Nasceu em 18 de
Maio de 1809. Era filho de D. Teresa Tomásia Leite, descendente de uma
família de comerciantes daqui e de não pouca importância, e de Bento
José Mendes Guimarães, que também se dedicava ao comércio e que era do
concelho do nome do seu último apelido. Este indivíduo viera para
Aveiro, sendo muito criança, e foi caixeiro da casa comercial da
família daquela de quem depois foi esposo; nos negócios da mesma casa
teve parte desde certa época, sendo por aquela família sempre tratado
com muita estima.
Manuel José Mendes
Leite estudou as primeiras letras com Frei Joaquim de Santa Rita,
religioso do convento de Santo António, desta cidade. Esse convento,
em virtude de um legado e de um subsídio da Câmara Municipal, era
obrigado a sustentar uma aula de primeiras letras, como então se
chamava a instrução primária.
Em fins de
1817, o aveirense, de quem estou falando, começou a frequentar a aula
de gramática e língua latinas com José Lucas de Sousa da Silveira,
natural desta cidade e eminente preceptor da mesma língua, da qual
também Mendes Leite ficou sendo um profundo conhecedor. Em 1822, foi a
Coimbra, acompanhado por seu pai, e ali, na Universidade, sem precisar
da mínima recomendação, fez /
pág. 401 / exame daquela
disciplina, a que também andava anexa a gramática portuguesa. Escusado
será dizer que obteve a aprovação de nemine discrepante e
mereceu os elogios dos seus examinadores.
No ano imediato
frequentou lógica, com o Dr. Francisco Inácio de Mendonça e, no de
1823 a 1824, frequentou retórica e história, disciplinas que então
andavam anexas, com o Padre Manuel Xavier Pinto Homem.
Em Outubro de 1824,
matriculou-se no primeiro ano de leis, como então se chamava à
Faculdade de Direito. Cursou os dois primeiros anos dessa Faculdade
sem incidente notável e dando sempre grandes provas de inteligência e
de muito regular aplicação.
Em 1826, o senhor
D. Pedro, primeiro imperador do Brasil, enviou para os portugueses uma
Carta Constitucional, que por ele foi outorgada e mandada jurar e
cumprir. Muitos dos mancebos, que frequentavam as aulas da
Universidade e de outras escolas superiores e secundárias, aplaudiram
festivamente a nova forma do Governo e aclamaram a Dinastia do
outorgante. Para isso não faltavam motivos.
Uns desses mancebos
já tinham, como suas famílias, recebido alegremente a Constituição,
que havia sido efeito da evolução de 1820. Outros achavam que a nova
Constituição, fundada na Carta, lhes traria meios de um viver mais
próspero. Mas não poucos amavam mais as lides escolares e a sujeição
aos lentes, do que as lides bélicas e as aventuras que elas
proporcionam aos que empunhavam as armas, ou em defesa da pátria ou em
defesa de um ideal político. Logo se manifestaram opiniões diversas;
umas a favor da nova forma de Governo, outras favoráveis ao antigo
Regime.
Mendes Leite, com
um grande número dos seus companheiros no estudo, não só se manifestou
a favor daquela causa, mas, como eles e em defesa dela, empunhou as
armas. Por isso, no fim do ano lectivo de 1826 a 1827, não obteve
aprovação no acto. Decerto, concorreu para tal a falta de aplicação e
o desassossego moral e físico, pois nem lhe faltava talento, nem era
de recear qualquer vindicta, porque permanecia ainda a forma de
Governo, a que Mendes Leite era afecto.
Em princípios de
Maio de 1828, achava-se em Aveiro, quando aqui o Batalhão de Caçadores
n.º 10 e alguns paisanos, capitaneados pelo desembargador Joaquim José
de Queirós, levantaram os gritos revolucionários contra o Governo
estabelecido. Foram ao convento do Carmo, onde se achava o cofre com o
dinheiro das obras da barra e do mesmo dinheiro tomaram posse, sob o
pretexto de ser destinado às despesas de uma causa, que proclamavam
legítima e que traria a Portugal grandes prosperidades e venturas.
Mendes Leite deixou logo Aveiro e marchou para Coimbra, onde alguns
académicos também se haviam revoltado contra o Governo. Ali se
organizou, em 16 daquele mês, o chamado Batalhão Académico, para
defender os princípios, proclamados naquela revolta. Mendes Leite
ficou pertencendo ao mesmo Batalhão.
/ pág. 402
/ Este e quase todos os corpos militares,
partidários da revolta, foram mal sucedidos e tiveram de fugir da
pátria, procurando refúgio no exílio para assim evitarem o castigo,
que as leis daquele tempo haviam de aplicar-lhes. Mendes Leite e os
seus companheiros emigraram para a Galiza, aqui chegando em 6 de
Julho. Em 7 de Setembro, desembarcou em Plymouth. Em 28 de Março de
1829, ele e os seus companheiros foram riscados perpetuamente da
Universidade.
A história de
Mendes Leite, desde então até se concluir a guerra entre os
partidários do primeiro imperador do Brasil e os do príncipe
português, que foi expulso em 1834, é quase tão semelhante à dos seus
companheiros de armas, que escusado será referi-la. No entanto, direi
que ele na causa, que defendia, mostrou-se sempre denodado e nunca
deixou de tratar bem os adversários, se com eles se encontrava fora
dos combates.
Ele e os seus
companheiros sofreram trabalhos, doenças e privações, mas praticamente
muito aprenderam e se ilustraram, adquirindo mesmo direitos a empregos
e a postos militares. Mendes Leite, porém, não se aproveitou do ensejo
de adquirir nem uns nem outros e sempre recusou as veneras e os
títulos, que muitos avidamente solicitaram e facilmente adquiriram. Em
virtude do decreto de 18 de Março de 1833, aproveitou-se unicamente da
vantagem de ser novamente admitido às aulas da Universidade e de não
ser obrigado ao acto, que deveria fazer em 1828, se a revolta, em que
tomou parte, não concedesse esse privilégio a todos os que formaram o
Batalhão Académico. Em Outubro de 1834, foi continuar a sua formatura,
a qual concluiu em Junho de 1836.
Em Setembro mesmo
ano, promovida por alguns liberais, houve uma incoerente revolução,
que daquele mês tomara o nome. Mendes Leite foi um dos que perfilharam
os princípios, que na mesma revolução haviam sido proclamados.
Em 16 desse mês e
no mesmo ano, foi despachado secretário-geral do Governo Civil do
Distrito de Aveiro, lugar que com muita proficiência exerceu até Junho
de 1838, ano em que, por motivos políticos, pediu a sua exoneração.
Em 1839, foi eleito
para o cargo de presidente da Câmara Municipal deste concelho. No
mesmo ano foi eleito comandante do batalhão da Guarda Nacional, aqui
organizado.
Em 22 de Março de
1840, foi eleito deputado pelo círculo de Aveiro. Na mesma lista
figuravam os nomes de José Estêvão Coelho de Magalhães, de Aveiro,
Filipe José Pereira Brandão, de Estarreja (ambos bacharéis formados em
direito) e Manuel Maria da Rocha Colmieiro, proprietário, natural e
residente em Esgueira, subúrbios de Aveiro. Todos ficaram eleitos;
porém, Manuel José Mendes Leite foi quem obteve mais votos.
Em 25 de
Maio, foram abertas as Câmaras. Mendes Leite e José Estêvão logo se
declararam hostis ao Ministério. Perfilhando os princípios da
revolução, que do mês de / pág.
403 / Setembro tomara o nome,
resolveram fundar um jornal diário com o título de “Revolução de
Setembro”, cujo primeiro número saiu em 22 de Junho desse mesmo ano de
1840. Os seus fundadores foram também os seus redactores principais.
Nenhum, porém, assinava os artigos, o que foi pena, porque seria hoje
muito curiosa a separada colecção dos artigos, podendo-se assim
apreciar tanto as belezas do estilo e a maneira como os seus
princípios políticos. Mais tarde, outros indivíduos escreveram no
mesmo jornal, tornando-se mais notável António Rodrigues Sampaio, que
por isso e por muito tempo foi conhecido pelo nome de Sampaio da
Revolução.
Em 10 de Fevereiro
de 1842, foi proclamada novamente a Carta Constitucional, a qual não
estava em vigor desde que havia sido jurada a Constituição de 1838 e
que era um misto da mesma Carta e da Constituição de 1821. Desde que
essa nova Constituição fora jurada pela soberana (4 de Abril de 1838)
até aquela data, deram-se não poucas alterações políticas e não poucas
manifestações populares, promovidas pelos chefes dos diversos partidos
e em diversas localidades. Escusado será aqui apontá-las; sabem-se
pela história e a sua total narração não será mister para uma especial
biografia.
Mendes Leite
pronunciou-se contra a restauração da Carta a contra o decreto que,
dissolvendo a Câmara dos Deputados, mandava que novas eleições
houvessem de fazer-se em 9 de Junho desse ano. Claro está que os
eleitos deveriam todos ser da feição do Ministério, que era puramente
cartista e presidido por António Bernardo da Costa Cabral, depois
conde e mais tarde marquês de Tomar. Os afeiçoados ao Ministério foram
denominados cartistas ou cabralistas. Os contrários tinham diversas
denominações, mas geralmente eram conhecidos por setembristas, pois
quase todos defendiam os princípios da incoerente revolução de
Setembro.
Essa facção, porém,
não era formada só pelos setembristas puros, mas por alguns cartistas
dissidentes e até por vários sectários do antigo Regime e do príncipe,
proscrito em Maio de 1834. Era, pois, um partido formado de elementos
heterogéneos e de indivíduos que haviam sido antagonistas, tanto na
imprensa como nos campos da batalha. Essa coligação deu origem a um
jornal, que dela tomou o título. As eleições fizeram-se, mas com
grandes violências e não menores violências se fizeram nas eleições
suplementares, que no ano imediato se efectuaram.
Os chefes dessa
coligação trataram de promover uma revolta contra o Governo. Os
setembristas e os seus correligionários fizeram ao Ministério uma
grande guerra, tanto nas Câmaras, como na imprensa, e prepararam-se
para a fazerem com as armas na mão. Por isso, tratavam de subornar
alguns corpos militares, tanto da capital e não menos da província.
Mendes Leite era um dos chefes dessa incoerente rebelião.
Em princípio
de 1844, essa rebelião tornou-se mais exaltada e mais declarada, dando
em resultado, no dia 4 de Fevereiro, o pronunciamento militar em
Torres Novas, no qual José Estêvão muito se salientou. Essa revolta
foi sufocada e não conseguiu a /
pág. 404 /
queda do Ministério. Também a não conseguiu o
pronunciamento de 8 de Abril do mesmo ano; em 28 desse mês, na praça
de Almeida, o conde de Bonfim teve de capitular e muitos dos
revoltosos tiveram de emigrar e não poucos tiveram de procurar as
terras do exílio. Esses, com raras excepções, haviam jurado a Carta e
por ela havia pelejado. Então revoltaram-se contra o Ministério, que
procurava manter-se à sombra da mesma lei fundamental.
Mendes Leite,
depois de percorrer diversas terras, esteve em Paris, na rua Laffite,
n.º 20, tendo por companheiro José Estêvão, seu íntimo amigo desde a
infância e também companheiro em todas as lides políticas, nas quais
sempre confraternizaram.
Em 15 de Abril de
1846, levantou-se no Minho uma sublevação popular, a que se deu o nome
de Patuleia. Ao princípio, não se lhe ligou importância; o mesmo nome
de Patuleia assim o indica. Dizia-se que era, apenas, uma algazarra de
patulas, ou pato las; isto é, gente rústica e sem cotação nas opiniões
políticas. Também se lhe deu o nome de Maria da Fonte, nome que não
passava de um mito ou de um emblema revolucionário.
As coisas, porém,
tomaram maior vulto e os emigrados, aproveitando o ensejo, voltaram à
pátria. Mendes Leite foi um deles. Houve a batalha de Torres Vedras e
deram-se diversos combates. A mesma intervenção estrangeira, que havia
concorrido para a expulsão de D. Miguel, veio então em auxílio da
augusta filha do primeiro imperador do Brasil. O trono dela estava
periclitante; não faltava quem optasse ou pela república ou pelo
regresso do príncipe proscrito. Pela convenção de Gramido, em 24 de
Junho de 1847, acabou a Patuleia e os contrários à Carta houveram de
sujeitar-se a ela e mais tarde tornaram a festejá-la, achando-a muito
boa e muito liberal.
O que Mendes Leite
e José Estêvão passaram, desde que chegaram à pátria até à convenção,
pertencente à história daquela malfadada época. Bastará, porém, dizer
que Mendes Leite e outros partidários da augusta filha do primeiro
imperador do Brasil estiveram presos na torre de S. Julião, onde no
dia 2 de Junho desse ano de 1847, esteve alteada a bandeira inglesa!
Ele e seus companheiros haviam sido aprisionados por uma esquadra da
nação britânica, quando, em 31 do mês antecedente, tentavam
desembarcar na barra do Porto, para se unirem às forças da Junta que,
em nome da rainha, se havia organizado na segunda cidade do reino.
Seguiu-se a esse e a outros acontecimentos a convenção de Gramido,
para que influiu a intervenção estrangeira.
No ano imediato e
por causa de uma conspiração política, de muito pouca importância e
que talvez não passasse de uma pura invenção do Ministério presidido
pelo Duque de Saldanha, foi Mendes Leite preso e encarcerado no
Limoeiro, em 17 de Junho, donde saiu em 4 de Novembro seguinte, depois
de ter sido pronunciado sem fianças, mas obtendo na Relação a anulação
da pronúncia. A mesma sorte tiveram outros verdadeiros ou supostos
conspiradores.
/ pág. 405
/ Em 1851, houve a incoerente revolta,
chamada Regeneração, na qual Saldanha, que até então era um grande
defensor do partido cabralista, se mostrou inimigo intransigente do
conde (depois marquês) de Tomar, seu correligionário; pôde assim
derrubá-lo do poder. Mendes Leite, como José Estêvão e outros liberais
exaltados, apoiou o movimento revolucionário; isso talvez concorresse
para que, em 16 de Novembro do mesmo ano, fosse eleito deputado pelo
círculo de Aveiro.
Em 10 de Março do
ano imediato, propôs que, nos crimes políticos, não fosse aplicada a
pena de morte, ficando assim ampliado o parágrafo 18 do artigo 145 da
Carta Constitucional. Essa proposta, posto que tivesse muita oposição,
foi aprovada, mas não por grande maioria.
Em 24 de Junho do
mesmo ano (1852), foram dissolvidas as Câmaras. Procedendo a novas
eleições, Mendes Leite saiu deputado pelo círculo de Aveiro, com os
dres. Francisco António de Resende, de quem já se falou no início
deste capítulo, e José António Pereira Bilhano, prior da freguesia de
Ílhavo e, mais tarde, arcebispo de Évora.
Em 1856, saiu
deputado por este círculo com Carlos Bento da Silva e o Dr. José
Luciano de Castro, que também chegaram ao cargo de ministros. Por
decreto de 14 de Março de 1860, foi nomeado governador civil do
Distrito de Aveiro.
Tendo, porém, caído
o Ministério em Agosto do mesmo ano, pediu em 15 de esse mês a
exoneração de tal cargo, para o qual seria nomeado o Dr. Basílio
Cabral Teixeira de Queirós Júnior.
Em Julho de 1861,
começou a publicar-se aqui o jornal “Districto de Aveiro”, em oposição
ao Governo e ao “Campeão da Províncias”, que defendia o Ministério
presidido por António José de Ávila, depois duque de Ávila e Bolama.
Mendes Leite foi um dos fundadores desse jornal, como o foram Bento de
Magalhães, José Crispiniano da Fonseca e Brito, Bernardo Xavier de
Magalhães, Manuel António Loureiro de Mesquita, Filipe Luís Bernardes
e outros que seguiam a política de José Estêvão, que também concorrera
para a fundação do mesmo jornal.
Em 4 de Novembro de
1862, faleceu José Estêvão e, portanto, ficou vaga a cadeira de
deputado que ele ocupava.
Em 1 de Março de
1865, foi Mendes Leite eleito deputado por este círculo, tendo por seu
antagonista António José da Rocha, natural de Ílhavo, que na
magistratura judicial ocupava um lugar importante. Mendes Leite,
apesar de ser oposto ao Governo, venceu por grande maioria,
especialmente na assembleia que, nesta cidade, se efectuou na igreja
da Misericórdia.
Em 11 de Setembro
de 1864 e pelo partido do Governo, saiu deputado por Aveiroo Teve por
seu antagonista Manuel Firmino de Almeida Maia, que, apesar de estar
na oposição, ainda obteve um grande número de votos, em quase todas as
assembleias.
/ pág. 406
/ Em Maio do ano imediato e tendo caído o
Ministério, foi dissolvida a Câmara dos Deputados. Em Julho,
efectuaram-se novas eleições, sendo eleito por este círculo o mesmo
Manuel Firmino, como governamental. Mendes Leite havia sido indigitado
para deputado oposicionista, mas, por combinação amigável, desistiu da
candidatura e patrocinou a do seu colega e amigo Bento de Magalhães,
que não obteve maioria em nenhuma das assembleias e perdeu por quase
seiscentos votos.
Durante seis anos,
esteve Mendes Leite quase completamente retirado da política, posto
que sempre afecto ao partido histórico e depois ao regenerador. O
facto de ser um dos fundadores e colaboradores principais do
“Districto de Aveiro” não deixou de causar-lhe desgostos, por ser um
jornal criado quase exclusivamente para defender a política partidária
de José Estêvão.
Mendes Leite, em 29
de Setembro de 1871, foi novamente nomeado para o cargo de governador
civil deste Distrito, depois de ser telegraficamente consultado por
António Rodrigues de Sampaio, que então era ministro do Reino e que
havia sido seu colega na redacção da “Revolução de Setembro”, por cujo
motivo era conhecido pelo nome de Sampaio da Revolução. Por motivos
políticos, pediu a sua exoneração em 28 de Abril de 1877.
Em 6 de Fevereiro
do ano imediato, foi novamente eleito para o mesmo cargo e, em 25 de
Julho de 1879, também novamente e a seu pedido, obteve a sua
exoneração. Em 30 de Janeiro de 1881, voltou a exercer o cargo de
governador civil, que exerceu até Fevereiro de 1886.
Nos princípios de
Junho do ano imediato, quando eu tinha a minha residência em
Estarreja, vim a Aveiro e encontrei-me com Manuel José Mendes Leite,
na rua dos Mercadores, muito perto da arcada da Praça.
Cumprimentámo-nos e estranhei o encontrá-lo tão magro, abatido e
tristonho, muito acabrunhado e sem a sua natural jovialidade de
outrora. A isto me respondeu, meneando tristemente a cabeça:
— Então que quer,
meu amigo? São os setenta e oito.
— Mas —
repliquei-lhe — quantos indivíduos têm essa idade e estão bem
dispostos e vivem de perfeita saúde!
— E os trabalhos? E
os desgostos? E os desenganos? E as ingratidões?
Nada mais lhe pude
responder. Apertou-me afectuosamente a mão e despedimo-nos com uma
simples cortesia.
Em 20 de Agosto do
mesmo ano (1887) e após uma doença, que poucos dias o retivera no
leito, acabou os seus dias este aveirense na sua casa da quinta do
Seixal, desta cidade. Eram quase cinco horas da tarde; pouco antes,
havia recebido respeitosamente o sacramento da Extrema-Unção e outros
socorros espirituais.
O cadáver de Mendes
Leite foi acompanhado ao cemitério por grande número de indivíduos,
sem distinção de classes, nem posições, nem opiniões políticas. Pouco
antes, estivera depositado na capela da Madre de Deus, situada
defronte da casa onde falecera o mesmo indivíduo; ele próprio era o
proprietário dos dois edifícios.