História dos números gigantes

A evolução dos numerais

 

 

A Gralha...

 

 

História dos números gigantes

 

 

Actividades de aplicação

 

 

Bibliografia

 

Um contrato vantajoso

Não se sabe quando nem onde aconteceu esta história. É possível até que nem sequer tenha acontecido.  Certamente que é isto o mais provável.  Mas quer seja um facto quer seja uma invenção, a história que vamos contar é bastante interessante e vale a pena lê-la.

Um milionário regressava muito contente de uma viagem, durante a qual tinha tido um encontro afortunado que lhe prometia grandes lucros.

«Às vezes acontecem estas felizes casualidades - contava aos familiares. - Não é em vão que se diz que o dinheiro atrai dinheiro.  Com efeito o meu dinheiro atraiu mais dinheiro.  E de um modo tão inesperado!  Encontrei no caminho um desconhecido de aspecto vulgar.  Não teríamos entabulado conversa se ele mesmo não me tivesse abordado quando soube que eu era um homem endinheirado.  No final da nossa conversa, propôs-se um negócio tão vantajoso que me deixou atónito.

- Façamos o seguinte contrato - disse-me.  Em cada dia durante um mês completo entregar-lhe-ei cem mil escudos.  Claro que não o vou fazer gratuitamente mas o que terá de pagar é mínimo.  

No primeiro dia eu devia pagar-lhe segundo o contrato e ria ao dizê-lo  -  um centavo.  

Não acreditei no que ouvia:

- Um centavo? - perguntei-lhe.

- Um centavo - respondeu.  Pelos segundos cem mil escudos pagar-me-á dois centavos.

- Bem - disse impaciente. - E depois?

- Depois, pelos terceiros cem mil escudos, 4 centavos; pelos quartos, 8; pelos quintos, 16.  E assim durante todo o mês.  Em cada dia pagará o dobro do que pagou no dia anterior. - E que mais? - perguntei-lhe.

- É tudo - disse. - Não lhe pedirei mais nada.  Mas o senhor deve manter o contrato rigorosamente.  Levar-lhe-ei todas as manhãs cem mil escudos e você pagar-me-á o estipulado.  Mas não tente romper o contrato antes do fim do mês.

Entregar centenas de milhar de escudos por centavos!  A não ser que o dinheiro seja falso - pensei -. Este homem está louco!  De qualquer modo é um negócio lucrativo e não vou deixá-lo escapar.

- Está bem - respondi. - Traga o dinheiro.  Pela minha parte pagarei pontualmente.  E o senhor não me venha com enganos.  Traga dinheiro legal.

- Pode estar tranquilo - disse-me - Espere por mim amanhã de manhã.

Só uma coisa me preocupava: que não viesse. Que pudesse dar-se conta do ruinoso que era o negócio em que se metera. Bom, esperar um dia, ao fim e ao cabo não era muito!  

Decorreu aquele dia. De manhã cedo, no dia seguinte, o desconhecido que o ricaço tinha encontrado na viagem bateu-lhe à janela.

- Tem o seu dinheiro? - disse - Eu trouxe o meu.  

E, efectivamente, uma vez em casa, a estranha personagem começou a tirar o dinheiro. Dinheiro bom, que nada tinha de falso. Contou precisamente cem mil escudos e disse:

Tenho aqui o meu, como combinámos.  Agora é a sua vez de pagar ...

O ricaço pôs na mesa uma moeda de um centavo e esperou receoso que este se arrependesse e exigisse que este lhe devolvesse o dinheiro.  O visitante olhou a moeda, supesou-a e meteu-a no bolso.

- Espere-me amanhã à mesma hora. - disse - E retirou-se.

O ricaço nem acreditava na sua sorte: cem mil escudos que lhe tinham caído do céu! Contou de novo o dinheiro e convenceu-se que não era falso.  Guardou-o e dispôs-se a esperar pelo dia seguinte.

De noite surgiram-lhe algumas dúvidas. Não seria um ladrão que se fingia louco para ver o sítio onde guardava o dinheiro para depois assaltar a casa acompanhado de uma quadrilha de gatunos?

O ricaço fechou bem as portas, esteve a olhar e a escutar através da janela desde que anoiteceu e custou a adormecer.  De manhã bateram de novo à porta. Era o desconhecido que trazia o dinheiro. Contou cem mil escudos, recebeu os seus dois centavos, meteu a moeda no bolso e retirou-se dizendo:

- Para amanhã prepare 4 centavos.  Não se esqueça.

O ricaço alegrou-se de novo. Os segundos cem mil escudos, também lhe ficaram de graça. E o visitante não parecia ser um ladrão. Não olhava furtivamente, não observava, nada mais fazia do que pedir os seus centavos. Um excêntrico! Oxalá houvesse muitos assim no mundo para as pessoas inteligentes viverem bem!...

O desconhecido apresentou-se também no terceiro dia e os cem mil escudos passaram para as mãos do ricaço a troco de quatro centavos.

Mais um dia se passou e do mesmo modo chegaram os quartos cem mil escudos a troco de oito centavos.

Apareceram os quintos cem mil escudos por 16 centavos.

Depois os sétimos, por 32 centavos.

Sete dias depois de ter começado o negócio, o nosso ricaço, tinha recebido já setecentos mil escudos e pago a insignificância de 1 centavo + 4 centavos + 8 centavos + 16 centavos + 32 centavos + 64 centavos = 1$27.

Isto agradou ao cobiçoso milionário que lamentou ter feito o contrato só por um mês. Não poderia receber mais do que três mil contos. Se ele pudesse convencer aquele excêntrico a prolongar o prazo nem que fosse só por três dias! Mas temia que o outro desse conta de quanto lhe agradava o dinheiro.

O desconhecido apresentava-se pontualmente todas as manhãs com os seus cem mil escudos. No oitavo dia recebeu 1$28, no nono 2$56, no décimo 5$12, no décimo primeiro 10$24, no décimo segundo 20$48, no décimo terceiro 40$96 e no décimo quarto 81$92.

O ricaço pagava gostosamente estas importâncias. Tinha recebido já mil e quatrocentos contos e pago apenas uns cento e cinquenta escudos.

No entanto a alegria do milionário não durou muito.

Depressa compreendeu que o desconhecido não era um simplório, e que o negócio não era tão vantajoso como lhe tinha parecido no princípio. A partir do décimo quinto dia, pelos cem mil escudos correspondentes teve de pagar não centavos, mas sim centenas de escudos e as quantidades a pagar aumentavam rapidamente. Com efeito, o ricaço, na segunda metade do mês, pagou:

Pelos 15.ºs cem mil escudos 163$84
" 16s " 327$68
" 17s " 655$36
" 18s " 1310$72
" 19s " 2621$44

No entanto o milionário considerava que de modo algum perdia dinheiro.  Ainda que tivesse pago mais de cinco mil escudos, tinha recebido mil e oitocentos contos.

Contudo, os ganhos diminuíam dia a dia, cada vez mais rapidamente.

Eis o que pagou a seguir:  

Pelos 20.ºs cem mil escudos 5242$88
" 21s " 10485$76
" 22s " 20971$52
" 23s " 41943$04
" 24s " 83886$08
" 25s " 167772$16
" 26s " 335544$32
" 27s " 671088$64


Já tinha que pagar mais do que recebia.  Que bom seria parar!  Mas não podia rescindir o contrato. Mas o que se seguiu foi ainda pior. O milionário convenceu-se, demasiado tarde, que o desconhecido tinha sido mais astuto que ele e receberia muito mais dinheiro do que teria de pagar.

A partir do dia 28, teve de pagar milhões. Eis esses enormes pagamentos:  

Pelos 28.ºs cem mil escudos 1342177$28    
" 29.ºs " 2684354$56    
" 30.ºs " 5368709$12    


Quando o desconhecido abalou definitivamente, o milionário calculou quanto lhe tinham custado os três mil contos à primeira vista tão baratos.  Concluiu que tinha pago ao desconhecido 10 737 418$23.

Quase onze mil contos. E tinha começado por pagar um centavo. O desconhecido teria podido pagar-lhe diariamente trezentos mil escudos sem perder dinheiro!

Antes de terminar esta história, vou indicar um método para acelerar o cálculo das perdas do nosso milionário. Por outras palavras indicar como se pode fazer soma da série de números seguinte:

1+2+4+8+16+32+64+...

Não é difícil observar a seguinte particularidade destes números:

1=1
2=1+1
4=(1+2)+1
8=(1+2+4)+1
16=(1+2+4+8)+1
32=(1+2+4+8+16)+1
etc.

Vemos que cada um dos números desta série é igual ao conjunto de todos os anteriores adicionados de uma unidade. Por, isso, quando temos que somar os números de uma série destas, por exemplo, de 1 até 32768, basta juntar ao último número (32768) a soma dos anteriores.  Por outras palavras, juntamos-lhe esse mesmo número subtraído de uma unidade (32768-1).  Obtemos 65535.

Seguindo este método podem calcular-se as perdas do nosso milionário muito rapidamente se soubermos quanto pagou da última vez.  Mas, como vimos, o último pagamento foi de 5368709$12. Então, adicionando 5386709$12 com 5386709$11, obteremos imediatamente o valor procurado: 10 737 418$23.

Texto extraído de Y. Parelman, Matemáticas recreativas, 1ª ed., Lisboa, Editora Litexa, 1979, ISBN 972-578-016-7, pp. 81-86.


 Página anterior    Primeira página   Página seguinte