A Rosa deixa o destacamento e é levada a Quimbele

Aqui estou novamente a retomar a escrita, no final de um dia com uma surpresa desagradável: deram-me cabo da barbearia. Mas não é deste incidente desagradável, ocorrido a meio da manhã, que vou agora falar. Vou procurar responder às vossas perguntas e completar as lacunas dos relatos anteriores. Estava a ver se fugia ao trabalho dos relatos minuciosos e acelerava o discurso desta minha odisseia por terras de Angola... Mas a vossa curiosidade tem razão de ser. Já que tomei a decisão de vos dar a conhecer as minhas vivências nestas paragens, cumpramos a promessa de maneira o mais rigorosa possível. Mas não se queixem, no final. Não digam que vos faço ler maços intermináveis de aerogramas.

«Deixa-te de divagações e entra lá no assunto!» — estão vocês a dizer-me. Têm toda a razão.

Estou a tentar entrar no assunto. Estou a tentar ganhar algum tempo com estas palavras. Preciso que as ideias se reorganizem na minha mente. As vivências destes últimos dias estão ainda bem inscritas na massa cinzenta, mas preciso de reorganizar a sua exposição. Nas páginas anteriores, efectuei grandes supressões. Agora tenho de encaixar as peças deste puzzle no devido sítio.

Recuem uns parágrafos, por favor. Localizem a transcrição da mensagem que recebi do capitão. Já encontraram?

Essa mensagem chegou ao destacamento antes de mim. Ainda eu devia estar a meio da viagem, quando foi entregue ao furriel de dia, que a colocou em local bem visível no centro da minha secretária. Foi a primeira coisa que ele me disse, assim que entrei no destacamento:

— Alferes, tem uma mensagem urgente para si. Lamento dizer-lhe, mas vai ter de voltar para Quimbele.

— Calma! Deixe-nos assentar a poeira da picada. Tirando isso, não houve problemas para resolver?

— Não, alferes. Está tudo calmo e a rolar em caroços de azeitona.

— Óptimo. E a Rosa? Continua convosco?

— Sim, alferes. A Rosa está óptima.

— Estará! E vocês? Os furriéis estão todos de perfeita saúde?

— Claro, alferes! Por que razão não havíamos de estar?

— Folgo em sabê-lo. Vou dar uma volta rápida pelo destacamento, antes do almoço, para ver se está tudo impecável. A mensagem é para me fazer voltar a Quimbele?

— Está na mesa do alferes.

— Pois! Mas o que é que diz? Leu-a, não leu?

— Diz que o alferes deve regressar imediatamente e levar duas testemunhas.

— Bom, depois do almoço tratamos das testemunhas. Enquanto dou uma volta, o furriel vai escolher uma secção para ir comigo para Quimbele. Já que tenho de voltar para lá, é justo que vão comigo outro furriel e outros soldados. Sempre é uma oportunidade de estarem algum tempo longe da selva e voltarem à civilização. Distribuam o correio durante o almoço. É mais fácil. Está todo o pessoal reunido.

— Está certo, alferes.

Antes que a viatura fosse para o parque auto, dei as instruções ao condutor:

— Tu ficas cá. Aproveita a pausa para rever a tua viatura. E avisa outro condutor para estar, depois do almoço, com a viatura pronta para irmos à Cabaca e seguirmos depois para Quimbele. Pede aos mecânicos que verifiquem se precisam de material, para o requisitarmos na Companhia.

Dei uma volta rápida pelo destacamento, antes de ir para o meu gabinete. Nas casernas, alguns soldados passavam o tempo a escrever, a jogar às cartas, a conversar. Na cozinha, davam-se os últimos retoques no almoço. Cheirava bem e não devia faltar apetite. No refeitório, os miúdos já tinham tudo em ordem para a refeição. No parque auto, as viaturas estavam devidamente alinhadas. Estavam excepcionalmente todas operacionais. A viatura em que cheguei também já lá estava. Andavam de volta dela, a fazer o atestamento de combustível e a pô-la em ordem, para quando fosse precisa.

Entrei no meu edifício. A Rosa estava a pôr a mesa para o almoço, com a ajuda do Joaquim. Os furriéis conversavam. Cumprimentei toda a gente, troquei algumas palavras e entrei no gabinete. Li a mensagem e voltei a sair, para ir tomar um rápido chuveiro antes da refeição.

Durante a primeira parte do almoço quase não participei nas conversas habituais. Estava abstraído. Tinha de abordar o problema da Rosa e procurava encontrar as melhores palavras. Tinha de inventar uma desculpa plausível e convincente, que não colocasse ninguém mal. Antevia a decepção dos furriéis e a reacção da Rosa. Também não queria que se ficasse a saber as verdadeiras razões da saída da rapariga. Tinha que ser diplomata. Dizer as coisas de maneira que todos aceitassem as ordens, sem qualquer constrangimento.

Foi no momento em que estávamos a preparar o café que decidi apresentar o problema:

— Tenho uma notícia muito pouco agradável a dar-vos.

Fez-se um silêncio profundo. Fixaram-me todos um olhar inquisidor. Que notícia desagradável traria o alferes de Quimbele? Depois de uns segundos de expectativa, continuei:

— Vamos ter de ficar sem a presença agradável da Rosa, agora que já estávamos afeiçoados à sua companhia.

— Então porquê, alferes? O que foi que ela fez?

— Ela não fez nada. Mas as notícias correm depressa e chegam a todo o lado. Os soldados deram à língua, em Quimbele, o que é normalíssimo. Disseram que estava uma mulher a viver com o alferes e os furriéis. Isto chegou aos ouvidos do capitão. Chamou-me ao gabinete de comando e passou-me uma desanda valente. Tu já viste a situação em que te meteste? Se isto chega ao comandante de Batalhão, levas um processo disciplinar e vais parar com os costados a outra zona pior.

— E o alferes como é que reagiu, perante o capitão?

É curiosa a nossa capacidade de imaginação! Naquele momento em que inventei esta desculpa, consegui imaginar a situação perante o capitão, tal como se ela tivesse efectivamente ocorrido. E prossegui o relato:

— Como é que vocês acham que eu podia reagir? O capitão estava cheio de razão. Até ele mesmo me podia ter punido, por termos infringido os regulamentos militares. Todos nós sabemos que não é permitido ter mulheres no destacamento. Como é que eu havia de reagir? Ouvi e calei. Tive de lhe dar toda a razão e dizer-lhe que ficasse descansado, que regularia imediatamente a situação assim que chegasse ao Alto Zaza. Por isso, tenho muita pena, mas vamos ter de voltar a ficar sozinhos, sem a companhia agradável da Rosa.

Os furriéis não mostraram qualquer sentimento de revolta. Entenderam perfeitamente a situação. Não queriam que o alferes fosse punido por causa da Rosa. Com uma certa tristeza e comoção, o Donato rompeu o silêncio momentâneo que se fez, no final das minhas palavras.

— E quem vai levar a Rosa à sanzala? Eu não! Vai-me custar levá-la de volta.

— Ninguém vai levá-la de volta à sanzala, por enquanto. A Rosa vai hoje comigo, a seguir ao almoço, para Quimbele. Antes de regressar à sanzala de onde veio, o médico pediu-me para a levar ao gabinete dele, para lhe efectuar um exame completo.

— Porquê? A Rosa está doente?

— Não está, mas é por uma questão de prudência. O médico é responsável pelo bem-estar de toda a gente. E como soube que a Rosa esteve connosco no destacamento, entendeu que ela tem direito a uma assistência médica personalizada, diferente da que dá aos outros civis. É uma maneira de distinguir e pagar o apoio e simpatia que ela nos deu durante estes dias. E já que o Donato falou, penso que é o furriel indicado para ir comigo para Quimbele com a sua secção. De acordo com a mensagem, teremos de lá ficar três dias. Será um bom descanso. E o Donato poderá tomar conta da Rosa durante estes três dias, antes de a irmos pôr à sanzala. O que é que vocês acham?

Toda a gente concordou com a minha proposta. Mas o furriel que a trouxe para o destacamento levantou uma questão:

— Estamos todos a decidir acerca da Rosa, todos nos pronunciámos e concordámos com a decisão, mas falta a opinião da pessoa mais importante. Ninguém perguntou à Rosa se ela está disposta a ir, assim de repente, para Quimbele.

— Tem toda a razão! — disse eu, concordando plenamente com o furriel. Estamos para aqui a decidir acerca da vida dos outros e esquecíamos a opinião da principal visada. Enquanto o Donato reúne o pessoal para irmos à Cabaca procurar as testemunhas, eu falo a sós com a Rosa e procuro saber o que ela pensa. Tenho a certeza que ela não se vai opor, porque só queremos o bem dela.

Depois de saboreado o café, que teve o paladar ligeiramente alterado pelo desgosto de irmos ficar sem a Rosa, pedi-lhe que viesse dar uma volta comigo, para conversarmos um pouco. Expus-lhe claramente o problema:

— Sabes, Rosa, gostei de estar contigo, mas o teu amor fez-me mal!

A Rosa abriu os olhos, espantada com as palavras do alferes. Como é que o amor dela podia fazer mal ao alferes, se ela gostava dele?!

Tu já estiveste com outros homens. — prosseguiu o alferes — Não estiveste? E com isso apanhaste uma doença que necessita de ser tratada. É por isso que vais comigo a Quimbele, para seres vista pelo médico. Tens de ter um tratamento, para que possas ser feliz com um homem que goste de ti. Se não fizeres este tratamento, estás a prejudicar a tua saúde e vais fazer mal ao teu companheiro. Vais pô-lo doente e matá-lo. Tu não queres isso, pois não?

A Rosa entendeu perfeitamente as palavras do alferes. Concordou plenamente. Iria com ele e faria o que ele mandasse.

— Depois do tratamento, regressas daqui por três dias ao Alto Zaza. Ouviste e percebeste aquilo que expliquei aos furriéis, não percebeste?

Perante a anuência da Rosa, o alferes prosseguiu a explicação: «Não vais poder continuar connosco. Um furriel ou até eu mesmo vamos depois levar-te à sanzala. Estamos próximos. E quando precisares de alguma coisa, já sabes que estamos aqui sempre dispostos a ajudar-te, a ti e a todos os que vivem contigo, naquilo que for preciso. Continuamos amigos, como se nada se tivesse passado.

— Alferes, estamos à sua espera para irmos à Cabaca. — gritou o furriel, interrompendo a conversa com a Rosa.

— Vou já. Vou enfiar o camuflado e buscar a arma e as cartucheiras.

Voltando-se para a Rosa, concluiu: «Enquanto vamos à procura das testemunhas, prepara as tuas coisas. Daqui por meia hora estamos de volta e partimos para Quimbele.»

Não foi preciso muito tempo na Cabaca para encontrarmos duas testemunhas. Vinte minutos depois estávamos no destacamento. Em frente ao edifício de comando, estavam todos os furriéis e vários soldados, para assistirem à saída da Rosa. Saltei do lugar ao lado do condutor:

— Rosa, tu vais aqui, no meu lugar.

Colocámos a pequena trouxa da Rosa debaixo do banco de madeira, em cima do estrado da viatura, e ocupei o lugar junto da cabine, por detrás da Rosa. Algumas palavras de despedida, dirigidas exclusivamente à Rosa pelo pessoal, e arrancámos para Quimbele.

Era domingo. Estava uma tarde magnífica de céu azul e poucas nuvens. Seguramente que o médico e restantes oficiais deveriam estar a passar a tarde no Briosa Bar, a jogar talvez aos dados e a beber uns finos.

— Monteiro, quando entrarmos em Quimbele, páras em frente ao Briosa Bar, para vermos se lá está o médico. Se não estiver, vamos depois à messe de oficiais e ao hospital de Quimbele.

— Está bem, meu alferes.

Chegámos a Quimbele a meio da tarde. Tal como previra, os oficiais estavam na esplanada, no passeio em frente ao café. Também lá estava o médico. Quase acertava em cheio nas minhas previsões. Não estavam a jogar, mas numa animada conversa, a beberem uns finos com ginguba e camarões. Suas excelências estavam a tratar-se bem!

— O Monteiro aguarda aqui com a viatura. — disse ao condutor. Voltando-me para os soldados, continuei: «Vocês podem esperar aqui, se quiserem, ou irem já para a caserna. Vão arrumar as armas e as cartucheiras e aproveitem bem o descanso. Devemos ficar aqui três dias. Mas não me arranjem problemas. Tenham juízo.

Disse à Rosa para continuar na viatura e pedi a atenção do furriel:

— Donato, a Rosa vai comigo para irmos falar com o médico. Vai ter de ser vista por ele e iniciar um tratamento rigoroso.

Para tranquilizar a Rosa, que seguia com atenção a conversa, disse-lhe:

— Não tenhas problemas, vou estar sempre junto de ti. Não te deixo sozinha.

— Então a Rosa está doente, alferes? — perguntou admirado o furriel.

— Claro! Se estivesse boa não a tinha trazido comigo. Quem tiver relações com ela fica irremediavelmente infectado e a torcer-se com dores. Ainda não lhe aconteceu nada disto, pois não? Nem viu nenhum furriel lá em cima a torcer-se com dores, pois não?

— Não , alferes. Estamos todos de perfeita saúde!

— Ainda bem! Folgo com isso! Mas há ainda outro problema, além do tratamento.

—Qual, alferes? — perguntou o furriel com ar assustado. — Há mais alguma coisa?

— Tenha calma! Não é nada de especial. Temos de pensar na Rosa. Enquanto ela cá fica, nestes três dias, onde a vamos alojar? Não posso levá-la para a messe de oficiais, que o capitão nunca autorizaria tal coisa. Mas também não a podemos meter na caserna com os soldados. Onde é que a vamos meter?

— É isso? Isso é fácil de resolver. Fica comigo na messe de sargentos, alferes. Come e dorme connosco.

— A ideia agrada-me. Mas cuidado. Que ninguém se meta com ela, porque a brincadeira sai-lhe cara e dolorosa. Eu que o diga, que já passei pela situação.

— Porra, alferes! Ninguém quer uma coisa dessas!

— Esperem aqui. Fiquem aqui junto da viatura, que eu vou chamar o médico. Não quero que vejam a Rosa. Deste lado da rua, com a viatura de permeio, nem dão pela presença dela.

— E as testemunhas, alferes?

— Já tratamos delas, Donato. Esperem aqui um pouco, que eu vou ao Briosa Bar chamar o médico. Já estão fartos de nos ver aqui, do outro lado da rua, mas tenho de ir falar com eles.

— Então já cá estás outra vez? — perguntou o capitão, com um ar trocista. Vejo que recebeste a minha mensagem. Trouxeste as testemunhas?

— Estão ali na viatura. Onde é que elas ficam alojadas?

— Elas que se desenrasquem. Têm a caserna onde ficar e comem no refeitório com os soldados. Hoje é domingo. É dia de descanso. Amanhã ou depois serão ouvidas. E tu, estás melhor da infecção?

— Já estou fino, mas não pronto para outra! Tenho ali a rapariga que o Graça Marques me pediu para ver. — disse, voltando-me para o médico. É para ser vista agora ou amanhã?

— Não, não! Vamos já vê-la. Vou andando para a enfermaria. Ainda hoje começa o tratamento. Leva-a lá.

— Está na viatura. Vamos já ter consigo à enfermaria.

Sem querer, por um deslize estúpido, falei da rapariga diante de todos. Irreflectidamente, devo ter feito com que relacionassem a minha infecção com ela. Mas se descobriram ou não os motivos, não o posso afirmar, porque durante os três dias na sede da Companhia ninguém tocou no problema. Devem ter percebido! Mas se relacionaram os factos, tiveram o bom senso de nunca tocar no problema.

A rapariga foi vista pelo médico e imediatamente medicada. Começou naquele preciso instante o tratamento com antibióticos e outros medicamentos adequados em situações do género. Não vou aqui relatar a consulta. Se tiverem a curiosidade de saber o que se faz em situações análogas, consultem um ginecologista. Tudo o que tenho a dizer é que o doutor Graça Marques, apesar de médico de clínica geral (penso eu, porque ainda não lhe perguntei qual a especialidade!), revelou uma elevada competência profissional, que veio aumentar a minha estima e consideração por ele.

Ainda se recordam da situação em que o conheci? Logo à primeira senti uma grande simpatia por ele. Depois, pelo decurso das conversas, constatei que havia muitas afinidades entre nós. E agora, uma vez mais, acaba de confirmar e consolidar a boa impressão inicial.

Efectuada a consulta, saímos da enfermaria. Falei com o furriel, que aguardava na viatura com o condutor e as duas testemunhas. O resto do pessoal já tinha dali abalado pelos próprios meios.

— A Rosa vai consigo, Donato. Instale-a bem e olhe por ela. Tem de ir todos os dias à enfermaria fazer o tratamento.

— E as testemunhas?

— As testemunhas ficam instaladas na caserna, com os soldados. Comem no refeitório. Amanhã ou depois serão ouvidas. O melhor é seguirmos. — disse para o condutor. Vamos largar as armas e as cartucheiras e mudar de roupa, para aproveitarmos bem este resto de dia

Parque auto da 3ª Companhia do Batalhão de Caçadores 4511 em Quimbele, nas traseiras da messe de oficiais. Angola - 1973

Fui o último a descer da viatura. Levámos primeiro o furriel e a Rosa à messe de sargentos. Em seguida, fomos levar as duas testemunhas à caserna dos soldados, junto do refeitório. E voltámos a subir até à messe de oficiais. Depois de estacionada a viatura no parque auto, por detrás da messe de oficiais, fomos, eu e o condutor, cada um para o seu lado. Tomei um chuveiro, troquei o camuflado pela roupa civil e fui ter com os meus camaradas ao café, para passar o melhor possível o resto do domingo.

Não é preciso repetir o que se passou depois do dia 7 de Janeiro. Já falei anteriormente desta semana e precisamos de saltar para o fim de semana seguinte, para cumprir a promessa: falar de maneira um pouco mais alargada do fim de semana em que foi inaugurado o cinema. Mas não resisto, uma vez que me obrigaram a voltar a trás por causa da Rosa, à transcrição da conversa que tive, no dia seguinte, com o furriel. Vou-me limitar a esta conversa e omitir o diálogo com o médico acerca da Rosa. Não vale a pena dizer da boa impressão física que a rapariga lhe causou e que o levou a brincar comigo, dizendo-me que agora percebia por que razão eu me deixara envolver por ela. Esta conversa acerca das impressões deixadas no médico não são para aqui chamadas. Se ele guardou sigilo relativamente ao meu problema, a minha obrigação é aqui omitir o diálogo.

Agradava-lhe a transcrição da conversa que tive com o médico por causa da rapariga? Paciência! Não vou seguir a sua sugestão. A mãe tem de ter paciência. Isso é já demasiada curiosidade feminina! Terá de contentar-se com o diálogo ocasional com o furriel. E mesmo este parece-me agora que até era desnecessário. Mas não quero ser desmancha-prazeres! Disse há pouco que achei curiosa essa conversa e vou transcrevê-la, mesmo correndo o risco de ficar toda a noite agarrado à caneta.

Quando descia a avenida principal de Quimbele, encontrei o Donato. Perguntei-lhe pela Rosa e ele aproveitou logo a ocasião para me disparar esta pergunta:

— O alferes teve problemas por causa da Rosa?

— Problemas, como?

— O alferes veio no outro dia disparado para Quimbele. Constou no destacamento que o alferes estava doente. Houve uma sentinela que o viu torcer-se com dores...

— A Rosa meteu-se comigo. Depois de várias tentativas frustradas, acabou por vencer-me. E lixou-me bem! E o Donato? Não me disse, lá no destacamento, que tinha tido relações com ela?

— Brincámos um pouco, mas mais nada.

— Ainda bem! Foi a sua sorte! Se tivesse chegado a vias de facto, tinha-se tramado, como eu. E os outros furriéis? Nunca se queixaram de nada?

— Não, alferes. Ninguém se queixou.

— Está a ver por que razão trouxe a Rosa para Quimbele? Depois de tratada, volta para donde veio. O furriel que a trouxe será quem a vai levar de volta. E espero que não voltem mais a desobedecer às minhas ordens. Está a ver como eu tinha razão, quando lhe disse que estava a ser inimigo de todos por autorizar a presença da Rosa no destacamento? A chatice toda é que quem se tramou fui eu. Quis ser-vos agradável, e eu é que me tramei!

— Deixe lá , alferes. Ao menos, foi uma experiência nova que teve.

— Sem dúvida! Mas que bela experiência! Dispensava bem este tipo de conhecimentos.

O diálogo ainda continuou, mas chega de transcrições. A noite vai avançada. Daqui a pouco entramos no dia 18 de Janeiro e eu ainda não consegui pôr-me em dia. Falta o relato do fim de semana, em que assisti à inauguração do cinema. E faltam os três dias seguintes, para que os relatos fiquem perfeitamente sincronizados com a data actual. Há muito para dizer. E um forte desejo de ficar com a escrita em dia. Significa isto que vou ter de passar mais uma noitada na conversa convosco. E amanhã vai ser lindo, com uma noite sem dormir! O que me vai valer é que, frequentemente, depois do almoço, não há nada para fazer. Aproveitamos para nos esticarmos um pouco na cama e tirar uma sesta. Está visto! Aproveito a sesta depois do almoço para recuperar. Aproveito agora o sossego inspirador da noite e concluo esta colecção de aerogramas.

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