Conversa com o capitão

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Quando cheguei a Quimbele, sabem quem é que estava à nossa espera? Não sabem, nem sequer imaginam, porque ainda não vos disse! Estava à nossa espera o três tiras, o capitão Alberto, acabadinho de regressar do Hospital Militar de Luanda, depois de ter passado por Sanza e ter sido chamado ao gabinete do comandante de batalhão. Chamou-me à parte, para ir com ele. Teve uma conversa muito séria comigo.

— Ulisses, importas-te de ir comigo ao meu gabinete? Temos que conversar.

— Vamos lá, capitão. Mas, antes disso, deixe-me largar a minha tralha no quarto. Vá andando, que eu já o agarro.

Entrámos no gabinete, ele à frente, eu a seguir.

— Senta-te aqui. Ao pé de mim.

— Diga, capitão. Sou todo ouvidos.

— Olha, Ulisses... Carago... Nem sei bem por onde começar! Olha, tenho uma coisa para te dizer que não te vai ser agradável. Nem para ti, nem para mim.

— Então o quê, capitão? O que aconteceu?

— Quando cheguei a Sanza Pombo, fui chamado pelo nosso comandante.

— Sim. E então?

— Temos as nossas férias estragadas. O furriel vagomestre fez um desfalque avultado na cantina.

— E estava o capitão a dizer-me que eu podia ficar descansado, quando me obrigou a assinar a papelada... Que estava tudo em ordem... Que podia confiar em si... E é o que se vê.

— O que queres que te faça, carago? Também não estava a contar com isto...

— O mais importante é que o capitão regressou à nossa Companhia. Tira-me um fardo de cima dos ombros. Já não era sem tempo!

— Olha que não será por muito tempo, Ulisses.

— Não, capitão? Porquê?

— Eu passei aos serviços auxiliares. Quando mudar de serviço, alguém vai ter de ficar à frente da Companhia, Ulisses.

— Porquê, capitão? Não vai cá continuar? Espero bem não voltar a ser eu. Nem deve ser possível. Eu também não vou cá estar durante uns tempos...

— Não vais estar?

— Não. Vou ter de me ausentar durante algum tempo, capitão.

— Vais para onde? E fazer o quê?

— Vou frequentar um curso de justiça militar. Acho que vou para Carmona.

E mais não disse, perdão, e mais não digo, porque me vou ficar por aqui. É altura de pôr termo a esta enorme montanha amarela, acumulada em cima da mesa.

Amanhã, tenho de ir ao Comando de Sector. Vou levantar a guia de marcha para regressar a Quimbele. Devo deixar esta terra amanhã ou depois. Onde quer que esteja, voltarei a dar-vos notícias. Direi alguma coisa acerca desta minha curta estadia em Carmona. Agora, que a semana está a chegar ao fim e eu começava a tomar o gosto à cidade, tenho de a abandonar e voltar à rotina das operações e das guerras com as papeladas e processos que me têm caído em cima, nestas últimas semanas. E estou agora a matutar acerca do que me espera em Quimbele. Será que ainda lá continua o capitão? Ou será que está lá o médico sozinho, sem nenhum alferes para tomar conta da Companhia? Que me importa isso agora? Seja como for, o que sei é que volto ao mesmo: um homem dado às letras, envolvido numa guerra de papéis, a ouvir este e aquele e a ter de aturar as burrices que fazem. Valham-me, ao menos, estes desabafos convosco! É verdade, estou a lembrar-me que possuo uma companhia agradável enfiada na minha mala, para me ajudar a quebrar a rotina. Tenho lá os volumes de Machado de Assis. Podem ajudar-me a evadir para outros locais. Tirando alguns contos, os mais breves, ainda não foi possível deliciar-me com este escritor brasileiro.

Ponto final. Chega de divagações.

Deixo-vos com um grande abraço de saudades.

Vosso filho,

                    Ulisses de Almeida Ribeiro.

 

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