Paludismo

Cada um recordou os bons momentos de convívio, geralmente aos fins de semana e durante as curtas férias do Carnaval. O tempo passou mais depressa. Cortámos a conversa a meio do entusiasmo geral, em que cada um recordava as suas experiências. Estava já na hora do almoço e parou, junto ao passeio, o doutor Graça Marques, que vinha do hospital no jipe do capitão.

— Tu por aqui, Ulisses?

— É como vês. E em animada conversa, a recordarmos o Carnaval da metrópole. Vim de surpresa a Quimbele. Vim buscar material para poder fazer o recenseamento da região para onde me mandaram.

— Já sei disso. Já falámos disso à refeição e nos momentos da bica. Diz o capitão que te livraste de boa.

— Então porquê?

— Porque durante este mês o capitão e os alferes têm uma série de operações na região do Alto Zaza.

— O que é que tomas?

— Vou beber um aperitivo. Temos de nos despachar. Está na hora do almoço.

Durante a refeição na messe, as conversas giraram à volta da Quimabaca e das operações a realizar durante este mês no Alto Zaza. Como o capitão queria ficar a par de tudo, fiz um relato pormenorizado da viagem, da conversa com o comandante do Batalhão, das actividades de instalação e das medidas adoptadas por mim.

Depois do almoço e antes de irmos à bica, aproveitei uns momentos para falar com o médico.

— Graça Marques, fazes-me um favor?

— Claro. Diz lá o que queres.

— Dá uma vista de olhos neste verbete relativo ao paludismo. Trouxe-o comigo para to mostrar. Vê se está tudo certo e se lhe falta alguma informação importante.

— Tens alguém doente com paludismo?

— Não. Está tudo de boa saúde. É para responder a uma pergunta. Numa carta, a minha mãe perguntou-me o que é o paludismo. Não a quero deixar sem reposta. E quero que não haja erros na informação.

— Mostra cá a tua ficha.

Passei o verbete para as mãos do médico, que o leu atentamente.

 

 

«PALUDISMO - Doença conhecida por malária e também por sezões. Uma das mais importantes doenças parasitárias do homem.

Áreas - regiões subtropicais: África, América Central e Índia.

Sintomas

- fase inicial: mal-estar, cefaleias, fadiga, dores musculares seguidas de febre e calafrios. Náuseas e vómitos. Febre irregular no início.

- fase avançada: transtorno mental, convulsões e princípio de coma.

Tratamento

- Paludismo ligeiro: Rezoquina e produtos à base de quinino.

- Casos graves: evacuar os doentes.

Prevenção - Distribuir regular e periodicamente os comprimidos, que os soldados devem tomar durante a refeição. Estar presente para impedir que os deitem fora.

 

 

— Que mais queres que te diga, Ulisses? Tens aqui uma ficha bem organizada, com tudo o que é fundamental. Que mais queres do que isto? Transcreve a ficha ou, se quiseres, resume-a. Não podes dar melhor resposta. Pega lá. Vamos à bica?

— Vamos. Obrigado. Envio uma cópia à minha mãe. Fica a resposta dada.

— Mas a que propósito é que a tua mãe te fez essa pergunta? O que é que o paludismo lhe interessa?

— Deve ter lido nas minhas cartas a referência à doença e quis saber o que era. É mais fácil perguntar ao filho que consultar uma enciclopédia.

 

Seria talvez interessante dar-vos o resto das conversas durante a bica, mas tenho o tempo esgotado. Basta dizer-vos que cheguei à Quimabaca por volta das cinco da tarde. Está tudo a correr da melhor maneira. Está quase na hora da ronda e tenho ainda de dobrar os trinta aerogramas já escritos. Tenho de os dobrar, colar e envolver numa cinta de papel, para irem juntos e não se perderem. E o pai que me desculpe. Tinha-lhe prometido falar das ondas curtas, das emissoras que aqui captamos, e também das minhas ocupações dos tempos livres com a leitura de algumas obras literárias... Mas o tempo foge-me com uma rapidez incrível por entre os dedos!

Acabo de olhar para o relógio. Já é domingo. A partir de hoje ou amanhã, segunda-feira, começo o trabalho que me trouxe para esta zona. Vai ser um trabalho intensivo. Por isso, não sei quando voltarei a arranjar disponibilidade para conversar convosco...

Tenho de parar. Está o furriel a fazer-me sinal. Está a apontar para o relógio. É para irmos fazer a ronda. Já nem vou ter tempo de dobrar os aerogramas. Faço-o de manhã, a seguir ao pequeno-almoço.

Um grande beijo para os meus «velhotes» queridos.

Vosso filho, Ulisses.

   

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