O mar nem sempre está de maré, que é
como quem diz: nem sempre se consegue arrancar-lhe o sustento. Antes dos
atuais métodos de conservação, era preciso guardar peixe para o inverno,
porque o estômago todos os dias quer comer. Por isso, as mulheres da
praia tinham os seus métodos para abastecer a dispensa. Na maioria das
zonas pesqueiras, o peixe era limpo, escalado e disposto alternadamente
com camadas de sal. em barricas de madeira com um orifício no fundo, por
onde saía a moura. Podia aguentar assim até seis meses, sendo bem
processado. Mas havia na Nazaré uma forma diferente de o conservar: os
carapaus, as sardinhas, a petinga, os batuques, o cação e mesmo os
chamados peixes finos – como o safio, o pargo e o polvo – eram secos na
beira-mar, num processo meticuloso e paciente. Um saber feminino, cuja
origem se perde no tempo e se arrasta até aos nossos dias, embora esteja
hoje praticamente em vias de extinção, como tantas das nossas tradições.
Não é claro se o sistema começou por ser utilizado pelas varinas, para
aproveitamento das sobras do peixe fresco, ou se teria nascido da real
necessidade de aprovisionamento – na época de maior abundância – para os
longos meses em que as condições climatéricas não permitiam pescar, mas
por um desses motivos nasceu esta arte, que por várias gerações garantiu
a estabilidade económica de muitas famílias. Era utilizado para consumo
próprio e também para venda local, ou nos mercados da região, passando
depois a ser procurado pelos visitantes da praia, nacionais e
estrangeiros. O método não era de todo complicado, mas requeria um
conhecimento básico no manuseamento do pescado, que começava por ser
transportado à cabeça até ao areal, em gamelas de madeira. Esta operação
começava de madrugada, pela fresca. Quando os primeiros raios de sol
beijavam a praia, já o peixe estava processado e estendido, à espera que
o vento e a maresia cumprissem a sua missão.
Antes disso, tinha sido amanhado numa dorna de madeira, depois escalado
com os próprios dedos e de seguida lavado em água do mar.
Ficava depois em salmoura, durante cerca de uma hora, antes de ser posto
a secar, sobre camadas de junco estendidas na areia, em leiras de mais
ou menos dois metros, divididas por pequenos carreiros, para facilitar o
acesso na viragem do peixe. As vísceras eram levadas pelos pescadores e
lançadas ao mar, para servir de engodo.
O clima ditava o tempo da secagem, que podia demorar três ou quatro
dias, em que o peixe permanecia na praia, vigiado pelos homens mais
velhos que já não saíam para a faina.
Na segunda metade do século passado, novas leis ditaram o fim da
utilização do junco no areal, bem como a lavagem com água do mar,
obrigando as varinas a inventar um novo sistema. Nasceram então os
estendais que ainda hoje podem ser vistos na Nazaré: uma espécie de
estrado com armação em ripas de madeira, onde esticam pedaços da rede
que já não é utilizada a bordo. A água é salgada artificialmente, com
sal grosso, mas o resto da tradição mantém-se: o peixe é estendido ao ar
durante três dias, com a diferença de que agora não precisa de ser
virado, uma vez que a rede permite a secagem simultânea dos dois lados.
À noite acartam os estendais à cabeça, para o armazém. E ao outro dia –
bem cedo – começa tudo outra vez. Pelo menos, enquanto durarem as forças
às poucas "Nazarenas" que ainda se dedicam a esta atividade. Menos de
uma quinzena, na última contagem...
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