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Muié – Relatos e Sentimentos

Cheiro a morte

Chegaram os Comandos. Hoje, dia 22 de Agosto, temos cá uma tropa que difere apenas da nossa, pela bruta maneira de agir.

Chegaram a esta zona com o fim de procederem a mais uma operação anual, denominada Siroco.

Durante dois dias suportamos essa massa de tropas, que além de outras coisas, fizeram alguma ação anti-psicológica dentro da Sanzala.

Partiram para o PC (Posto de Comando) em Cangamba na manhã do dia 24.

Nesse mesmo dia o nosso Grupo Especial encontrava-se em ação na mata, apoiados por dois dos nossos grupos de combate.

Tomando duas direções diferentes com o mesmo objetivo, a nossa tropa e o GE separaram-se.

Durante a progressão, o GE teve que gastar muitas munições porque foram emboscados pelo inimigo, que bateu em retirada imediatamente.

Como o objetivo era um acampamento inimigo e as munições escasseavam, foi pedido aos comandos o apoio do Heli Canhão.

Sendo esse pedido rejeitado, o GE decidiu fazer o assalto ao acampamento, isto mesmo sem estarem garantidas as munições suficientes ou as condições de segurança.

A quinhentos metros do acampamento inimigo viram um sentinela avançado que fazia guarda perto do rio.

Um dos GE disparou-lhe uma rajada, atingindo-o com três tiros. Porem, antes de cair fulminado, ainda conseguiu lançar uma granada de mão, dando assim sinal de perigo ao seu acampamento.

Durante meia hora o GE esteve debaixo de fogo inimigo sem ripostar, para não denunciarem a sua real posição.

O silêncio da nossa parte foi o suficiente para desorientar o inimigo que, nervosos pela incerteza, fugiram apressados, sem que o seu chefe (conhecido como Tiro) os conseguisse segurar.

Com mais algumas rajadas de aviso, o GE entrou no acampamento, capturando um homem e duas mulheres.

As mulheres foram imediatamente degoladas.

O homem, depois de bastante maltratado, foi posto em liberdade para informar os companheiros do que lhes aconteceria se ali voltassem.

Terminada a operação regressaram ao quartel com um camuflado inimigo, uma arma e duas granadas apreendidas.

No anoitecer desse dia de guerra e ódio, outro grupo inimigo desencadeou novo ataque ao quartel.

Todas as granadas de morteiro inimigas caíram fora do arame farpado do quartel, mas dentro da Sanzala.

A primeira caiu junto da porta de armas, fazendo os estilhaços voarem por cima das cabeças de alguns elementos da companhia, que antecipadamente se tinham deitado por terra. Os estilhaços de outra que caiu na Sanzala foram atingir o coração e a têmpora esquerda de um menino de seis anos, filho de Máquina, nosso trabalhador. O menino encontrava-se nesse momento ao colo da sua mãe que não sofreu qualquer ferimento.

Outra granada feriu sem gravidade mais cinco elementos da população.

Com alguma sorte nossa, algumas granadas não rebentaram, fazendo no entanto alguns estragos. Uma delas já trazia uma trajetória de morte, encontrando no seu caminho uma idosa decepando-lhe uma perna.

Numa dependência da enfermaria, o Máquina chorava, agarrado ao seu filho, a ferocidade dos homens. Noutra dependência a idosa agonizava, pois o ferimento era grande, o sangue já a tinha abandonado e o soro de nada lhe servia. Passadas poucas horas, já se encontrava no descanso eterno.

 

 

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