Região a explorar |
Retomemos o relato. Onde ia? Não ia a lado nenhum. Tinha rebobinado a conversa com o furriel Rodrigues e estava a ouvi-la na minha mente, quando fui interrompido pelos dois músicos alados. Tal como ouviram dizer ao furriel, arrancámos na mesma tarde para o destacamento. E, à hora do jantar, a conversa girou toda à volta da nova missão que me destinaram. Para melhor avaliarmos aquilo que nos espera, a seguir à refeição, com a loiça arrumada e a mesa limpa, fui ao gabinete buscar a carta topográfica. Desdobrei-a e patenteei, aos olhos de todos, a vasta área entre Sanza Pombo e as fronteiras Leste e Norte, confinantes com a República do Zaire, separada de Angola, do lado nascente, pelo rio Cuango. Para facilidade do meu trabalho nas próximas semanas, decalquei em papel vegetal as povoações e os principais acidentes geográficos, não esquecendo, obviamente, as picadas que vou ter de percorrer. Para vos dar uma ideia da região, vou aqui juntar um pequeno esquema, idêntico ao que vos enviei em Novembro ou Dezembro, quando falei do Alto Zaza. Se consultarem uma agenda deste ano, daquelas que apresentam as diferentes regiões do território nacional, procurem o mapa de Angola. Olhem para a parte superior. Sigam toda a linha da fronteira, desde o Oceano Atlântico até ao interior. Se repararem bem, toda a linha da fronteira, situada um pouco abaixo de Cabinda, é praticamente rectilínea. Na extremidade direita, encontram o rio Cuango, que corre no sentido Norte ou, mais precisamente, N-NO. Encontram dois nomes principais neste canto do mapa: Sanza Pombo e Cuango. A meia distância, fica Quimbele, a sede da 3ª Companhia, não registada no mapa. A zona que vos reproduzo, no meu esquema, vai desde Quimbele até ao destacamento do Cuango. É uma ampliação, mais ou menos à escala, do pequeníssimo mapa da agenda.
Parte da área da 3ª Companhia de Caçadores do B. Caç. 4511, com principais sanzalas entre Quimbele e o Cuango.
— Esta região deve ser quase tão vasta ou mais que as províncias do Norte de Portugal. — disse o alferes Vieira. — De facto, isto é uma zona vastíssima! — Para irmos de Quimbele ao destacamento do Cuango, geralmente leva-se um dia inteiro, quando não são dois. — continuou o Vieira. — Já conheces esse destacamento? — Ainda não. Quem lá tem estado é o Raul. O edifício do comando tem água corrente e casa de banho com todas as comodidades. É um edifício de pedra e cal, uma antiga capitania portuguesa, na margem esquerda do rio Cuango. — Deve ser um luxo, no meio da África! Mas não vou para lá. O capitão disse que era uma BTT na Quimabaca. Por isso, vamos ficar instalados no meio da povoação. É praticamente o centro desta vasta região. — E quando é que partimos, alferes? — O Rodrigues já está a pensar na saída? Segundo deduzo da conversa com o capitão, ainda temos três dias. Pelo menos, foi o que ele disse. Se hoje é segunda-feira, lá para quinta ou sexta devemos estar a arrancar. — Ele ainda não te deu as instruções? — Não, Vieira. Disse apenas que amanhã, ou depois, mandava cá uma secção com as instruções. Para já, temos de saber quem vai comigo. — Vai, logicamente, todo o teu grupo. — Não, Vieira. Isso também pensava eu. Diz o capitão que só levo uns vinte e poucos homens... Metade do meu grupo. — Pode desde já contar comigo, alferes. — disse o Rodrigues. — Não vai para lado nenhum sem mim. E tenho a certeza que há um condutor que não o vai deixar ir sem ele. — Quem? — Quem há de ser, alferes? Passa a vida a refilar, mas sempre quer ir connosco. E desenrasca-se quase sempre... — Quem? O Monteiro? — Claro, alferes! — Não me surpreende mesmo nada! Às vezes, parece-me um pouco agressivo! Faz-me lembrar os meus tempos da juventude. Somos às vezes um pouco arrebatados e espalha-brasas. Mas ele está sempre disposto a acompanhar-me. Nunca diz que não. Acho muito bem que vá connosco. — Vai com toda a certeza. — O Monteiro tem às vezes umas saídas bruscas, mas sei que é do excesso de energias. É novo! Na altura do ataque à Camuanga, vocês baldaram-se, mas ele não me deixou ir sem ele. Pensava levar uma só viatura e acabei por levar duas. Não me deixava, dizia, ir sem ele. E foi uma atitude acertada. Uma viatura teria sido insuficiente para levar o nosso pessoal e o do milícia Francisco. — E que viaturas vamos levar, alferes? — Essa é pergunta que se faça, Rodrigues? Está-se mesmo a ver. Porque é que o capitão, antes de virmos para cima, nos obrigou a trazer também a Berliet? É nela que vamos levar a maior parte do material necessário. — Temos então de escolher quem vai connosco, alferes. Eu, já se sabe que não o deixo ir sem mim. Mas têm de ir outros furriéis... — Eu não me importo de ir. — disse prontamente o furriel açoreano. — Se calhar, o Donato não vai poder ir connosco. — Então porquê, alferes? — Aqui, no Alto Zaza, o grupo do alferes Vieira tem também um furriel encarregado dos géneros, um furriel vagomestre. No destacamento temporário da Quimabaca, temos de alimentar todo o pessoal. Vou ter necessidade do Ramalho. Eu e o Rodrigues ocupamo-nos das missões. O Ramalho encarrega-se da parte logística, mais exactamente, de tratar da nossa paparoca. Será ele a tratar dos reabs, da nossa correspondência com a família, etc. Parece-me, pois, que temos os graduados escolhidos. Falta-nos agora a escolha do pessoal que vai connosco. — Se o alferes quiser, eu encarrego-me de seleccionar o pessoal. — Se o Rodrigues não se importa, agradeço. Sempre me deixa disponível para outras preocupações. Não se esqueça que precisamos de enfermeiro, transmissões, cozinheiros... E ter tudo o que é necessário para podermos viver durante um mês entre nativos! Os bens indispensáveis à nossa sobrevivência e comodidade. — Podes contar também com a minha colaboração. — Agradeço a tua ajuda, Vieira. Toda a ajuda é sempre bem recebida.
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