Não há
muito tempo, fui treinar uma cadela perdigueira para as margens do
Antuã. Já lhe tinha ensinado algumas letras do alfabeto, mas queria
ensinar-lhe também o destemor e o prazer da água. O bicho andava
radiante, atropelando constantemente a própria sombra nas correrias,
procurando e trazendo a bola de trapos que, volta e meia, eu lhe lançava
para a vegetação. Fomos assim caminhando até que chegámos à margem.
Atirei a bolinha para a escassa água com que o rio arrastava o Verão e
incitei a cachorra. Brilharam-lhe os olhos, mas o impulso da busca foi
travado como que por magia; e de nada valeram palavras de encorajamento
ou as pequenas pedrinhas jogadas para o objecto que seguia aguardando na
frouxa corrente.
Como
decididamente a cadela não entendia o que eu lhe dizia, teria que
atender ao meu exemplo. E se bem o pensei mais depressa o fiz. Pus-me em
cuecas e aí vai ele pelo rio dentro à cata da bola, enquanto a cadela
permanecia na margem num frenesim de medos, que se transformaram em
gemidos e uivos quando subi para a outra margem e me escondi nos milhos
a chamá-la.
Demorada e difícil foi a lição dessa tarde e, felizmente, não passou
ninguém para se divertir com o entremez, porque seria com certeza
risível terem-me surpreendido, na minha idade, em cuecas, como a
canalha, a chapinhar no rio.
/
8 /
No
regresso, por todo o caminho do regresso, o episódio serviu-me para
acender na minha mente um caleidoscópio de recordações dos anos em que
eu não passava dum cachorrinho a deslumbrar-me com o mundo e a atropelar
amiúde a minha sombra entre as mesmas margens do Antuã.
Na
década de sessenta do século passado, eu era um rapazelho igual a tantos
outros e, como os demais, era permeável aos apelos do rio.
Por
esses anos, S. João da Madeira, Oliveira de Azeméis e Estarreja não
tinham o peso humano que hoje têm, a carga de indústria que hoje têm, e
a agricultura não chafurdava ainda na química. O meixão, enguias juvenis
ou já formadas e as lampreias subiam o rio, havia cardumes de robacos e
os insectos eram também um sinal de vida, sobretudo os alfaiates no seu
constante vaivém, aos repelões, na epiderme da água.
Sempre
que me abeiro dum curso de água, gosto de ver os insectos, porque são
eles, pela sua vulnerabilidade, que me dão os primeiros sinais de vida
dum rio. Se não estiverem lá, as águas estarão moribundas ou já mortas.
Então,
os confortos da vida moderna, como as máquinas de lavar roupa, ainda não
existiam na maior parte dos lares e muitas mulheres iam lavar para o rio
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juntando aos carregos os filhos que depois ficavam por perto na
brincadeira.
Uma
ocasião, estava eu entretido com uma caninha da índia a pescar robacos
com bolinhas de pão e andava uma ninhada de cachopitos na brincadeira no
rio. As mães lavavam e iam estendendo, nos ervanços da margem, a roupa a
corar. Às tantas, um dos cachopos armou alguma que outro, mais
espigadote, deitou atrás dele para lhe aquecer as orelhas. Na correria,
galgaram a torto e a direito por cima de toda a folha e da roupa que
corava, sujando tudo.
–
Filhos da puuuta! Ah meus filhos da puta – gritava, gesticulando, uma
mulher – que vos vou rachar de lenha!
No
pesqueiro onde me entretinha, tive que me rir. Eu conhecia aquela gente
e a mulher desesperada era a mãe dos moços e, seguramente que, no final
do dia, daria aos dois a dose costumeira de carícias...
O rio é a infância da água, escrevia Ruy Belo num
belíssimo poema a que voltarei. Neste caso, era também a água da
infância. Em sendo os dias maiores e mais quentes – todos nós tínhamos
medo das sezões e nenhum se atrevia a antecipar a estação – íamos para
lá, por vezes faltando à escola, e todos aprendíamos a nadar desafiando
os fundões que a corrente criava.
/
10 /
Em
algumas tardes, o entretimento maior era apanhar robacos nas tocas,
enfiando o braço pelos buracos das margens onde eles se refugiavam. O
pior era que, às vezes, em lugar de robacos apareciam ratas ou, pior
ainda, cobras-de-água; e bem melhor era andar com a palma à cata de
enguias ou a armar galrichos, camuflando-os na vegetação com a boca
voltada para a foz.
As
águas continuaram a correr e arrastaram para a imensidão essas
brincadeiras de juventude. Uma após outra, as mulheres foram deixando de
lavar no rio, o crescimento dos pequenos burgos, a montante, e o
incremento de novas indústrias, algumas com efeitos devastadores como a
de lacticínios de Oliveira de Azeméis ou as descargas de cisternas de
hipoclorito, foram matando os insectos...
E o
rio recebeu a mais cruel das recompensas.
A água
é indispensável e criadora de vida. Ao longo dos tempos, os indivíduos,
as famílias, os grupos, foram-se fixando na proximidade da água. O
correr dos séculos trouxe-nos notícias das grandes civilizações
fluviais: dos egípcios, sobretudo, talvez por ser a mais fascinante, mas
também doutras civilizações doutros pontos do grande Nilo, do Tibre e do
Eufrates, do Ganges ou do Amazonas.
Por
todo o curso do Antuã e seus afluentes também se foram fixando
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pessoas, pela água e pela qualidade dos terrenos, pela sua fertilidade e
facilidade de manuseamento.
Há na
freguesia de Salreu, na margem Sul do rio, um lugar cimeiro chamado
Crasto. O nome sugere-nos de imediato a existência de um crasto, embora
até agora não tenham aparecido evidências da sua existência. Contudo, os
nomes das localidades não nasceram por acaso. Se se chama Vale
Castanheiro a um lugar, não é por lá terem existido oliveiras e
eucaliptos... Penso que a falta de sinais do povoamento terá também a
ver com os materiais de construção disponíveis. Por todo o acabar do
Antuã, a pedra é praticamente inexistente e, até à divulgação do tijolo,
as habitações eram feitas com celão (blocos de lodo compactado), adobes
(feitos com areia saibrosa, afamados os de Anadia, e, geralmente,
transportados por barcos mercantéis), madeira, ou seja, materiais
perecíveis.
Em
2002, no decurso das obras de melhoramento e restauro da Capela de Stº
Amaro, lugar cimeiro na margem norte do rio, foi encontrada uma pequena
lâmina de sílex, objecto comum da pré-história. Não é pois necessário um
grande exercício de imaginação para compreender que a fixação de pessoas
nas proximidades do rio é muito anterior à nossa nacionalidade.
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O rio
serviu essencialmente a exploração dos terrenos envolventes aos povos
primitivos e às gerações sucessivas. Penso que a riqueza piscícola,
mesmo quando o rio tinha outra pureza de águas, se prestava mais a
actividades lúdicas que a modos de vida, à criação de riqueza. Um bom
ano de lampreias, uma noite feliz às lampreias, não passava dum bodo aos
pobres. A riqueza dava-a o rio aos que tinham terras que as águas
bafejavam e nelas mourejavam. A riqueza deu-a o rio aos fazedores de
arroz, depois de ele próprio ter urdido as marinhas.
Voltemos ao poema de Ruy Belo:
Um dos passeios que mais gosto de dar é ir a Esposende
Ver desaguar o Cávado. Existe lá um bar apropriado para isso.
Um rio é a infância da água. As margens, o leito, tudo a protege.
Na foz é que há a aventura do mar largo. Acabou-se qualquer
Possível árvore genealógica, visível no anel do dedo. Acabou-se
Mesmo qualquer passado. É o convívio com a distância, com o
incomensurável.
É o anonimato. E a todo o momento há água que / 13 /
Se lança nessa aventura. Adeus margens verdejantes, adeus pontes,
Adeus peixes conhecidos. Agora é o mar salgado, a aventura sem
Retorno, nem mesmo na maré-cheia. E é em Esposende que eu
Gosto de assistir, durante horas, a troco de uma imperial, à morte
De um rio que envelheceu a romper pedras e plantas, que lutou,
Que torneou obstáculos. Impossível voltar atrás. Agora é a morte. Ou A
vida.
«Homem de Palavra (s)» – Pub. D. Quixote, 1970
Também eu gostava de ter um rio assim, um rio com
uma foz que eu ficasse a adorar com uma imperial esquecida entre os
dedos. Mas o Antuã tem agora um desaguar feio, emparedado por balrães de
saibro e pedra e por um intrincado matagal de canízia e silvas que
esconde o mar de lama onde começa a aventura sem retorno nas águas da
laguna de Aveiro.
/
14 /
Sabemos que as águas do mar, quando a laguna não existia, vinham mais ou
menos até aos terrenos onde hoje se situa a via-férrea. Por aí se
situaria naturalmente a foz do Antuã, por aí morreriam as suas águas
carregadas de aluviões.
Muito
perto, sobre o lado sul, o Vouga (muito antes da abertura do canal que
hoje conhecemos por Rio Novo do Príncipe, em 1815, obra dos engenheiros
Reinaldo Oudinot e Luís Gomes de Carvalho) fluía pelo seu antigo leito,
braço hoje designado por Rio Velho, e estendia os seus tentáculos,
também eles carregados de sedimentos, que em anos de grandes cheias se
entrelaçavam com as águas de pequenos cursos e com as águas do Antuã. O
mar morria cada vez mais longe e o braço humano ia fazendo as marinhas,
forçando o curso das águas, trabalhando as terras que se entregavam.
A
produção de cereais e a necessidade da sua transformação em farinhas
para a confecção do pão e para suporte alimentar dos animais de
trabalho, ou de produção de carne, urdiu outra fonte de riqueza, os
moinhos de água que tinham enorme importância, sobretudo no curso
superior do rio, no concelho de Oliveira de Azeméis, mas também aqui, no
local que ficou conhecida por turbina. Ainda hoje, apesar de raras, se
cultivam no nosso concelho terras de trigo. Contudo,
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em épocas mais recuadas, o cultivo de cereais como o trigo e o centeio
era generalizado e, juntamente, com o milho e o arroz, determinaram e
incrementaram as suas construções, que conheceram anos de significativo
sucesso, nomeadamente na primeira metade do século passado, sobretudo na
fase dos racionamentos e da candonga...
A
evolução da sociedade e o desenvolvimento industrial foram tornando
obsoletos os velhos moinhos. Os que se situavam a montante da ponte
velha (Estarreja), na margem da Quinta da Costa, foram adaptados pelo
seu proprietário, Carlos Marques Rodrigues, que neles construiu uma
estação hidroeléctrica, que chegou a ter potência instalada de 50 KW. A
central, de serviço particular, forneceu, a partir de 1915, energia à
Fábrica de Descasque de Arroz. Paralelamente, a Turbina fornecia
gratuitamente energia a Estarreja, nomeadamente ao Hospital Visconde de
Salreu. E foi o sucesso da moagem eléctrica, adicionado à emigração, que
encerrou um ciclo que tinha durado gerações. Gradualmente, os moinhos
foram sendo abandonados, estando hoje reduzidos a escombros que os
silvados piedosamente encobrem.
Outra
fonte de riqueza do rio é a água, que é captada em Santiais, pela CME
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e pelas bombas da Quimigal, já perto da foz, e que são utilizadas pelas
principais indústrias do Concelho. Para que se tenha uma ideia da sua
importância e significado, refira-se que a Cires consome cerca de 200
m3/hora, a Dow 80 m3, sendo outros grandes consumidores o Ar Líquido, a
Nestlé...
«Tejo
que levas as águas / correndo de par em par / lava a cidade de mágoas /
leva as mágoas para o mar», escrevia num poema Manuel da Fonseca (de
que Adriano Correia de Oliveira faria uma agradável canção). Também o
Antuã vai penosamente lavando algumas mágoas, levando-as mudamente para
o mar. Algumas, porém, permanecem, como os montes de entulho no lugar da
Canhota, em Salreu, precisamente a povoação que o rio mais bafejou e que
nele continua a lançar cisternas de fossas domésticas e de vacarias...
«Ribeiras limpas / acudi-me» (Fernando Assis Pacheco – o garrote):
também podia ser esse o grito do nosso rio. Ribeiras limpas, ribeiras
lindas!
Aí por
1956 ou 57, nos meus 6 ou 7 anos de idade, acordei uma noite
sobressaltado: o meu avô Raul não estava na cama onde ambos dormíamos,
na sua casa próxima da Escola Conde de Ferreira. Há imagens de infância
que perduram pela vida e lembro-me de ter ido, às escuras, pela casa
fora, à procura dele. Fui
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encontrar o meu velho avô na cozinha, onde também havia uma grande
masseira e o forno, onde se cozia o célebre pão de oito dias e as padas
(oitenta e oito) de muita fama. O meu avô estava no meio da cozinha, um
leitão metido num ferro (ainda conservo esse ferro facetado) sobre uns
cavaletes de madeira, a esfregar a pele já dourada do bicho com um naco
enorme de toucinho.
O
leitão voltou docilmente para o forno, mas eu só muito a custo é que
voltei para a cama! Na manhã seguinte, fomos para a festa da Senhora da
Ribeira, na Minhoteira, já no Pinheiro da Bemposta. Não sei como fomos.
Meu avô não tinha carro e já nem a velha carroça de vacas teria. Disso
não me recordo. O que sei é que da sua casa até à ponte, na Minhoteira,
são quase sete quilómetros e, da ponte para a capela, são mais uns
quinze minutos a pé. Ao colo ninguém me levaria... Fomos!
A festa da Senhora da Ribeira acontece todos os
anos, no segundo Domingo de Maio, tempo dos grilos. Recordo-me dos
campos, que marginavam o rio, estarem todos cultivados e dos grilos
cantarem por todo o lado; e lembro-me de ver muita gente e de me terem
deixado brincar na água limpa da ribeira, que também cantava como os
maestrinos, na apressada alegria de se juntar ao Antuã.
/
18 /
Há
pouco voltei lá. A capela, que tem inscrita a data de 1611, já não
recebe romeiros como antigamente. Os ex-votos que lá existiam,
desapareceram todos, o caminho tem silvados e os campos de ambas as
margens estão transformados em matagais. Aqui e além descortina-se o
leito do rio que na generalidade apenas se adivinha, tal é a densidade
dos silvados e o emaranhado de arbustos que o sufocam. Plásticos
diversos, vidros partidos e, no colo da ribeira onde me tinham deixado
brincar, dois enormes pneus de camião.
No
terceiro volume da interessante obra Guia de Portugal, Raul
Proença escrevia em 1940 (cf. edição de 84 da Fundação Calouste
Gulbenkian): «De St.º Amaro em direcção à Estrada Nacional e a
Oliveira de Azeméis encontra-se a chamada encosta da Minhoteira,
lindíssimo vale por onde desce o Antuã. É uma das Formosas paisagens da
região». As ribeiras que naquele ponto o Antuã recebe são também
pequenos caudais de mágoa, também elas clamando. Mas a beleza do sítio é
como a de algumas mulheres que perdura desafiando os caprichos dos
tempos que passam.
E de
ribeiras é o Antuã rico, o Antuã e os seus principais afluentes, o UI.
Como o Ínsua também é, ribeiras que se semelham às
nervuras de algumas folhas
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ou à raiz duma velha árvore. Duas há que lhe são próximas mas que apenas
misturam caudais nas águas largas da laguna: a do Gonde, a norte, que
atravessa Avanca e a da Enxurreira, também conhecido por Rio jardim, a
sul, que separa Salreu de Canelas. Ambas com caudais suficientes para
alimentarem moinhos nas estações mais pluviosas mas que, no Verão, se
reduzem a fios ou poceiros. De resto, toda a região cimeira do Distrito,
na Freita ou em S. Macário, por Sever do Vouga, todo o ambiente do seu
grande vizinho Vouga, é rica de água. Um simples olhar para o mapa
revela-nos isso. Tive, de resto, a preocupação de prescindir do pormenor
miudinho na transcrição da carta do rio, por o entender sem valia para o
que me propus. Mas é deste intrincado novelo de varizes de água que nos
vem o rio como o conhecemos no seu acabar. Socorro-me, para o descrever,
do elaborado estudo feito por F. Ferreira da Silva: «O rio Antuã tem
a sua origem em dois arroios que se juntam em Carregosa de Baixo. Ambos
nascem na Freguesia de Escariz, concelho de Arouca. Um deles tem a
origem em Alagoas, banha Seixeira, Fajões e entra no lugar de Carregosa
de Baixo; o outro nasce nas proximidades da Venda da Serra e junta-se ao
primeiro naquele lugar. Corre depois por terras de Carregosa, Pindelo,
S. Roque, Oliveira de Azemeis, UI, Estarreja, Salreu e tem a sua foz na
Ria de Aveiro. Recebe na margem direita o rio
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Ul que nasce na Freguesia de Fajões, no lugar de S. Mamede. Banha
Romariz, Milheirós de Poiares, S.João da Madeira, S. Roque, Cucujães,
Santiago de Riba-UI, Madail e UI, onde junta as suas águas às do rio
Antuã.
Sob o ponto de vista histórico a importância do rio
Antuã data dos princípios do século XII, no tempo dos Pontífices Pascoal
II e Calisto II, que estabeleceram definitivamente os limites das
Dioceses do Porto e Coimbra. Serviu este rio de linha de demarcação
territorial e eclesiástica das duas dioceses (cf. Arquivo Distrito Aveiro, VoI. XIV, nº 53-1948).
Todos
estes cursos de água, de maior ou menor dimensão, têm nas suas margens
uma flora espontânea diversificada, que lhes dá uma invulgar festa de
verdes. Uma grande variedade de ervanços, sabugueiros, amieiras, densos
canaviais... Quando visitei a Senhora da Ribeira, encontrei, nas
proximidades, sob a protecção do arvoredo, uma planta que julgava
desaparecida e que fez as delícias da minha infância: morangueiros
silvestres. Tanto bastou para que o passeio levitasse em encanto.
Qualquer visita ao Antuã, ao seu vale, às suas margens, pode revelar-se
uma festa para os sentidos. Num dia chuvoso de primavera, quando
procurava as ruínas dum moinho, surpreendi dois apaixonados, desligados
do mundo, com
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os seus minhoqueiros a tentar as enguias na água barrenta pelos
enxurros. Um amigo meu foi mais feliz num dia em que foi inspeccionar
uns pinhais que herdara.
Quando
estava numa vertente a estudar as árvores, ouviu uns barulhos estranhos
que subiam das águas. A curiosidade mostrou-lhe uma família de lontras
que brincava. Veio-me anunciar o achado com compreensível entusiasmo,
mas pedi-lhe o maior segredo: alguns tesouros devem ser bem guardados,
como os dos piratas...
Mas
outros bichos povoam o ambiente do rio. Javalis, por exemplo, que nas
suas margens fazem as suas banhas, a galinha-de-água ou o guarda-rios
com os seus fulgurantes voos azul-laranja.
No
Inverno, quando a chuva se prolonga por alguns dias, o rio ganha corpo
rapidamente e as suas águas barrentas galgam facilmente as margens
inundando as terras onde continuará a depositar os seus nateiros. Serão
então tristes, mas ainda assim duma tristeza bela, as suas paisagens.
Foram, no entanto, as ambiências da Primavera e do Verão que mais apelos
semearam na alma dos artistas, fotógrafos e pintores sobretudo. E pelas
suas objectivas e paletas se foi preservando a memória do rio e da sua
beleza que continua a oferecer-se enquanto as águas se aventuram sempre
ávidas do convívio com a distância. |