Dificuldades descritivas |
A descrição do aparelho segue dentro de momentos. Pelo menos, é essa a minha intenção. E não surge já neste parágrafo, porque entupi. Geralmente, escrevo ao correr da esferográfica. Já tenho feito diversas descrições noutros aerogramas. Todavia, agora, entupi. Estou a olhar estupidamente para o aparelho, na minha frente, e não sei por onde começar. Tento elaborar um esquema mental de desenvolvimento da composição e, incrivelmente, não sai nada. Entupiu-se-me certamente o carburador da esferográfica. Ou então estou com as engrenagens mentais perras, encravadas. Será contágio? Será que as avarias frequentes das viaturas me estão a contagiar e a bloquear as rodas dentadas da imaginação? Acabo de ir buscar uma bebida fresca e a garrafa de uísque. Certamente, as engrenagens estão a precisar de lubrificação, devido ao calor insuportável desta tarde. Não me admira nada que, em breve, tenhamos uma trovoada monumental e uma descarga de água. As nuvens estão-se a acastelar prodigiosamente. E parece-me mesmo que, lá longe, já se vêem cordas verticais de chuva, a caírem sobre o mar verde da floresta. Mais uma ou duas horas e devo ter a chuva a cantar sobre as chapas de zinco do telhado do meu edifício. Já bebi duas goladas frescas de “Setupe” com uísque e nada! Nada de nada! A descrição teima em não sair. Acabo de ligar o aparelho de rádio, para ver se apanho alguma música e me dá inspiração. Carreguei já em todos os botões do painel frontal, no alto do aparelho, por cima do largo botão de sintonia. Tento apanhar uma estação potente com música inspiradora. Mas o resultado é praticamente nulo. Ouve-se demasiado ruído. Frequentes descargas de trovoada não deixam ouvir nada que se aproveite. Certamente, é já a trovoada distante que se aproxima lentamente de nós. Com tamanho ruído, acabo de carregar no pequeno botão do amplo quadrante para desligar o aparelho. Não vale a pena estar a gastar as pilhas com tanto ruído. São quatro grandes pilhas cilíndricas. Embora sejam de longa duração, tenho de as poupar. São demasiado caras e só existem à venda em Quimbele. As que temos na cantina são do mesmo tamanho, mas tenho receio de as usar. Como não são blindadas, podem verter e estragar-me o rádio. Atendendo a que a descrição não consegue sair, vou interromper a escrita e dar uma volta pelo destacamento na companhia do alferes Vieira, enquanto a trovoada e a chuva se encontram distantes. Mais logo retomo a escrita e prossigo o relato dos acontecimentos no ponto onde tínhamos ficado. Até mais logo! ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
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