Humilde homenagem ao professor Jorge Rino,

um grande académico e cientista da nossa terra

O professor Jorge Rino partiu. É uma notícia dramática e dura, que ainda não consigo digerir bem, mas que me obrigou a escrever de imediato e ao correr da pena este texto de humilde homenagem a um grande homem e académico. Foi meu professor na licenciatura na disciplina de Geologia e Histologia Vegetal e na disciplina de Talófitos (algas). Muito duro e exigente, fazia sentir que a Universidade é uma coisa séria e difícil, a pedir muito trabalho. Era inesquecível por isso, mas também pela felicidade que passava pela procura do conhecimento e pelo convívio de qualidade que passava a todos, dando a sentir que estávamos num planalto alto mirando a paisagem, discutindo e compreendendo, e tendo obrigações sobre ela (uma longa conversa).

Com ele beneficiei muito para além de ser aluno. Descobri umas algas "raras" quando decidi estudar a sério para a sua disciplina. Tinha começado a acordar de madrugada para andar a pé junto a ribeiros (e às vezes dentro), rios e ria, recolhendo material para observação ao microscópio, incentivado pelas histórias que me contava com paixão pela descoberta do novo.

Numa dessas minhas recolhas de material foi possível identificar e estudar pela primeira vez, se não me falha a memória (e não quero exagerar), as estruturas reprodutoras (zoósperos, uma alga que tinha sido descrita pelo padre Póvoa dos Reis, familiar do seu também aluno Luís Reis, meu amigo, de quem me tinha falado com entusiasmo e que me fez dar às pernas para encontrar a "coisa"), noutra a raridade de uma alga que ainda só tinha sido descrita uma vez muitas décadas antes, por Bourelly (o grande botânico das algas, um dos maiores, senão o maior, de quem foi discípulo e em cujo laboratório o professor trabalhou durante alguns anos) para a ilha de Java (quem diria que eu iria um dia parar a Java Central?) e outra ainda uma subaérea, na casca de uma macieira, rara de ver por estas bandas (distrito de Aveiro). Disse-me aquando do trabalho de campo para a publicação de um artigo com o professor António Calado, na altura seu assistente, em que eu apareço como colector da alga: "Você devia seguir para investigação! Já viu o olho que teve para esta coisa linda? Já viu o leque de probabilidades que é preciso vencer para isto acontecer? É o destino, dedique-se!".

Um dia no inicio de um exame teórico, ainda antes da nossa "confiança" e trabalho conjunto, por esta altura do ano, disse-me assim: "Ângelo Eduardo Rodrigues Ferreira, vossa senhoria tem ido alimentar-se com o magnífico repasto do Patuá?". Fiquei surpreendido por saber de cor o meu nome completo, mas mais ainda por me estar a referir um restaurante no concelho (Águeda) onde viviam os meus pais e onde eu nunca tinha ido comer porque, naquela altura, a nossa família não se podia dar muito ao luxo de restaurantes, muito menos de leitão à Bairrada (que é tradicional de Águeda, sim!). Era uma forma de dizer que sabia bem de onde eu era. De facto, o professor Rino era conhecido pela sua memória de elefante, dando aulas em que debitava as características de dezenas de espécies de algas sem recorrer a um único papel. E sabia os nomes de todos os alunos e os dados biográficos deles, para não falar da retenção de outras características. Mais tarde percebi que ele próprio era dali, de outra freguesia do mesmo concelho, quando começámos, ele, Calado e eu, a ir no seu Renault 5 de Aveiro para o sul do concelho de Águeda para recolher uma das algas raras que eu havia descoberto e fazer medições, fazendo ele questão de fazer um caminho que passava na sua terra.

Quando me perguntou a primeira vez "então diga lá o caminho para o local da coleta", eu indiquei o que conhecia melhor, passando por Oliveira do Bairro, mas ele, que sabia muito bem onde estava e onde era, sem o dizer, a meio, em Oiã, decidiu virar à esquerda em direção a Águeda... e eu, tonto, respeitoso e cheio de medo daquela figura de Senhor Professor Doutor dos Antigos Catedráticos (ainda que nunca o tivesse sido por razões alheias ao seu mérito) disse-lhe com voz trémula: "Professor, desculpe, mas não é o por aí'" – Ele riu-se e continuou. E eu fiquei a pensar. "É melhor estar calado, e logo se verá, por ali também dá, se nos perdermos perguntamos. a alguém".

Eles riam-se de mim, claro. Em Recardães pude perceber logo porquê: "Aqui é a terra onde fui gaiato, conhece? Você conhece a Livraria Rino?". E eu, a querer agradar, "claro, os meus pais já lá compraram material para a escola". Ficámos apresentados e a saber que éramos, de certa forma, patrícios, como ele também me chegou a dizer.

O professor Rino era fino nas palavras e nas ironias, de um humor muito inteligente, que o digam os alunos que tiveram coragem para ir ao seu gabinete ver exames e puderam perceber o que queriam dizer as suas anotações na margem da folha de respostas, que ele depois conseguia traduzir em classificações, segundo reza o mito. Recordo-me de um colega me ter dito algo assim "Perguntei o que queria dizer a classificação de VNS, e ele respondeu irritado, Virgem Nossa Senhora!". Podia não ser esta a verdadeira inscrição, mas o mito desta e de outras, que outros saberão contar, ficou para a história.

Bem, a vida levou-me por outras ondas, apesar do meu amor às diatomáceas, às euglenas, aos fucus, às rodófitas e a todas as outras, mas nunca esqueci o professor que, a par com o Ângelo Emídio Pereira, mais me fizeram suar e, ao mesmo tempo, mais me fizeram amar a Biologia. Foi também com o professor Rino que me apaixonei pela ilustração biológica, pois ele gostava de fazer "uns bonecos", como dizia, e gostava também dos meus "bonecos".

Na prática de Talófitos, a parte Iaboratorial da cadeira, dada no meu caso pelo prof. Calado (um discípulo de grande envergadura, boa pessoa, bom cientista e professor, igualmente dedicado e exigente, que até tinha os mesmos tiques, um dedo a enrolar repetidamente um caracol de cabelo na nuca enquanto dava a aula – desculpe se estiver a ler isto), que era tão dura ou mais, pelo menos para alguns, do que a teórica – até por exigir preparações, observações, identificações e "bonecos" ao microscópio –, tive 19 valores e não cabia em mim de felicidade, não tanto pela nota, mas por ter ouvido um rasgado elogio do Professor Rino: "Gostei dos seus bonecos, o leitão do Patuá está a fazer efeito". Mas que grande incentivo! Obrigado, professor!

Professor Jorge Hino, o curso da vida distanciou-nos fisicamente, a Biologia e as Algas não foram o meu destino, mas preciso de lhe dizer aquilo que tantas vezes me apeteceu dizer-lhe quando o encontrava, na Universidade ou no Refúgio, mas faltava a coragem por causa daquela mania de não dar confiança aos sentimentos. Quero dizer-lhe que sempre o mantive no lugar mais sagrado da memória, onde ficam registados os nossos melhores professores, os homens e mulheres com sentido de grande exigência, mas também de empatia, que valorizam a liberdade e a responsabilidade em igual medida, que têm sentido de humor e sabem rir mesmo de si próprios.

Professor, foi agora ensinar algas para outra universidade, "por esse mundo de Deus", como dizia, mas fica aqui também entre muitos como referência do ensino universitário, da ciência e do condão de passar esse amor às "artes e ofícios", ainda que sem dar confiança excessiva a melodramas, aos que tiveram a sorte de conviver consigo.

Dê um abraço por mim ao professor Ângelo Pereira e ao Padre Póvoa! Junto nesta homenagem simples o Luís Reis e o Fernando Ribeiro, pois, mesmo sem falar com eles, sei que gostariam de se associar a ela.

Um grande abraço, professor!

Ângelo Ferreira   
In "Diário de Aveiro" (17JUL.2020 | Sexta-Feira | p. 10)

  NOTA - Este artigo foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico (de 1990)
 

Colaboração
Ângelo Ferreira