberto Faria de - Subsídios para a História de Timor, p. 148.
(8) - Ibidem, p. 155-156.
(9) - Cfr. DURAND, Frédéric - Timor: 1250-2005, 750 ans de cartographie et de voyages, p. 141.

 

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27-.09-2014