Não tem faltado quem
suponha que João Afonso de Aveiro, o poeta, seja o mesmo indivíduo que
figurou nos primeiros descobrimentos marítimos, feitos pelos
portugueses. A identidade dos nomes concorreu, por certo, para esse
engano e para ele não deixaria de concorrer o terem sido coevos esses
indivíduos homónimos. Creio, porém, que não será erro afirmar que são
indivíduos diversos e sem o mínimo parentesco. E também não falta quem
siga esta opinião.
Diogo Barbosa
Machado, na sua Biblioteca Lusitana, fala do poeta João Afonso de
Aveiro, sem indicar que ele houvesse seguido a vida marítima. Também o
não diz o Cancioneiro, de Garcia de Resende. E os escritores, que
falam do piloto João Afonso de Aveiro, também não atribuem a este o dom
da poesia. Era mesmo natural que o piloto se desse melhor com os perigos
e aventuras marítimas, do que com auxílio das musas.
Nesta conformidade,
suponho que João Afonso, o piloto, era filho de Afonso Anes Primor,
arrais, e que nascera cerca do ano de 1443. Seu pai já figurava nos
trabalhos marítimos, como antes dele haviam figurado alguns aveirenses,
e como figuraram outros até depois de 1500.
Os feitos de João
Afonso muito concorreram para animarem D. João II à descoberta da
Índia, um dos sonhos dourados do Príncipe Perfeito. Mas essa empresa só
pôde realizar-se no tempo de D. Manuel I. |
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Em 1481, empreendeu
Diogo de Azambuja uma expedição à Costa da Mina, aonde se fez acompanhar
por diversos capitães marítimos; entre os nomes deles, figura o de João
Afonso de Aveiro. Em 1484 também este aveirense acompanhou Diogo Cão às
costas ocidentais de África; nesta expedição fez-se o descobrimento do
Rio Zaire e do Reino de Congo. E João Afonso portou-se tão
intrepidamente e Diogo Cão deu a respeito dele tão boas informações a
D. João lI, que o monarca, logo no ano imediato, o encarregou de dirigir
uma expedição para o descobrimento do Rio Formoso.
Efectivamente, em
1485 partiu João Afonso novamente para aquelas paragens e, por um feliz
acaso, pôde, em 1486, descobrir a ilha e as terras de Bení ou Benim. E,
por muito tempo, tanto aquela ilha como esses vastos territórios da
África Ocidental foram conhecidos pelo nome de Terras de João Afonso, ou
Terras de Afonso de Aveiro, e não poucos mapas geográficos com esse nome
ainda os indicam.
Tendo voltado a
Portugal, pouco depois de haver praticado tão notável feito, fez -se
acompanhar de um embaixador do rei de Benim, que desejava estabelecer
algumas relações de comércio e de amizade com o monarca português e de
tomar conhecimento dos nossos costumes e das terras da Europa. Esse
embaixador era preto, de boa estatura e dotado de conhecimentos. Por
isso, foi aqui muito bem recebido e lhe foram mostradas muitas coisas
dignas de se verem. Assim o afirma Rui de Pina, na Cronnica de D.
João lI.
A estes factos fazem
referência outros escritores antigos, tais como João de Barros, nas
suas Décadas; Garcia de Resende, na Cronnica daquele monarca;
Pedro Mariz, nos Dialogos de Varia Historia; e o Pedro António
Carvalho da Costa, na sua Chorographia Portugueza.
E, assim como nenhum
destes escritores dá a João Afonso, o marinheiro, a qualidade de poeta,
também o não aponta como criado de D. Diogo, duque de Beja. O mesmo
fazem os escritores modernos, que mais ou menos se referem aos feitos
deste aveirense. Tais são: Luciano Cordeiro, o cardeal Saraiva,
Alexandre Magno de Castilho e outros.
Aquele embaixador deu
a D. João II largas informações a respeito do império do Preste João, o
que aumentou muito as esperanças da possibilidade do descobrimento da
Índia. A existência de um monarca poderoso, chamado Preste João, era uma
convicção que alimentavam muitos povos da Europa. E o descobrimento
daquele império era outro sonho dourado, cuja glória não poucos
desejavam conseguir.
O embaixador foi
brindado com muitos e muito valiosos presentes e voltou para a terra,
que era Ugató, um dos portos de mar daquelas paragens.
João Afonso de Aveiro
havia, de Benim, trazido a Portugal a primeira pimenta, que foi tida
como notável, enquanto a mesma especiaria não veio de outras paragens.
Depois de pouca
demora, e por ordem de D. João lI, voltou a Benim, onde estabeleceu
feitorias e onde mandou construir uma fortaleza.
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Frei Luís de Sousa,
no capítulo VI, do sexto livro da segunda parte da História de S.
Domingos, faz uma referência a este aveirense e aos seus feitos,
dizendo que essas terras de Benim ficam entre o Reino do Congo e as
terras que vizinham com o Castelo de S. Jorge da Mina. Nesses
territórios, resta apenas a Portugal o forte de S. João Baptista de
Ajudá.
João Afonso de Aveiro
faleceu nas terras que descobrira, talvez vítima da sua dedicação à
pátria e dos desejos de deixar um bom nome à posteridade. Não se sabe em
que ano, nem se deixou descendência.
Creio que não
descendia de família que tivesse títulos nobiliárquicos. Ganhou-os com
seus serviços. Por isso, D. João II lhe deu título de nobreza e um
brasão, que constava do seguinte: - Uma águia, insígnia dos Afonsos,
entre duas estrelas e duas meias luas. Esse brasão era muito semelhante
às armas de Aveiro e, por isso, não faltou quem afirmasse que, sendo
elas as da pátria de João Afonso, como tais as havia adoptado.
Pode Aveiro ter a
justa ufania de que, antes dos feitos marítimos de Vasco da Gama, já
tinham nome os de João Afonso e que estes feitos foram a origem
daqueles. E também pode afirmar que João Afonso nem teve de D. João II
tantos meios nem tantas protecções, como Vasco da Gama tivera do monarca
venturoso.
A
glória de João Afonso foi quase toda alcançada unicamente pelo valor do
seu braço, pela sua coragem, intrepidez e muitas mais qualidades, e pela
dedicação à pátria.
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