A Nudez da Alma

A Mãe

A Mãe fazia assim!....

A Mãe fazia este prato muito saboroso!...

A Mãe deitava sempre um bocadinho deste tempero!...

A Mãe dizia!... A Mãe contava...

A Mãe! A Mãe! A Mãe!

Quantos anos tivemos a nossa mãe ao nosso lado? Eu tive-a cinquenta anos. E tudo o que ela fazia me parecia natural. Parecia-me natural que se deitasse depois de mim e já estivesse levantada quando eu acordava.

Que estivesse horas a fio "vestindo" e "despindo" agulhas num vaivém incessante, no fazer da malha para as camisolas que nós vestíamos no Inverno.

Era para mim natural que ela passasse uma manhã na cozinha, num bailado entre o fogão e o lava-loiça, preparando a refeição que nós devorávamos num abrir e fechar de olhos.

Achava natural que ela corresse entre o emprego, as compras, a casa, as roupas, lavasse, entendesse, brunisse, feita dobadoura parando só quando a noite já ia alta.

Para mim, parecia-me natural e bem tudo o que a minha mãe fazia. Quando ela falava dando-me os seus conselhos, ou recordando coisas do passado, tenho a sensação de que não a ouvia com a atenção que ela merecia.

Mas a Mãe partiu para uma viagem, donde ninguém volta nem traz lembranças.

As lembranças ficam cá, connosco e agora; nós, os filhos, temos de continuar a viver sem ela.

E agora tudo vem à memória!

As receitas, os segredos da cozinha, os momentos de festa ou tristeza e até o que ela contava, nós agora repetimos. E lá vem a lengalenga de quem já passou os cinquenta anos: – A minha mãe dizia... A minha mãe contava...

E hoje, quando preparo a ceia de Natal, o almoço da Páscoa ou um simples jantar para reunir toda a família em volta da mesa, sozinha, na cozinha, no mesmo bailado que ela executava entre o fogão e o lava-loiça, eu recordo a minha mãe e parece-me até que sinto junto a mim a sua presença, dizendo-me como outrora:

– Não achas isto um pouco picante? Não te esqueças do que está no forno!...

– A Mãe!... A Mãe!... A Mãe!...

C.L. Maria das Dores