Em tom de carpideira

Quimbele, 7 de Junho de 1973

 

         Queridos Pais.

 

Faz hoje cinco dias, estive na vossa companhia a rever o fim-de-semana em que a equipa de futebol de salão de Quimbele, constituída por civis e militares da minha Companhia, saiu vencedora do torneio regional, cuja final foi disputada na sede do sector de Uíje.

Entre o dia dois e hoje, ocorreram vários factos importantes, um dos quais nada agradável para nós. Não sei para quem mais desagradável: se para mim, que já não vos vejo há mais de meio ano; se para vós, que estais precisamente na mesma situação. E se as saudades são recíprocas, não sei para quem será mais difícil. Talvez para mim! Digo isto porque, aqui sozinho, não tenho com quem desabafar as mágoas. Aí, sempre se podem consolar um ao outro e ir matando as saudades, vivendo à distância os momentos por que vou passando.

Se, quando lemos um romance, a nossa imaginação nos permite viver as situações por que passam as personagens, penso que o mesmo sucederá convosco, tanto mais que o protagonista das peripécias é o vosso próprio filho. Julgo que isto é verdade, a avaliar pelos frequentes aerogramas escritos pela mãe e por aquilo que me diz.

Porquê este meu começo em tom de carpideira?

Lembram-se, na minha última correspondência, que andava entusiasmado e com vontade que o tempo corresse depressa, na ânsia do dia vinte e oito de Junho? Esperava cumprir, rigorosamente, os horários enviados pela agência de viagens! E vão-se as intenções pelo cano abaixo!

Na mesma sexta-feira em que fui para Carmona, recebi correspondência de Luanda. Desta vez, a carta da agência veio com os bilhetes do avião, da ida para a metrópole e regresso a este local, após o período de férias. Se já andava contente e a sonhar com as férias, mais contente fiquei quando recebi os bilhetes. Ao visitar o aeroporto de Carmona, imaginei-me, por instantes, num tempo futuro, a embarcar num dos aparelhos das carreiras internas rumo a Luanda. Esqueci-me, momentaneamente, dos meus dois cicerones e vi-me sentado junto à janela, para admirar a paisagem, gozar a curta viagem de quarenta e cinco minutos entre Carmona e Luanda e tirar algumas fotografias.

Agora, caiu-me tudo por terra! Uma autêntica desilusão de caixão à cova! Vou ter de devolver os bilhetes. Não sei quando poderei estar junto de vós em corpo e alma! Porquê toda esta reviravolta súbita nas minhas previsões e esperanças?

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