Primeira refeição na BTT

Distribuídas as rações, tivemos a nossa primeira refeição na Quimabaca. Foi uma refeição alegre e barulhenta, com as conversas dos miúdos e risadas de satisfação, quando lhes dávamos o resto das latas que não conseguíamos consumir e que eles sofregamente esvaziavam na nossa companhia. O resto da ração, que não consegui consumir, distribuí-a pelos miúdos, que as guardaram, para levar para as cubatas e entregar aos familiares. E não fui só eu a tomar esta atitude. Praticamente, todo o pessoal se limitou a guardar um ou outro elemento da ração, para comer durante a tarde, tendo distribuído o que sobrou pelos miúdos. E era vê-los satisfeitos, a levarem as latas de conservas, as latas de carne com feijão, as conservas de frutas, etc. Apenas houve um ou dois componentes das caixas que, seguramente, ninguém entregou, tendo-os guardado num dos bolsos do camuflado. Todas as caixas de ração trazem, além dos diferentes tipos variados de comida em conserva, uma bisnaga de leite condensado, uma tablete de chocolate e uma caixa com compota ou marmelada em cubos. Estes são os componentes mais apreciados e que menos mal fazem, podendo fornecer-nos um suplemento de energias nos momentos de maior esforço físico. Por isso, são habitualmente guardados, para situações difíceis. Eu próprio guardei também a bisnaga de leite condensado, a tablete de chocolate e o concreto de frutas. Não para meu consumo. Guardei-os, porque constituem as gulodices mais apreciadas pelos miúdos. Serão para lhes ir oferecendo. Irão servir-me para poder ter o prazer de apreciar o brilho de satisfação naqueles olhitos vivos e expressivos!

 

Pouco tempo antes de ter iniciado esta correspondência, tive uma prova da simpatia dos habitantes da Quimabaca. Enquanto montámos o acampamento, o soba andou comigo. Seguiu interessado as actividades de edificação da cozinha, refeitório e depósito escavado na terra, para abrigar os bidões do combustível. E acompanhou também a distribuição dos colchões pneumáticos e de espuma. Esteve na minha tenda e assistiu à delimitação dos espaços para cada um de nós. Fez-me também companhia durante a refeição e bebeu comigo uma Cuca, isto é, uma cerveja desta marca, que fui buscar a uma das grades, já colocadas na tenda que serve de arrecadação de material e cantina. Despediu-se e regressou pouco tempo depois. Veio acompanhado pelo professor da escola e outros habitantes da sanzala. E trouxeram-nos diversos objectos, para tornar mais confortável a nossa estadia. São objectos confeccionados por eles e que, quando levantarmos o acampamento, tenciono devolver, porque só nos são úteis aqui na povoação. Para os furriéis e alferes, trouxeram diversas esteiras, que colocámos no chão, entre as nossas camas, o que nos evita andar directamente sobre a terra solta e fina, impedindo que se levante poeira. Especialmente para o alferes, trouxeram a mobília já indicada, cedida pelo professor da escola local. Tenho por isso uma boa mesa e três cadeiras. Estão neste momento a prestar-me já um excelente serviço. Constituem a dotação temporária do meu escritório móvel, no acampamento igualmente temporário da Quimabaca. Nas horas de calor ou de chuva, vão para dentro da tenda; nas horas de frescura, vêm para o exterior. É agradável estar a escrever à sombra de uma árvore, tendo por tecto o céu de um azul forte e brilhante, com umas nuvens a recortarem-se aqui e ali, tendo à minha volta a companhia da bicharada, galinhas e cabras, e dos miúdos. Se, aqui próximo, corresse um riacho e nele houvesse uma azenha com a roda da água a girar, dir-se-ia ter um quadro simultaneamente exótico e romântico. E se houvesse rouxinóis a cantar, então ficaria ainda melhor. Mas, infelizmente, não há nada disto! Só as cubatas à minha volta, a algazarra dos miúdos da sanzala, que nos fazem companhia, e o ruído, quase imperceptível, da aragem morna do fim da tarde, frequentemente abafado pelas vozes do meu pessoal. 

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