SESSÃO DE 10 DE JULHO DE 1861
Eu faria o maior esforço sobre mim
mesmo se, tomando a palavra nesta casa, deixasse
predominar no meu discurso alguma pretensão de efeito
oratório, se não julgasse que é do dever do homem público,
primeiro que tudo, manifestar o seu pensamento,
mostrar as suas ideias, e dar as suas opiniões
definidas sobre as questões que ocupam as casas onde
lhe é permitido orar. É guiado por estes princípios,
e só por eles, que eu vou em poucas palavras terminar
o discurso, que ontem tive a honra de pronunciar
perante a câmara.
Apresenta-se um argumento para se
insistir na necessidade de receber congregações
estrangeiras, dedicadas especialmente ao exercício da
caridade nas suas diversas aplicações; e este
argumento, assentando sobre bases falsas, sobre
apreciações inexactas do estado da nossa administração,
dos nossos recursos, da nossa capacidade e dos nossos
meios de beneficência, e extremamente perigoso,
porque tende a desautorar-nos; e, aplicado a todos os
negócios do Estado, é a declaração implícita de
que carecemos dos meios de nos governarmos.
Diz-se: «Venham irmãs da caridade
francesas, porque já não há entre nós quem tenha o
instinto da caridade; perdemos a educação dos serviços
desta virtude; só dias possuem a ciência de
enfermeiras de um doente, de lhe ministrar a tempo o
remédio, de velar com carinho a sua cabeceira, de
estar como convém junto ao seu leito. Venham irmãs
da caridade francesas, porque só elas é que têm o
talento e perseverança para educar crianças; só
elas é que possuem, por uma revelação especial, a
doutrina católica, para lhe poderem transmitir; só
nelas finalmente é que podemos depositar os cuidados
da educação pública.»
Se este argumento prevalece, se
querem tirar-lhe todas as consequências que encerra,
eu vou fazer dele aplicações a todos os serviços do
estado. Mas espero que, ao fazer uma dessas aplicações,
se levantara alguém do banco dos ministros, e dirá:
«nessa conclusão é atrevida nos não queremos que o
argumento vá tão longe.» Se estamos autorizados,
pelo mau estado da organização da nossa beneficência
pública, a mandar vir quem nos estabeleça no país
os seus verdadeiros institutos e as suas verdadeiras
práticas, também podemos, pela aplicação do mesmo
princípio, pedir a algum país estrangeiro ministros
que nos governem.
Mas eu, detido por um princípio de
decoro no caminho dessa perigosa argumentação, não
espero que ela cegue a aplicações contra as quais se
levantaria talvez o interesse ou a vaidade...
Não há país nenhum que tenha
mais grandiosos recursos morais, religiosos e pecuniários
do que o nosso, para atender à beneficência pública
em todas as suas aplicações; o que nos falta é
reconhecei-os, manejai-os e aplicá-los devidamente
sendo o espírito do cristianismo, e segundo a nova
filosofia da caridade.
É extremamente honroso para nos
esse copioso, esse suculento orçamento dos recursos
da caridade, juntos e acumulados pelas dádivas dos
soberanos, pela beneficência dos particulares, e por
essas imensas e poderosas confrarias, cujos intuitos são
respeitáveis, mas que eu quisera que, sem serem
destruídos, fossem ilustrados pelas luzes do tempo.
Os seus meios de caridade, não quisera eu que fossem
distraídos das aplicações que tiveram na sua
origem: mas desejava que se examinasse se excedem
essas aplicações, para se darem as sobras outro
destino. É este um vastíssimo campo a desbravar, uma
tarefa de grande magnitude a empreender, para que não
basta talvez a elite das nossas inteligências.
Nós, por exemplo, temos muitos
hospitais. Mas quantas terras, quantas povoações
importantes, quantos centros de população não
carecem dos hospitais precisos, não para acudir a
epidemias, porque elas são o extraordinário das misérias
humanas, mas para acudir ao tratamento das doenças
ordinárias? Sim, porque, enquanto em certas povoações
se acumulam instituições riquíssimas, que gastam
uma grande parte dos seus rendimentos em faustos,
pompas e luxos religiosos, (apoiados) e as
confrarias consomem os seus recursos em abusos
administrativos, onde não é possível meter luz, em
outras partes os doentes agonizam, não faltos de remédios,
mas faltos de agasalho, a velhice extenuada pelo
trabalho doméstico pede esmola, sem haver um
estabelecimento que lhe abra as portas no último
quartel da vida e vemos chusmas de crianças de ambos
os sexos pedindo a instrução e agasalho que se lhes
não dá, havendo aliás nessas mesmas povoações
casas aparatosíssimas, estabelecidas com o maior
luxo, destinadas a obviar a outros males, sem que se
faça uma distribuição equitativa da caridade por
todas as misérias da vida humana! Nos temos por
exemplo, em Lisboa, o hospital do S. José: é uma
casa magnífica, perfeitamente montada, na aparência:
mas é a negação de um hospital, sem aludir a
insalubridade das enfermarias, que determina uma
mortalidade espantosa, a qual não se devia esperar
nem da perícia dos médicos, nem do tratamento dos
doentes.
Que direi do hospital do Porto,
desse grande e célebre edifício, feito e levantado
pela mais fervorosa e mais rica vaidade, diante de
cuja arquitectura o espectador se extasia, mas o médico
se horroriza, porque tem uma temperatura oposta à
conservação da vida ainda na sua maior robustez? E
entretanto esse grande monumento da vaidade lá vai
continuando a ter uma aplicação indevida, quando se
podia e devia apropriar aos numerosos usos civis, de
que é susceptível. e dar-se à Misericórdia o
dinheiro preciso para estabelecer um hospital, ou mais
de um, nas condições em que eles se devem
estabelecer, segundo as enfermidades, e segundo a
conveniência regional desses estabelecimentos. (Apoiados.)
Estão na secretaria do reino, e
datam de muito tempo, completos trabalhos sobre
beneficência pública, nos quais estão determinados
os rendimentos dos hospitais, em que consistem esses
rendimentos, e tudo o que se pode fazer neste
capitulo. Mas o que temos nós?
Temos um conselho superior de
beneficência pública, composto de todas as
notabilidades religiosas, do patriarca mesmo, de todas
as notabilidades civis, de homens de diversas condições,
alguns dos quais estão à testa da administração de
estabelecimentos de beneficência, e não tenho notícia
nem das reuniões desse conselho, nem das actas dos
seus trabalhos. E é tal a abstenção do governo
sobre estes assuntos, que ainda não achei o poder
executivo servido por pessoas que tenham tido força
para acabar com o abuso condenável e insuportável
que se prática na cidade do Porto, onde cada
irmandade mantém e conserva um cemitério particular
junto das igrejas, não sendo possível obrigá-las a
enterrar os seus confrades no cemitério público!
Estamos lamentavelmente atrasados
neste ponto; e convenço-me de que, se metade da
energia e do zelo que se tem desenvolvido a favor das
irmãs da caridade, se tivesse aplicado a estas e
outras reformas, teríamos perfeitamente organizados
estes serviços!
Mas se as irmãs da caridade dão
remédio a tudo isto, eu voto que elas venham! Se elas
trazem remédio, luz, instrução, inteligência,
coragem para resolver todas estas questões, e para
aproveitar o orçamento da nossa beneficência pública,
eu votaria que elas viessem. Mas não o acredito. E,
se se reconhecer esta necessidade, temos de a
reconhecer em outros pontos, e a primeira coisa a
fazer seria irmos embora, e mandar vir também de país
estrangeiro uma câmara completa de deputados. (Riso.)
E já temos feito assim; porque
desde muito tempo estamos acostumados a encomendar
generais aos diversos países. Já tive na mão a
conta de quanto tínhamos gasto nestas encomendas, e
calculei que, tendo gasto metade ou a terça parte das
quantias que despendemos com elas, teríamos
estabelecido no país boas escolas militares; e,
acabando com esta lei absurda de promoções por
antiguidade, teríamos, não digo generais
verdadeiros, mas generais capazes de desempenhar este
papel. O conde de Lipe custou muito caro; o general
Beresford creio que também não foi barato. Foram
encomendas caríssimas. Na nossa guerra civil acabámos
por mandar vir de fora, cada partido o seu, dois
generais; o partido liberal mandou vir o general
Solignac, o partido miguelista mandou vir Brumont…
O SR. LOBO D'ÁVILA: - Mas no exército
liberal foram os generais portugueses que decidiram a
questão.
O ORADOR: - Se o ilustre deputado
me fez esta observação por julgar que eu ofendia as
capacidades militares deste país, não me
compreendeu; o que fez foi dar mais apoio à minha
ideia. Nos temos grandes capacidades, e digo e insisto
que o que era necessário era aproveitá-las a tempo
competente. E mesmo no tempo em que se andou a
mendigar capacidades estrangeiras, achavam-se entre nós
capacidades militares muito distintas.
Mas esta tendência para as irmãs
da caridade é uma questão de elegância; e a elegância
e o gosto seduzem-se com tudo quanto é belo e novo. A
ideia da moda é uma ideia universal. No dogma não
pode haver moda, mas na aplicação pode havê-la.
Eu já ouvi dizer: «Horror! Às
enfermeiras do hospital de S. José andam de balão!»
(Riso.) Pode-se acreditar que uma mulher de balão
possa ter fé e espírito de caridade para tratar um
enfermo? (Riso.) Para se ser boa enfermeira é
necessário ter uma touca muito grande?! Eu dou muito
pouco pela touca e pelo balão, e muito pela
habilidade, perícia e bons sentimentos. (Apoiados.)
Não temos beneficência? Venham as
irmãs da caridade francesas! Não temos soldados?
Venham de fora, bem impossibilitados de se mover, com
uma gravata que lhes tire a mobilidade do pescoço,
porque um soldado para ser perfeito há de ser um
estafermo. Venham os soldados ingleses. Já vieram; e
depois julgou-se que um soldado era o contrário de
tudo isto, e os mesmos ingleses o reconheceram.
Precisamos de legisladores? Venham legisladores, os
mais afamados na antiguidade, que, segundo nos ensina
a literatura, eram os gregos... Mas não suscitemos
susceptibilidades: venham de qualquer nação; mas
venham, porque estamos desprovidos de tudo!
Não nos desconsolemos, porém, de
estarmos faltos de tudo, porque tivemos outro lá nos
jornais a consoladora notícia de que tínhamos um
ministro que manejava perfeitamente o estilo do ridículo.
(Riso.) O país que tem destas maravilhas -
pode prescindir de muitas outras coisas! E tanto mais
que este estilo se maneja muito facilmente, porque às
vezes e uma condição natural da oratória, inspirada
pela própria pessoa que a maneja, e que não tem senão
que inspirar-se em si mesmo! «Mas as irmãs da
caridade estrangeiras, não as queremos: queremos as
portuguesas.» Isto é que eu não entendo. Esta opinião
é que confunde todas as minhas ideias. Eu suponho que
as irmãs da caridade são uma instituição católica,
feita por uma bula da autoridade católica para todo o
orbe católico. Há o instituto, mas não há nem irmãs
da caridade portuguesas, nem francesas, nem inglesas.
Donde vem pois esta pretensão de irmãs da caridade
portuguesas? Confesso que me custou a entender isto.
É uma utopia e uma grande excentricidade.
Não há irmãs da caridade
portuguesas, nem com que, nem com quem as fazer.
Pergunto: com quem as querem fazer? Com as que cá
estavam? Não fizeram elas as mais enérgicas e
terminantes protestações de que, no tempo que
estiveram debaixo da autoridade do prelado diocesano,
tinham estado contra sua vontade e com quebra do seu
instituto, pelo que pediam perdão, ao geral, do seu
desregramento? Com outras não pode ser; e já um
digno membro da outra câmara disse que, se se criasse
uma nova congregação de irmãs da caridade
portuguesas, dentro de dois meses o seu instituto era
francês, e justamente francês.
Pois se não há instituto de irmãs
da caridade senão francês!... Sendo o centro da
congregação em Paris, as irmãs da caridade
portuguesas seriam francesas, porque tiravam a sua
nacionalidade da do seu chefe.
Pois quem é que se persuade, quem
é que podia conceber que havia de existir uma ordem
em condição inferior à outra e fora da lei comum, e
que as pessoas pertencentes a essa ordem não haviam
de ansiar por se unir às irmãs da caridade que eram
reputadas a expressão genuína daquela instituição?
Depois, como se há de criar?! Com que bens, com que
dotação? Se reprovo que se recebessem irmãs da
caridade para uma congregação já criada, mais
reprovo, porque o julgo um grande absurdo que se crie
uma nova congregação desde os fundamentos. (Apoiados.)
O país católico quer irmãs da
caridade, e diz ao chefe da igreja: «Concedei-nos uma
bula especial para termos irmãs da caridade
portuguesas, com um instituto próprio, e sem a tradição
do verdadeiro espírito da sua origem.» Mas qual é o
vosso intuito neste pensamento? É porque os poderes públicos
aqui são fracos? É porque não podendo nos resolver
esta questão convenientemente, não tendo força para
dizer o que queremos e o que não queremos, procuramos
um meio termo que não faça mal a ninguém, e que nos
salve a nossa responsabilidade?
Mas a autoridade de uma religião,
qualquer que seja, o papa, por exemplo, se se lhe
fizesse este pedido, respondia muito bem: «Governem-se
lá como entenderem, mas eu não faço leis senão
para o meu povo.»
Eu acho já absurda a ideia da criação
das irmãs da caridade portuguesas; mas diz-se que não
é com as regras de S. Vicente de Paula que se quer a
nova instituição, mas umas irmãs da caridade
portuguesas segundo uma ordem nova. Não se fala no
instituto de S. Vicente de Paula, diz-se: «E porque o
governo reconhece as vantagens e os piedosos frutos
que se podem colher do instituto português das irmãs
da caridade, reorganizado em conformidade dos cânones
da igreja católica, e das leis da sociedade civil, os
ministros de sua majestade têm a honra de submeter à
sábia consideração das cortes a seguinte proposta
de lei.»
Creio que estas palavras organizar
na conformidade dos cânones da igreja católica,
supõem que é uma nova congregação, para a qual se
deve pedir autorização ao papa, pois de outro modo não
sei em que interviessem os cânones aqui.
Portanto, para estas irmãs da
caridade há de se impetrar do papa uma bula? E para
quê? Para determinar quem há de fazer a regra, se o
papa mesmo, se o geral de S. Vicente de Paula, para
este caso somente, se o próprio governo? E o governo
poderá assumir as funções de estabelecer a regra de
uma ordem religiosa, fazer os seus estatutos e mandá-los
ao papa para aprovar? Creio que a cúria de Roma não
aprovaria tal procedimento. Portanto, as palavras que
li não podem significar isto.
A insistência na criação desta
nova ordem de irmãs da caridade faz-me recordar o
celebre pedido: «Faça-me um soneto, ajuda que seja
pequeno.» (Riso.)
Desenganemo-nos: isto é uma grande
pequice, uma grande excentricidade! E aqui temos, nos
documentos publicados pelo governo, um solene
desengano do que é o instituto das irmãs da
caridade. Todos estes documentos concernentes às irmãs
da caridade foram publicados em língua portuguesa;
este foi publicado em francês. Mas é curioso, curiosíssimo;
e eu vou lê-lo. A bula está aqui já; é este
documento. O que é preciso e ver se lhe dão o beneplácito
ou não. Vem no Diário de Lisboa, e digo-o
para que se não pense que é algum documento apócrifo.
É a declaração do superior das missões de S.
Vicente de Paula ao cardeal patriarca, na véspera da
sua saída de Lisboa em 13 de Julho de 1857. Diz ele
«Seria para desejar... (o modo de pedir é modesto)
que houvesse em Lisboa uma casa central das irmãs da
caridade, onde fosse colocada uma administração
superior da comunidade encarregada de tratar
directamente com as autoridades eclesiásticas e civis
do reino, sem que estas fossem obrigadas a
corresponder-se com Paris...»
De modo que o superior não
contesta, não põe a menor dúvida em que as irmãs
da caridade fiquem sujeitas aqui ao prelado português,
no que respeita à jurisdição e às funções eclesiásticas.
Faz esta grande concessão! A dúvida está no que diz
respeito à obediência ao superior da missão, em
tudo que toca à regra da ordem. A questão não é
quanto à sujeição ao prelado ordinário português
sobre os assuntos eclesiásticos; é só, sim, quanto
à obediência ao geral da missão com relação às
regras da ordem.
Mas a questão é outra: a questão
é que essas religiosas são membros de uma congregação
que tem estatutos, cujas estipulações não nos
agradam, e uma organização que nos intimida, porque
as irmãs da caridade, seja dito de passagem, não são
senão uma emanação do espírito jesuíta, e em
volta dessa congregação se juntam todas as ideias
que ficaram desbaratadas e destruídas pela perseguição
que se fez a essa instituição. Essas tendências,
porém, são acobertadas e protegidas por uma etiqueta
que todos devemos respeitar, como são os princípios
de caridade, religião e consolação, - coisas
santas, justas e boas, cobrindo coisas perniciosas e
nefastas à verdadeira caridade e à verdadeira religião.
(Apoiados.) Mas nós estamos ainda na primeira
estação: a organização final, o ideal, o que devia
contentar as vistas do superior da ordem das irmãs da
caridade está aqui: «...Seria este um meio eficaz de
preparar e pôr à prova as vocações, e por
consequência de tornar esta instituição nacional,
ficando contudo unida à casa mãe de Paris. Para
realizar este pensamento bastaria destinar para este
objecto uma casa vasta, que tivesse alguns recursos e
uma igreja. Os missionários e as irmãs poderiam aí
estar estabelecidos e servir a igreja, que ficaria
sendo comum às comunidades...» Não são comunidades;
o padre superior é que é um grande ignorante, tendo
o atrevimento de chamar comunidades às irmãs da
caridade.
«...Não é necessário que a
propriedade lhes seja dada; basta que fiquem com o
uso, continuando a pertencer a propriedade à
autoridade eclesiástica.» Já sei o que isto é; e
mais uma repartição que tem de ser incorporada no
ministério, de modo que quando qualquer tiver precisão
de falar ao ministro, responde-lhe o porteiro da
secretaria: «Não lhe pode falar agora, porque está
com o superior das irmãs da caridade.» Ora os meus
ouvidos recusam-se a ouvir essa resposta. Não fui
educado nisto; saí de Portugal quando não tinha
ainda a idade de ouvir isto, e quando vim já o não
ouvi, e quero morrer sem o ouvir. (Apoiados.)
Diz o superior: «Sem que estas
fossem obrigadas a corresponder-se com Paris.» É uma
concessão que faz o padre. Diz ainda: «Será este um
meio de preparar e pôr à prova as vocações, e por
consequência de tornar esta instituição nacional.»
Não se pode perder uma só frase.
Será isto um meio eficaz de preparar o espírito
para a prova das vocações?
Tudo quanto está neste papel é
substancioso e importantíssimo. Mas pergunto o que é
preparar os espíritos para as provas das vocações?
É por qualquer modo ingerir-se no seio de todas as
famílias para as trazer ao seu instituto? (Apoiados.)
É segredar para o mesmo fim às senhoras, sem
consentimento dos maridos? (Apoiados.) É assim
que se preparam os espíritos das filhas para
desaparecerem do seio das suas famílias? (Muitos
apoiados.) É assim que entre famílias respeitáveis
se estabelece a cizânia? (Apoiados.) Isto é
fazer roubos sacrílegos, roubo sacrílego de uma
alma, de uma existência, seduzindo-lhe absolutamente
o espírito e o coração, como aconteceu há pouco,
no Porto, com uma donzela, que estando próxima a
passar para debaixo das ordens do director desta
corporação, e apresentando-se-lhe sua mãe, lhe
disse com os olhos no chão: «Não vos conheço!» -
«Não me conheceis?» disse a mãe. - «Repito: não
vos conheço; apartai-vos de mim, que pertenço a Deus
e só a Deus!!...»
Eis aí o que é preparar o espírito
para as vocações! (Muitos apoiados.)
Há mais. Disseram-me que uma
senhora, estando no leito da morte, pediu, por princípios
de devoção sincera, nem outros podiam nela imperar,
que o seu leito de dor fosse cercado por algumas irmãs
da caridade; e nesta pretensão extrema, tendo-se alguém
dirigido a quem devia prover para que essas irmãs
viessem a casa da moribunda, para orarem com os
padres, disseram-lhe que, no estado em que estava a
instituição, era preciso recorrer ao director; e foi
preciso expedir um telegrama para Paris, para se saber
se as regras de S. Vicente de Paula consentiam que,
por pedido de uma agonizante, fossem enviadas irmãs
da caridade para junto do seu leito! Era preciso para
este acto da caridade cristã e humana licença do
superior!! (Sensação.) Não afirmo o facto,
mas há na câmara quem diga que é verdadeiro.
O SR. MENDES DE VASCONCELOS: - É
verdade.
O ORADOR: - Vamos aos meios práticos.
É singular, único (mostrando o documento que
estava lendo) que este documento não fosse
traduzido em português; está escrito só em francês;
e o que é mais singular ainda é que, depois de
transcrever este documento, diz o copista : «Não se
contem nada mais no original.» E que devia e podia
conter mais?! (Riso.)
Visto isto, que devemos nos fazer?
Pela minha parte, louvo, celebro, animo, acompanho,
promovo e agradeço todos os esforços feitos pelos
particulares, pelo governo do estado, pelas
autoridades superiores ou pelas autoridades de todas
as categorias, tendentes a obstar a que o pernicioso
pensamento exarado neste papel se venha a realizar.
Pela minha parte, não cessarei de bradar aos restos
desse velho partido liberal, que não têm ajuda
amortecido as suas convicções por meio das
transformações políticas por que temos passado, e a
essa geração nova que abriu os olhos com a
liberdade, que se acautele contra estes sofismas, e
que nos unamos todos e formemos todos um antemural
contra essas influências, que são perseverantes,
incessantes, como demonstra a historia das imãs da
caridade. (Apoiados.)
Louvo por consequência os Srs.
ministros na parte eficaz, ou não eficaz, que eles têm
tomado para fazer com que se não realize o pensamento
que com as irmãs da caridade se tem em vista.
Louvo o ministério passado pela
lealdade com que executou a legislação que então
governava esta parte da administração pública.
Creio e sei que é exacta, exactíssima a declaração
aqui feita, de que no tempo da administração do Sr.
Fontes não entrou maior número de irmãs da caridade
francesas do que aquele que a lei permitia.
Louvo a câmara pelos votos que der
ou tiver de dar, para com a sua importante intervenção
pôr por uma vez termo a esta invasão, sempre
renascedora, e que desde 1839 não tem cessado de
espreitar ocasião oportuna para o restabelecimento de
uma ordem religiosa, a um de que o exemplo serva de
precedente para depois virem todas as outras.
Já se disse, e creio que com
sinceridade, porque quem o disse era capaz de cumprir
o que dizia: «Eu não temo a reacção das irmãs da
caridade. Venham elas, e nós as obrigaremos a
observar as leis do país, e senão tomaremos as
medidas que se julgarem convenientes.» Esta política
na boca de outro homem seria temerária, mas na do Sr.
Fontes não o é, pois reconheço-lhe todas as
qualidades para desempenhar um programa, porque é um
homem de governo e de forte vontade. Contudo, é temerária esta política, considerada em
abstracto, porque na matéria sujeita podem não
servir de nada as qualidades pessoais do ministro, em
quanto que podem ser muito convenientes em outra
qualquer ocasião e em outro qualquer assunto. Não
posso, portanto, confiar nelas para a execução desta
medida, porque esta política tem pecha. Não há reacção
religiosa; mas há reacção verdadeira, real e palpável,
e eu tenho medo dela. (Apoiados.) Pois então não
viram as irmãs da caridade pedir hospitais? Não foi
isto o que representaram ao ministro? «Venham as irmãs
da caridade, disse o ministro, venham, visto que não
vem para viver em comunidade.» Vieram as irmãs da
caridade, e seis dias depois, ou oito já estavam em
comunidade, ou creio mesmo que já entraram em
comunidade. «Venham, mas para os hospitais.» E
passados três dias já estavam nas escolas. «Venham
as irmãs da caridade, mas venham só tantas quantas o
governo determinar que venham.» Creio que eram umas
dezoito, e pouco tempo depois vieram sete vezes
dezoito. Foi-lhes mandado um alvará; desobedeceram.
Depois uma portaria: desobedeceram. Disse-se-lhes que
obedecessem ao prelado: disseram que já não era possível,
e que estavam muito arrependidas do pouco que tinham
obedecido, porque sentiam sobre si as iras do céu.
Estavam dispostas, vinham prevenidas para todas as hipóteses.
Depois disse-se-lhes: «Largai a casa.» Responderam:
«Não; e estamos resolvidas a professar.» Portanto
estão desobedecidos todos os mandados do governo,
reforçados por todos os poderes do estado, estribados
numa forte opinião pública, numa imprensa que clama
e num parlamento que é avesso a esta instituição.
Não se diga que o decreto de 9 de
Agosto de 1833 não abrange esta instituição, visto
que ali só se fala das ordens religiosas do sexo
masculino, e estas são do sexo feminino. A questão não
é só das irmãs da caridade francesas são duas
ordens de que nos estamos tratando. A congregação de
Rilhafoles é especialmente compreendida no decreto. (Interrupção.)
É outra congregação lazarista: creio que são
parentes e muito cegados, (riso) e o seu espírito
é um só. Receamos que essas instituições,
constituindo-se poderosas pelas riquezas e influência
das famílias, se tornem nefastas aos poderes do
estado e ao exercício das liberdades públicas,
porque todas elas são filhas do mesmo pensamento; e
sejam o que for, irmãs ou não irmãs, pertencendo ou
não a uma instituição diferente, ou a outra ordem
religiosa, entendo que estão compreendidas no mesmo
decreto de 9 de Agosto. Depois fala-se em obediência
ordinária. Isto está condenado pelas próprias
palavras do decreto, que prescreve a extinção das
ordens religiosas. O decreto, depois de fazer
considerações históricas e muito lúcidas sobre a
origem das corporações religiosas, mostra a
necessidade de as extinguir, porque não eram compatíveis
com as ideias do tempo. Pô-las debaixo da jurisdição
ordinária, diz o relatório do decreto, não resolvia
nada, não destruía os seus inconvenientes, e contra
esses inconvenientes é que o decreto é feito. O
decreto de 1833 não acabou uma só, extinguiu todas
as ordens religiosas: se não extinguiu as femininas,
extinguiu as masculinas, e cá está uma masculina.
O SR. LOBO D'ÁVILA: - Foi o
decreto de 1834.
O ORADOR: - Pode-se sempre citar, e
principalmente numa época em que os homens públicos
têm a ventura de repetir os edictos das leis na
presença daqueles que tiveram a glória de assiná-las.
Quem nos havia de dizer que as irmãs
da caridade, treze ou catorze senhoras, esquecidas
pelos ódios revolucionários, escapadas aos edictos
das leis que destruíram aquelas congregações, e
respeitadas pelo público durante muito tempo, deviam
ser o núcleo de pretensões tão exageradas, de questões
tão graves como esta de que nos estamos agora
ocupando? Começaram tão poucas, e em tão pouco
tempo têm avolumado tanto, que já hoje são objecto
exclusivo da nossa aplicação e motivo de perturbações
nos poderes do estado. (Muitos apoiados.)
O meu predilectíssimo amigo, o Sr.
Mártens Ferrão, (torno a repetir o superlativo se
ele não existisse na gramática, eu criava um
especialmente para este caso); (riso) o meu
predilectíssimo amigo, com a ilustração e
sinceridade que o caracterizam, em vez de diminuir, de
restringir a questão ao seu espírito, foi tratá-la
nas suas tendências e efeitos naturais, e encará-la
debaixo das relações de princípios, com a franqueza
e convicção que ele põe em todos os assuntos.
>>>HotwordStyle=BookDefault;
Sustentou o meu ilustre amigo que o direito de ensino
era um direito primo co-irmão do direito de
manifestar o pensamento, que era o apanágio essencial
da nossa individualidade, que as leis do estado deviam
respeitá-lo, ou pelo menos não lhe pôr mais restrições
do que as que eram exigidas pela ordem pública, e que
o estado tem obrigação de prover ao ensino, mas não
o direito de ensinar exclusivamente.
Eu aceito completamente estas
ideias, mas alargando-as. Não quero procurar a origem
doutrinal deste argumento de fervoroso respeito pela
liberdade. aplicado no dia seguinte àquele em que a
liberdade triunfou, contra os votos da escola que
muitas vezes fez disto argumento para lograr os seus
intentos.
Respeito a liberdade, respeito
todas as liberdades, admiro-as, sigo-as e quero todas
as suas consequências. Mas o que não quero é que a
liberdade seja por tal modo sublimada que se destine
ao suicídio; (muitos apoiados) e que de
concessões em concessões, com princípios que lhe são
opostos e adversos, ela seja levada a sancioná-los. (Muitos
apoiados.)
Admito a liberdade do ensino; mas
quero também a liberdade religiosa, não como está
na Carta, porém franca, completa e absoluta. Não é
a tolerância de todos os cultos, que não são
consentâneos com a religião da maioria, não e só a
tolerância, é a igualdade do culto que eu desejo.
Se a doutrina do ilustre deputado
é que não haja culto legal, que cada um tenha a
religião que quiser, eu aceito-lha completamente,
porque para mim é um grande absurdo isto de religião
da maioria. A religião é da consciência, e na
consciência não há maioria nem minoria.
Seria um grande absurdo contar por
números, por cabeças, estas aspirações inumas que
o homem pode ter para Deus, e o modo como pode
conceber as verdades religiosas. À consciência é
toda uma, e a de um só homem é tão respeitável
como a de trezentos homens; não há nela maioria nem
minoria, porque é uma emanação de Deus, e dela é
que nasce e se gera o sentimento religioso. O meu é tão
forte, tão grande, tão intimo, como o de qualquer
homem que a mim seja igual, ou como o de todos os
homens juntos.
Qual é a nação que pode dizer
que tem a religião da maioria dos seus habitantes?
Pois catorze consciências são mais do que uma?
Catorze opiniões são; mas catorze consciências, não.
Portanto, se o ilustre deputado e
meu predilectíssimo amigo está disposto a votar este
princípio, eu voto a liberdade de ensino, porque a
liberdade de ensino é consentânea, congenial
concomitante com a religiosa, neste sentido latíssimo
em que eu a apresentei. E se o ilustre deputado citou
Lamartine para autorizar as suas ideias, eu direi que
Lamartine, já muito antes de ter clamado pela
liberdade de ensino, tinha insistido nesta opinião.
Temos liberdade de tudo, do comércio, da imprensa, de
tudo, - e só não libertamos Deus! Porque Deus não
é livre quando tem maioria e minoria, 0,1 quando
enumeramos as consciências pelos métodos falsos de
contar que temos admitido. Figurem Deus com maioria ou
com minoria: a comparação autorizaria muito os
ministros, mas Deus parece-me que, apesar da sua
omnipotência, também se veria gravemente embaraçado.
(Riso).
Mas a liberdade do ensino com um
governo a superintendei-a, e esse governo pertencente
a uma nação que tenha uma religião dominante, que
significa? Na ilustrada concepção do ilustre
ministro, uma inquisição, (apoiados) mas uma
inquisição pacífica, sem opressão, sem sevícias,
embora sempre com autoridade suprema derivada de
qualquer princípio. E essa liberdade é nada diante
dessa supremacia. Portanto, ou liberdade completa e
absoluta, ou as restrições necessárias para que a
liberdade se não perca pela força da sua
generosidade.
Mas a câmara deve saber que eu não
tenho feito proposta alguma que não tenha sido uma
imitação autorizadíssima de propostas feitas em
outros países e em circunstâncias idênticas, nem
sustentado doutrina que não tenha sido sustentada
pelos mais abalizados publicistas da Europa. Que
proponho eu na minha moção? Que se compile e
revalide o nosso direito a respeito de associações
ou corporações religiosas. Muita gente diz: «Pois o
direito existe ou não existe? Se existe está
publicado, e publicá-lo outra vez é enfraquecê-lo.
Se não existe, é criá-lo de novo, e será talvez
imprudente criá-lo.» Estes raciocínios são
extremos, são lógicos: mas os homens de estado, as
grandes nações não se governam por eles.
Em 1828, creio eu, houve na França,
pouco mais ou menos, uma situação como esta. Havia
antes muitas congregações autorizadas e não
autorizadas, toleradas e não toleradas, e com o domínio
da restauração apareceram outra vez todas; creio que
se reformaram umas, que se criaram outras de novo, de
maneira que os olhos do governo francês começaram
por um instante a anuviar-se com a vista de tão
variegadas congregações, e para lhes por cobro fez
uma segunda edição do direito escrito estabelecido.
Estabeleceu-se pois o seguinte: «Fica proibida a
introdução em França de congregações religiosas,
excepto daquelas a que por leis especiais for
permitido entrarem em território francês.» Isto já
estava estabelecido, mas promulgou-se de novo.
É o que fazem as congregações
religiosas. Quando querem estabelecer as suas pretensões
não proclamam doutrina nova, proclamam a doutrina já
antes proclamada; e o meio de obstar a essa proclamação
nova de doutrina velha é fazer promulgação nova de
lei velha. Uma congregação proclama o que já
proclamava há cem anos; nós promulgamos uma lei que
já promulgámos há cem anos. O modo de obstar a que
essas congregações consigam o seu fim é os poderes
públicos estarem sempre alerta; e, se quando elas
falarem, falarmos nós também, parece-me que não
chegará a estabelecer-se o vasto desenho da congregação
do padre Étienne. É este o meu desejo. (Apoiados.)
Esta lei, como disse, foi
publicada, (e isto prova que não suo as opiniões dos
partidos, nem as opiniões dos príncipes o que muitas
vezes governa os estados, mas sim as necessidades públicas)
esta lei foi publicada por Carlos X!
Um ministro corajoso representou-lhe que era
preciso pôr cobro àquela desorganização, àquele
aspecto de anarquia, e receando que os sentimentos
piedosos do rei pudessem pôr dúvida à sanção da
medida, disse-lhe: «Esta lei pode tocar com a consciência
de vossa majestade
convém que vossa majestade a medite por algum
tempo.» O rei podia sancioná-la em três dias, mas
vinte e quatro horas depois disse: «Convém à
tranquilidade dos meus estados publicar esta lei». E
publicou-a. Segundo disseram os interpretes da sua
vontade e os historiadores da sua consciência, fê-lo
com grande dor e sofrimento nas suas afeições
religiosas, mas cumpriu rigorosamente o seu dever. Nos
estamos neste caso. Eu peço uma coisa racional e
justa; mas para aqueles, para quem não bastam estas
considerações, direi que peço uma coisa que já se
fez, e parece-me que assim ficarão mais encorajados,
e será menor a sua hesitação.
Quanto ao ensino, as leis francesas
são mais rigorosas do que o meu ilustre amigo
indicou. Na lei de 1844, a respeito do ensino secundário,
que não sei se cegou a ser lei, mas que teve a sanção
dos poderes públicos, e eu cito-a, não como lei, mas
como autoridade; nessa lei, foi introduzida uma
ordenança de 1838, que já se observava, e que passou
de portaria ou coisa semelhante a ser lei. Onde está
estabelecido nessa ordenança? O seguinte. (Leu.)
Eis aqui como era então
interpretada a liberdade do ensino. E note-se que,
mesmo àqueles que se destinavam ao ensino eclesiástico
superior ou inferior, se exigia a promessa de não
pertencerem a corporação alguma religiosa, a fim de
desvanecer qualquer suspeita de influência de
autoridade superior no seu espírito.
Quanto ao ensino, para que fiquem
bem definidas as minhas ideias, direi que eu quero um
ensino público e religioso que seja pago pelo Estado
e vigiado pela autoridade civil. Depois admito a
liberdade religiosa, segundo as condições que acabei
de expor; admito o ensino livre emanado dos poderes
civis, acompanhado da instrução religiosa, mas da
instrução religiosa dada pelo clero português. (Apoiados.)
Mais nada. (Apoiados.) São estas as minhas
ideias, as minhas opiniões e as minhas convicções.
(Apoiados.)
Concluo neste ponto, perguntando ao
Sr. presidente do conselho de ministros, ou antes
reiterando a minha pergunta a S. Ex.a, - se S. Ex.a
sabe, se tem conhecimento oficial do facto a que ontem
me referi se julga, no caso que se tenha dado, que ele
é permitido pelas leis do país; e, se não é
permitido, de que meios pretende lançar mão para
obstar a este e outros factos semelhantes? Fica esta
pergunta dependente da resposta de S. Ex.a», para ele
a dar ou durante esta discussão, o que me parece mais
natural, ou quando o julgar mais útil, de modo que
possa satisfazer a esta minha requisição sobre tão
importante objecto. Não espero que S. Ex.a julgue que
o silêncio a este respeito seja um procedimento digno
do lugar que ocupa, nem do seu carácter cavalheiroso,
mesmo conservando-o para o bom êxito das negociações
diplomáticas que porventura existam a respeito da
questão das irmãs da caridade.
Tenho concluído o assunto
principal. Não quero o instituto das irmãs da
caridade, nem como ele existe, nem mesmo como o
governo o propõe no projecto que apresentou. Quero a
organização da beneficência pública por meios
civis, e intervindo a autoridade civil. (Apoiados.)
Quero juntamente a instrução religiosa enquanto for
ministrada pelo clero português. (Apoiados.)
Vou concluir, tocando de passagem,
para satisfação da minha consciência, para decoro
do partido liberal e para honra desta terra, num ponto
importante. Festejo e celebro o grande facto político
que tivemos a ventura de presenciar - a reunião de um
grande povo debaixo de um único governo, inspirado
das mais altas ideias humanitárias, (apoiados)
e isto depois de tão longas eras de opressão, (apoiados)
depois de tantos actos de coragem e de patriotismo
como os que se deram para cegar a realizar este grande
acontecimento. (Apoiados.)
O governo pagou um justo tributo
aos sentimentos liberais desta terra, à civilização
do país e à opinião europeia, reconhecendo o
governo de Itália. (Muitos e repetidos aplausos.)
Mas resta-me exprimir o meu sentimento de pesar por
que o governo praticasse este acto tão tardiamente, (apoiados)
tirando-lhe muito do valor político que podia ter em
relação a nossa situação, aos nossos interesses, e
muito mais à delicadeza e melindre que devemos àquele
grande estado! (Apoiados.)
O SR. MINISTRO DOS NEGÓCIOS
ESTRANGEIROS (A. J. D'ÁVILA): - Peço a palavra por
parte do governo.
O ORADOR: - Sei que havia muitos
espíritos timoratos que temiam que, com o nosso
pronto reconhecimento do governo de Itália, fossemos
sancionar uma doutrina que podia mais tarde ser
aplicada contra a nossa nacionalidade e era em parte
neste mesmo argumento. era neste mesmo reparo que eu
fundava as minhas instâncias para que o governo
português se apressasse a fazer o que fez mais tarde.
(Apoiados.) O princípio de vida para a Itália
é o princípio por que nós havemos de viver; (apoiados
repetidos) é o princípio pelo qual nos vivemos
com a nossa independência desde longa data; é o
princípio que nos dá direito a existir; é o princípio
que nos habilita a sustentar sempre a nossa
individualidade nacional diante da Europa toda, (muitos
apoiados e aplausos gerais) porque é o princípio
da dignidade, da alma e do espírito nacional! Essa
dignidade, essa alma e esse espírito nacional é que
nos mantém como país livre que somos e com a
independência que temos. (Apoiados.) A Itália
sustentou-o vantajosamente em todas as transacções
diplomáticas que lhe deram vida à face da Europa.
A Europa reconheceu e reconheceu
tardiamente; e ao governo do nosso país faltou o
instinto diplomático e político para se apressar a
fazer esse reconhecimento logo depois da Inglaterra,
porque devíamos ser a primeira nação a fazei-o
depois dela. E neste acto, vejo eu uma falta à nossa
política tradicional externa, e ao que indicava o bom
senso político.
E a razão por que se não fez?…
Disse-se: «Nós esperámos por uma potência católica;
não havíamos de ser a primeira potência católica a
fazer esse reconhecimento.» E que tem a questão da
Itália com o catolicismo?! (Apoiados.) Pois
questões de religião, pois interesses de
nacionalidades, estão porventura sujeitos, neste
ponto, a considerações cerebrinas e a aplicações
especiais que por modo nenhum aqui tem cabimento?...
A França reconheceu o reino de Itália
tardiamente, porque sobre a França carregava directa
ou indirectamente a responsabilidade deste facto, e
porque a França, reconhecendo a Itália, quase se
comprometia a resolver a questão de Roma, e essa
questão era em extremo complicada. A França podia,
portanto, calar-se e tardar. A Espanha que havia de
reconhecer? Não reconheceu nem há de reconhecer
nunca a criação do reino de Itália, porque esta é
contrária às suas ambições futuras, porque é
contraria a uma certa pretensão, talvez elevada, que
ela tem, de ser o porta-estandarte do catolicismo, e
porque a Espanha, todos o sabem, era altamente afecta
à causa do rei de Nápoles. A Áustria não podia
reconhecer os seus desastres de guerra, o retalhamento
do seu território e a debilidade do seu império. A
Prússia, com pretensões a ser cabeça dos estados
alemães, hesita em fazê-lo, porque tem de dar a mão
à Áustria sem consentir que seja morta, nem que
triunfe. A Rússia, envolvida em questões
importantes, e agrupada naquele número de nações e
de povos, que historicamente tinham sido opressores da
Itália ou não simpatizavam com a sua causa, não
podia facilmente prestar-se a esse reconhecimento.
Mas nós! Nós, aparecendo uma
nacionalidade, era do nosso dever reconhecê-la: era
do nosso dever saudar esse grande facto,
consubstanciar-nos com ele por todos os modos e apesar
de todas as eventualidades! Porque isto era consentâneo
com a nossa individualidade; e muito mais desde que
estava previsto que mais tarde esse facto se realizará
forçosamente.
Portanto, se o facto se realizou, a
nossa hesitação pode ser explicada pelo
constrangimento em reconhecer o reino de Itália,
dando azo a suspeitas de que não entendemos quanto
tal facto nos era vantajoso.
Mas havia, de mais a mais, deveres
especiais. Nós éramos italianos: nós, portugueses,
éramos italianos porque tínhamos a carta de cidadãos
piemonteses. Quando um capitão, um rei soldado e
generoso, vindo da batalha de Novara, que foi para a
Itália o mesmo que foi para nos a batalha da Cruz dos
Morouços, se viu aturdido, superior à sua desgraça,
mas não superior à sua dor, e furtando-se às vistas
das cortes e dos soberanos, de jornada em jornada
através da Europa, não como se tivesse fugido do
campo da batalha, mas como se tivesse de se esconder,
à lembrança de tamanhos desastres, nos últimos
confins da terra, veio parar ao Porto - ali uma povoação
guerreira, que nos dá o exemplo e a pragmática de
tudo quanto é liberdade, (muitos apoiados)
reconheceu que tinha na honesta casa da Torre da Marca
um transunto fiel das recordações gloriosas de que
ela gozava! (Apoiados.) Ali viu em Carlos
Alberto a história de D. Pedro, e cercou esse rei dos
mesmos respeitos e dedicações que tinha consagrá-lo
ao capitão debaixo de cujas ordens havia pelejado
pela causa da liberdade, (apoiados) e pela
causa do povo, que é a causa de todos. (Apoiados).
O Porto estremecendo pela saúde de
um rei desgraçado, como tinha estremecido pelo seu
rei, manda emissários e emissários, que lhe tragam a
certeza de que pulsava ainda esta vida que lhe
inspirava tanto afecto. E nos últimos momentos do príncipe
infeliz, e no seu sofrimento, acompanhou-o com tantas
lágrimas e deu tais provas de dor cívica, que o
governo da Sardenha julgou dever premiar com o foro de
cidadão piemontês ou italiano os cidadãos que se
tinham ilustrado naqueles actos de dedicação ao rei,
que tinham chorado pela causa da Itália, na
impossibilidade de a defender com as armas nas mãos!
(Apoiados.)
A um povo irmão, ligado por tais vínculos
a um povo que, dentro das muralhas do Porto, deu
tantas provas dos seus sentimentos a este povo
pertencia cerrar os ouvidos a considerações diplomáticas
de menor importância, e, levado dos estímulos
generosos de uma política forte, ser o primeiro a
reconhecer esse grande facto, a reconhecê-lo
extremosamente, e a fazer desse reconhecimento e desse
facto menção especial no discurso da coroa. (Apoiados.)
E é assim que se ganha alguma
coisa na Europa, é assim não é isolando-se os
ministros de todo o sentimento público,
concentrando-se, amesquinhando a sua cabeça em
considerações da sua situação política não
pensando senão em que os querem substituir nos
perigos da situação em que se acham. e pondo o seu
espírito e a sua alma na escala das suas pretensões.
O Piemonte, se fosse governado por
tais inspirações quando se levantou a guerra do
Oriente, não mandava lá os seus exércitos, não
hasteava lá a sua bandeira, e não começava, na
irmandade dos campos de batalha, essa irmandade diplomática,
que tanto tem valido à reorganização da Itália.
Não é a pequenez dos estados, é
a pequenez dos homens que os governam, que os condena
a uma perpétua inferioridade, porque não sabem, nos
recursos da sua inteligência e na força da sua alma,
achar os meios de contrabalançar ou de suprir a
pequenez do território, a pouca população e a pouca
opulência do seu país.
Eu sinto que o Sr. ministro dos negócios
estrangeiros - isto sem fazer ofensa à vastidão dos
seus conhecimentos e à flexibilidade do seu espírito,
costumado a considerar estreitamente as questões
financeiras num país que só agora começa a ter
finanças, e S. Ex.a foi sempre ministro quando não
as havia! - eu sinto que o Sr. ministro dos negócios
estrangeiros considerasse com este hábito do seu espírito
uma questão que não se decidia por princípios desta
espécie, e que S. Ex.a por momentos não se elevasse
à altura que um assunto desta ordem pedia.
(Vozes: - Muito bem.)
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