Problemas de segurança

 

Acabo de retomar a escrita após uma breve pausa, provocada pela reflexão acerca do que disse no parágrafo anterior. O que me fez reflectir não foi a descrição da área envolvente da sanzala, mas o adjectivo que empreguei na última frase, tanto mais que me veio à memória uma conversa tida em tempos com os furriéis por causa do problema da nossa segurança. Por enquanto, tirando os miúdos e as pessoas com quem já contactei, quase toda a gente é para nós desconhecida. Estranhos são todos eles, do mesmo modo que nós também o somos para eles. As únicas pessoas capazes de detectar com segurança elementos estranhos não somos nós, mas os habitantes, que conhecem bem toda a região envolvente. Todavia, como fomos bem acolhidos pela população e já se estabeleceram entre nós relações de confiança, estamos perfeitamente despreocupados durante o dia. Quando me refiro a elementos estranhos, estou a pensar em alguém que se aproxime e seja sentido como possível elemento hostil. Como é que nós sabemos se poderão ou não ser elementos hostis? Certamente que as mulheres e as crianças não entram nesta categoria. Também não entram nela os homens que andam na actividade normal. Há sempre alguns indícios que nos permitem pôr de sobreaviso. Como já algumas vezes referi ao meu pessoal, temos de prestar atenção aos diferentes indícios, alguns insignificantes, mas susceptíveis de despoletar as medidas de segurança. Isto pode parecer complicado, sobretudo a quem nunca passou por esta situação. No entanto, ao fim de algum tempo, acaba por se tornar relativamente fácil. Quase sem nos apercebermos, habituamo-nos a distinguir quando há probabilidades de perigo. Se se aproxima de nós um elemento desconhecido mas sorridente, sem qualquer armamento, e permite uma fácil comunicação connosco, seguramente que a sua presença não será considerada perigosa. Mas se o mesmo elemento, ainda que sorridente, vem armado e não faz parte do nosso grupo, a regra é ficarmos imediatamente em posição defensiva, atentos aos mais pequenos sinais de agressividade. Ninguém, à excepção do pessoal militar ou militarizado, como os GEs ou os milícias, pode andar armado. E estes elementos são, geralmente, nossos conhecidos. Mas, se nos aparece alguém que nunca vimos, fardado e armado como nós? Esta questão já uma vez me foi posta por um furriel, durante uma discussão sobre problemas de segurança.

— Há milícias em várias zonas com as quais ainda não tivemos contacto. Além do mais, quem nos diz que alguns deles não têm um pé de cada lado?

Quando o furriel me saiu com esta questão, fiquei momentaneamente sem resposta. Mas não deixei de a dar pouco depois. Disse-lhe que, em todos os momentos, deveremos assumir uma atitude de prudência e alerta, mas evitando sempre manifestar qualquer atitude de hostilidade. Como os terroristas não trazem qualquer elemento de identificação, a nossa obrigação é tratar toda a gente com a consideração que todo o ser humano nos deve merecer. Se precisam da nossa ajuda, a nossa obrigação é ajudar. Se mostram qualquer sinal de agressividade e nos atacam, a nossa atitude será de defesa. Sem mostrar qualquer receio, deveremos procurar imediatamente eliminar, de forma definitiva, a situação de perigo.

Sem querer, por causa da distribuição das sentinelas, caí na reflexão e num problema bastante complexo: o da segurança. Onde está a verdadeira segurança? Em nossas casas? E mesmo aqui, será que estamos inteiramente seguros? Esta é uma das minhas preocupações permanentes: a segurança de todos nós durante estes dois anos em Angola. É um problema que me tira, frequentemente, horas de sono e me faz levantar várias vezes a meio da noite, para reforçar as rondas dos furriéis. Espero que estas minhas preocupações sejam recompensadas e possamos terminar a comissão sem baixas.

Deixemos as reflexões. Regressemos à terra. Falemos um pouco mais dos primeiros momentos vividos nestas instalações provisórias, que vão ser a nossa casa durante este mês.

 

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