Dom Carlos Filipe Ximenes Belo, SDB, Díli, a cidade que não era, 1ª ed., Porto, Porto Editora, 2014, 144 pp.

 

Prefácio

É sob a vasta tela da memória que o autor de Dili, a cidade que não era se transforma num arquiteto de imagens e nos apresenta cronologicamente o nascer da cidade que teimava em sê-lo.

Díli é uma topofilia. É o espaço feliz e louvado, a pátria geométrica de um Timor que se deixa regressar à sua ancestralidade, através de repercussões e ressonâncias de personalidades que, em diversos momentos da sua vida, contribuíram para a ereção e desenvolvimento da cidade de Díli, na expectativa de que essas mesmas reverberações possam convidar os leitores, concretamente, os timorenses, a um aprofundamento da sua própria existência.

É preciso amar o espaço para o descrever tão minuciosamente. É esta a sensação que D. Carlos Filipe Ximenes Belo sugere ao construir a narrativa história da cidade berço timorense, como se nesse espaço houvesse moléculas de mundo responsáveis por subtrair grandeza à miniatura natural.

Contudo, e ab initio, que a prolixidade das impressões dadas pelas figuras que se atraíam a Díli, por esta ou por aquela razão, testemunharam uma isotopia de negação, de miserabilismo, atestadas, inclusive, pelo subtítulo da obra, parecendo o autor querer inaugurar o tópico medieval, "o mundo ao contrário", espreitando o ridículo, o diminutivo, o tom depreciativo de uma extensão que nada tinha. Mas esse fluxo de contrários é o resultado da opinião do outro, do estrangeiro, do forasteiro, do visitador, da aparência das coisas que, ao jeito de Parménides, está em constante mudança, pois a realidade, o verdadeiro ser, é imutável. Daí ser necessário ultrapassar a lógica para viver o que há de grande no pequeno.

Todas as coisas pequenas exigem vagar. A causalidade do pequeno agita todos os sentidos, tal como as "aldeias perdidas no horizonte se tornam então pátrias do olhar" É nesta dialética do pequeno e do grande sob os signos da miniatura e da imensidão que D. Ximenes Belo se move e dá a conhecer a cronologia daquela imensidão local. Da insalubridade e do miserabilismo civilizacional iniciais, referências que, na primavera de 1861, ilustravam aquele território, pôde nascer a modernidade, devido aos contributos inegáveis de todas aquelas figuras destacadas pelo autor que pertencem à galeria de personalidades históricas responsáveis pela arquitetura histórica de Timor. Parecia até que "a palavra miséria foi inventada para definir tudo quanto de português tem o nome de Timor", dizia um autor, nos anos 70 do século XIX, a propósito de Díli que era "inferior absolutamente a qualquer aldeia das que conhecemos em Portugal".

Díli era, nos anos 40 do século XX, "uma cidade do silêncio, a cidade das ruínas, a cidade da morte". Todavia, o autor da impressão esquecia-se que o silêncio é um prelúdio de abertura à revelação, abre uma passagem, envolve os grandes acontecimentos, marca o progresso, tal como rezam as tradições, à semelhança da morte que é revelação e introdução.

É este o tom regenerador que Díli, a cidade que não era por altura das comemorações da sua elevação a cidade, quer trazer à contemporaneidade timorense. D. Ximenes Belo dá mais um contributo para que se descubra nos gestos daquela gente edificadora o valor humano dos espaços de posse. O tom laudatório com que o faz é um exemplo, ao jeito da mensagem pessoana "É a Hora!", para que os cidadãos timorenses homenageiem a sua história, a sua independência e vejam em cada gesto edificador uma possibilidade de construção de mundos novos que contenham os atributos da grandeza.

É oportuno invocar os versos de Baudelaire, "as nações ... vastos animais, cuja organização é adequada ao seu meio. ( ... ) As nações, vastos seres coletivos", que atestam o flutuar da alma por essa pátria geométrica, de uma forma necessária, justa e proporcional.

Dili, a cidade que não era é mais um contributo para a memória coletiva de um jovem país independente, para a criação de referências culturais relativas ao património arquitetónico da cidade de Díli, para o reforço da identidade e entendimento da idiossincrasia timorenses e estabelecimento de normas protetoras da diversificação cultural nacional, salvaguardando sempre o património intangível edificado.

Quanto a mim, só sei meditar as coisas da minha terra.

Marco Dias da Silva

 

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27-.09-2014