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Conceitos
de audiovisual e tecnologia educativa |
O neologismo «audiovisual»,
resultante da fusão dos termos «áudio» (do latim audire
─ 'ouvir') e «visual» (do lat. videre ─
'ver') surge pela primeira vez, segundo alguns autores, por
volta de 1930, nos Estados Unidos da América, numa altura em
que os progressos técnicos permitem a transição do cinema
mudo para o cinema falado. O termo entra no campo do ensino
para designar «a aliança das imagens e dos sons nas técnicas
ao serviço da pedagogia[1]» e, com a popularidade cada vez maior do cinema sonoro e com o
advento da televisão ─ uma nova forma de comunicação
que viria a abalar, mais tarde, a própria indústria
cinematográfica ─, o vocábulo espalhou-se pelos países
anglo-saxónicos, devido à elevada rapidez com que as «imagens
falantes» se impuseram.
A partir de 1960, o termo está definitivamente
enraizado no campo do ensino, tanto na América como na
Europa, sendo possível encontrar-se, a partir de então, não
só uma grande diversidade de definições, mas também
algumas reflexões críticas relativamente à maior ou menor
adequação do vocábulo. Segundo nos diz
Henri Dieuzeide
[2], a consagração do termo ter-se-á ficado a dever a um jornal humorístico,
que lançou a expressão «idiot visuel» ('idiota
visual'), a qual, na língua francesa, tem uma grande semelhança
fonética com «audio-visuel». Seja ou não esta a razão
da popularidade do vocábulo, a verdade é que «audiovisual»
aparece já noutros contextos em épocas anteriores. Ainda
segundo o mesmo autor, o vocábulo aparece pela primeira vez
em França, em 1947, na expressão «material audiovisual»,
nas recomendações da X Conferência Internacional da Instrução
Pública do «Bureau International de l'Education». Mas só
em 1952 surge num texto oficial a expressão «meios ditos
audiovisuais», numa circular do Ministério da Educação
Nacional.
A partir da década de 1950, vamos encontrar o vocábulo
«audiovisual» registado e definido em diversas obras. Se
consultarmos, por exemplo, a obra Vocabulaire de Psychologie[3], publicada em 1951, verificaremos que o seu autor,
Henri Piéron
, aí se refere ao ensino audiovisual, definindo-o como «um ensino
ministrado com o auxílio de projecções fixas ou móveis,
comentadas e explicadas pelo professor», de onde se pode
concluir que se trata de um meio auxiliar no ensino a que o
professor recorre para uma melhor apresentação dos
conhecimentos.
Posteriormente, o mesmo autor, na segunda edição da
obra, em 1957, efectua um alargamento semântico de
audiovisual
, o qual passa a designar um conjunto de meios. Diz-nos ele, nesta e em
edições posteriores[4], que, sob a designação de «audiovisual» se englobam «todos os processos de educação e de informação baseados nas
descobertas modernas de reprodução das imagens e dos sons e,
mais particularmente, o cinema e a televisão, o gravador de
som e a rádio»[5].
O confronto das definições efectuadas por
Piéron
mostra-nos uma grande evolução no conceito de «audiovisual», uma
vez que de «meio auxiliar do ensino» passa a ser um
«conjunto de processos de educação e de informação».
Enquanto na primeira acepção «audiovisual» designa um meio
auxiliar do professor, em que é este que desempenha o papel
único e fundamental de transmissor de conhecimentos, na
segunda os audiovisuais adquirem já um papel de maior relevo,
na medida em que já não se reduzem à acção do professor,
antes se alargam, ultrapassando a área da escola para
passarem a abranger também a chamada «escola paralela».
A partir dos anos sessenta e até aos nossos dias,
muitos têm sido os autores que se têm debruçado sobre o
problema dos audiovisuais, quer procurando definir com precisão
o sentido do vocábulo ou contestando-o, por o acharem
inadequado, e propondo outras designações, quer procurando
evidenciar o valor pedagógico dos meios audiovisuais e
procurando estabelecer a sua classificação taxionómica.
Já em 1965,
Henri Dieuzeide
, na obra anteriormente citada, nos diz que a expressão exacta deveria
ser «técnicas auditivas, visuais e audiovisuais» e
que só por «uma elipse infeliz, mas já bem radicada»,
se justifica que «a rádio ou a projecção fixa sejam
designados por audiovisuais.»[6]
Em 1971, o Dictionnaire de la langue pédagogique[7] apresenta-nos, ao lado de «
Técnicas Audiovisuais
», que define como «utilização racional e combinada da imagem e
do som com um objectivo informativo e educativo» a
vinheta «
Ensino Audiovisual
», definindo-o «literalmente e na acepção mais ampla do termo
(acepção praticamente inusitada)» como «todo o meio
de instruir, recorrendo à audição e à visão do aluno»,
instrução esta que se pode fazer com ou sem recurso a
aparelhos auxiliares.
Idênticas definições vamos encontrá-las em obras
posteriores relacionadas com a Pedagogia, com a Psicologia e
com as Ciências da Educação. Por exemplo,
J. Leif
, na obra Vocabulário Técnico e Crítico da Pedagogia e das Ciências
da Educação[8], à semelhança de outros autores, diz-nos que por
audiovisual
se entendem as «técnicas pedagógicas que apelam para o som e a
imagem, principalmente na aprendizagem das línguas vivas, mas
também noutras disciplinas.» E acrescenta que a utilização
da imagem, pelo menos a dos livros e dos quadros murais, é de
utilização muito antiga, por oposição às técnicas
industriais da imagem e do som, tais como a projecção fixa,
o cinema, o disco, a rádio e a televisão, cuja utilização
é relativamente recente.
Do mesmo modo
H. Illner
, na definição por ele redigida para o item «Recursos Audiovisuais»
do Dicionário de Psicologia[9], em 1982, nos diz que os recursos audiovisuais são «meios de
apresentação de informação, no ensino ou durante instrução,
dirigidos aos olhos e aos ouvidos.» E acrescenta que
nesta definição se incluem «tanto quadros murais e mapas
geográficos, quanto "meios" mais modernos, tais
como diapositivos, filmes, discos, fitas gravadas (tapes), rádio,
televisão.» Em seguida, refere os objectivos dos meios
audiovisuais, os quais são usados para «tornar
matéria didáctica mais "real", mais
ilustrativa e assimilável, e para estimular motivação e
atenção do aluno.»
A procura de um maior rigor terminológico tem levado
alguns autores a reflectir sobre a adequação de «audiovisual»
e a propor outras designações.
Jean Cloutier
[10] considera importante «encontrar um meio de classificação que
sirva para situar as linguagens umas em relação às outras»,
uma vez que a «expressão (sic) audiovisual cria a
confusão e recobre uma realidade mal definida»,
confundindo-se muitas vezes «a linguagem audiovisual com
os media de massa, tais como o cinema e a televisão»,
propondo em substituição de «audiovisual», «como hipótese
de trabalho»,
audio-scripto-visual
, designação que tenta evitar «simultaneamente, a confusão entre
linguagens e media e a oposição entre audiovisual e escrita».
Cloutier, após uma breve definição do conceito de
linguagem ('sistema de signos'), faz a distinção entre as
linguagens de base
e as
linguagens sintéticas
, as primeiras unidimensionais, pois jogam com um único modo de percepção,
e as segundas multidimensionais, pois implicam a fusão de
duas ou mais linguagens de base.
Dentro das linguagens de base, num total de três,
distingue as duas
linguagens naturais
─ a
linguagem áudio
(que se destina a ser percebida pelo ouvido e que engloba o mundo da
audição ─ a
audiosfera
) e a
linguagem visual
(que se destina a ser percebida pelo olho e que faz parte da
eidosfera
) ─ da
linguagem scripto
(que diz respeito ao mundo especial da significação, a
scriptosfera
, criado por
linguagens híbridas
, como a escrita fonética, a notação musical, etc.).
As
linguagens sintéticas
são resultantes da fusão de
duas ou mais linguagens de base e, dentro destas,
Cloutier
considera três tipos: o
audiovisual
; o
scripto-visual
; o
audio-scripto-visual
.
O audiovisual «refere-se a toda a forma de
comunicação sintética» que recorre simultaneamente à
visão e à audição, havendo comunicação audiovisual
sempre que os interlocutores estão em presença uns dos
outros, podendo ser recriada pelos
mass-media
─ cinema e televisão
─ ou pelos
self-media
.
O
scriptovisual
«abrange todos os meios de comunicação gráfica, com origem na
fusão da escrita com o visual», tendo como suportes uma
transparência em acetato ou um diapositivo que permitam a
projecção.
O
audio-scripto-visual
«aplica-se a um tipo de comunicação polissintética» que
utiliza simultaneamente diferentes tipos de linguagem, sendo
esta expressão, segundo Cloutier, vizinha da noção de
multimédia
. Refere-se, segundo ele, «ao conjunto do sistema de classificação
e (...) deveria substituir muitas vezes a expressão
audiovisual utilizada para descrever todas as formas de
comunicação que não sejam as puramente verbais e directas».
Mais adiante, ao efectuar o desenvolvimento dos
conceitos inicialmente apresentados,
Cloutier
considera que o audiovisual não é apenas a fusão da imagem com o
som, mas sim a fusão destes dois elementos com um terceiro de
natureza temporal, que faz com que aquilo que se regista e
apresenta se aproxime mais da realidade. Este terceiro
elemento de carácter temporal é o movimento, obtido mediante
uma sucessão de imagens projectadas a uma determinada cadência
e que o nosso cérebro retém durante fracções de segundo,
permitindo assim uma verdadeira ilusão do real. Deste modo, o
vocábulo
audiovisual
passa a ser utilizado num sentido restrito e preciso, designando uma «linguagem
sintética som-imagem-movimento, que se percebe
simultaneamente através do olho e do ouvido, os quais
trabalham em harmonia, para permitirem ao cérebro integrar
todas as informações percebidas em simultâneo»[11]. E para a designação do conjunto dos meios de comunicação,
Cloutier propõe que se utilize a expressão
audio-scripto-visual
, em vez de audiovisual, «que actualmente se utiliza para descrever
todos os meios de comunicação que recorrem a quaisquer
media (p. 146).»
Vimos, por tudo quanto anteriormente dissemos, que o
vocábulo audiovisual continua a ser utilizado, apesar de
todas as críticas que lhe são feitas. De facto, está já
profundamente enraizado e será praticamente impossível
erradicá-lo da linguagem corrente. Teremos, pois, de aceitar
a sua existência e de o entendermos em dois sentidos: num
sentido amplo ou lato e num sentido restrito.
Em sentido lato, a palavra
audiovisual
, cuja substituição por «
audio-scripto-visual
» é preconizada por
Cloutier
, permite englobar praticamente todos os meios de que o Homem se serve
para comunicar com o seu semelhante, recorrendo quer a
elementos visuais ou a auditivos, quer a ambos
simultaneamente, englobando, inclusive, os meios de comunicação
de massa e os
self-media
, bem como os meios utilizados desde tempos mais remotos até aos
modernos meios tecnológicos.
Num sentido restrito, o vocábulo audiovisual designará
apenas aqueles meios que utilizam simultaneamente os dois
sentidos, constituindo uma linguagem sintética formada por
imagem e som, podendo ainda comportar o movimento, o que a
tornará mais completa, sendo captada ao mesmo tempo através
dos olhos e dos ouvidos e permitindo que o cérebro integre
todas as informações percebidas em simultâneo.
Ultimamente, os técnicos do ensino criaram uma nova
expressão para substituírem designações como «audiovisuais»,
«técnicas audiovisuais» ou «auxiliares audiovisuais». Em
vez destas, em que o vocábulo audiovisual se encontra sempre
presente, utilizam as expressões «tecnologia da educação»
ou «
tecnologia educativa
», que constituem uma tradução aproximada da expressão americana
instructional technology
. Esta nova expressão parece ter surgido em Portugal em meados da década
de 1960, altura em que a designação «tecnologia educativa»
vem substituir a tradicional designação de «Meios
Audiovisuais de Ensino (ou Educação)». No entanto, uma vez
mais, à semelhança do que acontecia anteriormente com o
conceito de audiovisual, a expressão «tecnologia educativa»
pode também ser entendida em dois sentidos bastante
diferentes, de acordo com os interlocutores. Num primeiro
sentido, a expressão designa, tal como nos faz notar
Etienne Brunswic
[12], «o conjunto dos meios novos saídos da revolução dos meios de
comunicação e que podem ser utilizados com fins pedagógicos»,
abrangendo toda a panóplia desde os meios fotográficos até
aos mais recentes sistemas informatizados, entre os quais
poderemos englobar os sistemas multimédia. Temos também aqui
um sentido amplo, embora mais restritivo que o de audiovisual.
Num segundo sentido, «tecnologia educativa» designará «uma
maneira sistemática de conceber, de realizar e de avaliar um
processo total de funcionamento», em que todos os meios
pedagógicos, incluindo os audiovisuais, «devem ser
utilizados num sistema coerente com o objectivo da perfeição
a atingir na consecução de objectivos determinados»,
assumindo cada elemento do sistema, homem ou máquina, uma função
precisa num processo de ensino-aprendizagem.
Apesar de surgida em meados da década de 1960, a
verdade é que a expressão «
tecnologia educativa
», frequente e quase exclusivamente identificada com os meios
audiovisuais de ensino, só em meados de 1971 passa a ter uma
utilização ao nível das instituições. De facto, é
neste ano que uma organização nacional, como o Instituto de
Meios Audiovisuais de Educação (IMAVE) vê o seu nome
substituído, pelo Decreto-Lei nº 408/71, de 27 de Setembro,
pela expressão
Instituto de Tecnologia Educativa
, tendo em vista harmonizar métodos pedagógicos e conteúdos
de ensino com as técnicas modernas, entrando na zona de
aplicação das ciências de educação. No entanto, pesem
embora estes novos objectivos, a verdade é que a expressão não
deixa de continuar conotada com as técnicas audiovisuais, por
mais sofisticadas que sejam.
Actualmente, em finais da década de 90, quase no
limiar de um novo milénio, apesar do advento de novas
tecnologias informatizadas, cada vez mais evoluídas e
constituindo potentes bases informativas/formativas multimédia,
a designação «
audiovisual
» continua a ser utilizada a par com outras, que têm vindo a
enriquecer a correspondente área lexical. E estando
constantemente a surgir novos meios tecnológicos, até que
ponto terão já conseguido penetrar no campo do ensino e começado
a substituir os meios tradicionais ou, pelo menos, começado a
constituir alternativas pedagógicas?
In:
Henrique J. C. de Oliveira, Os meios audiovisuais na escola
portuguesa. Universidade do Minho, Instituto de Ciências
da Educação, Braga, 1996, pp. 122-127.
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