Poucos
são já os exemplares de casas nobres existentes em
Aveiro. A arquitectura senhorial nunca atingiu, na zona
litoral do país, uma importância elevada, quer pelo número,
quer pela qualidade artística. É certo que existem
bons exemplares, inclusivamente na Região de Aveiro,
como por exemplo as casas dos Condes de Carvalhais e dos
Marqueses da Graciosa. Tais exemplos são, contudo,
excepções.
Em
Aveiro, grande número das casas nobres desapareceu,
entre elas as mais importantes. Importa pois inventariar as
existentes e investigar a História a elas ligada.
Para
iniciar este trabalho, escoIhemos um edifício de alto
valor para a História de Aveiro. Trata-se da casa dos
Morgados da Pedricosa, existente na Rua de Santa Joana
Princesa.
É
um pequeno paço, do primeiro terço do séc. XVIII, de
fachada relativamente simples, mas de agradável aspecto
estético, enquadrada por pilastras toscanas e cimalha
da mesma ordem; no andar nobre, quatro sacadas de
lintel, friso e cornija, bacias com dois cachorros,
grades de varões anelados. Os vãos inferiores foram
modificados sem que, contudo, o seu carácter fosse
prejudicado.
A
meio da fachada o seguinte brasão esquartelado: o I e
IV com as armas dos Eças; o II e III com quatro bandas.
Como diferença pessoal uma brica carregada de flor de
lis. Elmo, paquife e timbre do primeiro. O II e III
quartéis correspondem às armas dos Botelhos.
O
interior da casa encontra-se guarnecido com preciosos
painéis de azulejo, oitocentistas, de temática histórica.
Pertenceu,
segundo o genealogista Moura Coutinho, a um ramo dos Eças
de Santa Comba Dão. Era seu proprietário José Maria
de Sá Barreto de Eça e Noronha, o qual casou com D.
Maria do Carmo de Lima Praça, filha de José Basto da
Maia Pereira e de sua mulher, D. Custódia José de Lima
Praça. Tiveram um filho de nome António de Sá Barreto
de Eça Figueira e Noronha (que era presidente da Câmara
de Aveiro quando se procedeu à compra, em 1851, da
marinha denominada Rossia, com o fim de ampliar e
regularizar o Campo do Rossio) o qual casou com D.
Henriqueta Emília da Luz, filha de Joaquim Martins da
Luz, bacharel em Direito, capitão de fragata graduado,
cavaleiro das Ordens de Cristo e de Avis, e de sua
mulher D.
Justa Rufina de Mascarenhas. António de Sá
Barreto teve duas
filhas: D. Maria Bárbara da Luz de Eça e Noronha,
casada com Clemente
Pereira Gomes de Carvalho, professor liceal e reitor do
Liceu de Aveiro de 1869 a 1871, sem geração, e D.
Adelaide Emília da Luz de Eça e Noronha, que foi
mulher de José Maria Pereira de Couto Brandão, de
Estarreja, de família nobre e que foi 1.º oficial do
Governo Civil de Aveiro, os quais tiveram geração.
O
referido José Maria de Sá Barreto de Eça e Noronha
foi filho de José Joaquim de Sá Barreto de Eça, que
casou em Angeja com sua prima D. Francisca Liberata de Figueiredo
Mourão, filha herdeira do Desembargador dos Agravos da Casa
da Suplicação, Manuel Mourão Botelho Figueira e de
sua mulher D. Josefa Mourão, de Vila Real, e neto
paterno de José de Sá Barreto, professo na Ordem de
Cristo e Desembargador da Relação do Porto, e de sua
mulher D. Teresa.
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Brasão
existente a meio da fachada da casa dos Morgados
da Pedricosa, na rua de Santa Joana Princesa, em
Aveiro. |
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Esta
D. Teresa era filha de D.
António de Eça, que serviu no regimento
da praça de Almeida, em 1702,
e foi capitão-mór de Santa Comba.
Nesta
casa viveu o Desembargador Francisco Manuel Gravito da
Veiga e Lima, o qual nasceu em Lisboa em 1776 e era
filho do Desembargador Francisco António Gravito Simões
da Veiga e de sua mulher D. Antónia Benedicta de Lima.
Em 1870, com a nomeação de seu pai para o cargo de
Superintendente das Obras da Barra, veio para Aveiro.
Francisco
Manuel Gravito casou com D. Mariana Teixeira Pinto de
Azevedo Cabral e dela teve uma filha, D. Maria Emília
Teixeira Gravito, nascida a 31 de Janeiro de 1813, a
qual casou com Francisco Infante de Lacerda de Sousa
Tavares, irmão dos 1.0 e 2.0 Barões de Sabroso, de
quem não houve geração. Com a morte desta, em Lisboa,
a 26 de Fevereiro de 1894, acabou a família dos
Gravitos, pois seus tios António José e João Crisóstomo
morreram solteiros e sem geração. Francisco Manuel
Gravito foi fidalgo da Casa Real, Desembargador dos
Agravos da Casa da Suplicação, Corregedor Cível da
Corte e Deputado.
Foi
nesta casa que se realizou, a 15 de Maio de 1828
(conforme refere o Dr. António Christo), a reunião a
que assistiram o Desembargador Joaquim José de Queirós,
o Coronel José Júlio de Carvalho, Francisco António
de Abreu e Lima e Francisco Silvério de Magalhães Serrão
e onde foi resolvido iniciar, em Aveiro, no dia
imediato, a revolução liberal contra as pretensões do
Rei D. Miguel I. Convém notar que, na madrugada do dia
16, houve outra reunião, esta em casa do Corregedor
Abreu e Lima, com a presença de Rocha Colmieiro, Queirós,
Serrão e José Júlio de Carvalho, onde foram tomadas
as últimas decisões e dado o início à movimentação
de tropas.
Com
a derrota deste movimento, foi Gravito preso por um
oficial de caçadores, em Julho de 1828, na casa a que
nos temos vindo a referir, dando entrada nas cadeias da
Relação em 10 de Agosto do mesmo ano. Após um
julgamento bastante tumultuoso, foi condenado a ser
levado pelas ruas públicas do Porto, com baraço e pregão,
até à Praça Nova, onde seria enforcado e, depois
disso, lhe seria cortada a cabeça para ser afixada no
lugar do delito. Ser-lhe-iam, também, confiscados todos
os bens. A sentença foi executada a 7 de Maio de 1829,
sendo a sua cabeça exposta em frente da Casa da Câmara
de Aveiro.
Embora
Gravito habitasse esta casa da Rua de Santa Joana
Princesa, (outrora chamada de Jesus e anteriormente de
Nossa Senhora, tendo chegado mesmo, com o advento da República,
devido ao feroz anti-clericalismo em que esta foi fértil,
a chamar-se de Miguel Bombarda), foi posto o nome de Rua
do Gravito à antiga Rua de S. Paulo. Nessa rua existe
uma casa que foi mandada fazer pelo pai de Gravito, a
qual era morada de seu irmão António José, casa esta
que foi comprada por Francisco Manuel Couceiro da Costa.
A ela nos referiremos em próximo artigo.
A
casa da Rua de Santa Joana Princesa veio a pertencer a
Carlos da Silva Mello Guimarães, depois à Sociedade
Testa & Amadores, seguidamente a Amadeu Augusto
Amador, sendo recentemente adquirida pela Câmara
Municipal de Aveiro aos herdeiros deste último, pelo
que, desde já, apelávamos no sentido de que as obras a
realizar e futura utilização tivessem em conta o alto
valor histórico que a esta casa anda associado.
ARTUR
JORGE ALMEIDA
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