Chinchorro é o nome dado ao aparelho
– arte artesanal – que por várias gerações encheu de Enguias as cavernas
das Bateiras da Ria de Aveiro.
Aos homens "do lado de lá" – a poente
da lagoa – também se chama assim. Ou não fossem eles os que manobram
esta arte com maestria, bem como à embarcação, que também se chama
chinchorro.
Feitas de madeira de pinho, fundo
raso – versão reduzida do Xávega, ali tão perto, de traço elegante, proa
levantada, pintura pictórica de cores muito vivas que lhe realçam as
linhas – já foram às dezenas na beira-ria da Torreira, mas nos tempos
que correm são cada vez menos, assim como escasseiam os homens que
teimosamente vão resistindo à extinção da tradicional forma de ganhar a
vida, um quadro comum a toda a zona lagunar.
Escassas são também as Enguias.
Faltam-lhe as características naturais, o habitat farto e único que as
atraía: o leito da Ria cheio de moliço e outras algas, trabalhado pelos
moliceiros – outros heróis desaparecidos – cujos ancinhos a penteavam
carinhosamente, como se da cabeleira de ninfas se tratasse.
Infelizmente, a maioria das Enguias que atualmente se comem por estas
paragens já não são criadas na Ria.
Hoje, os pescadores da Torreira, os
que teimam em seguir os passos dos seus antepassados e viver da faina,
estão condicionados às épocas sazonais e cada vez menos frutíferas do
Choco, da Lampreia, do Sável, do Linguado – este último já com a apanha
condicionada pelas novas leis. Os exemplares com as medidas legais para
captura são quase impossíveis de encontrar e os demais não podem ser
comercializados – que vão resistindo aos maus tratos a que estas águas
vêm sendo sucessivamente submetidas. Em último recurso, resta-lhes a
apanha de bivalves. A pé, na baixa-mar, ou com a água alta, a bordo da
embarcação, usam um ancinho de ferro (Cabrita), em forma de semicírculo
e com dentes de aproximadamente 10 cms, onde engata o redenho (saco em
rede de malha fechada).
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É com este aparelho engatado numa vara que vão revolvendo o fundo, às
cegas, e guardando no saco os bivalves e outros sólidos ali existentes,
que uma vez puxado para bordo, é despejado no fundo da bateira (entre
cavernas).
No fim da maré, já na borda, é feita
a escolha do que veio no arrasto, com uma ciranda (crivo, peneira) em
forma de padiola, que inicialmente era armada em madeira, com fundo de
rede de arame, na malha permitida pela lei, mas que hoje já só se
encontra completamente feita de metal. O povo da Ria vai adaptando as
ferramentas, para conseguir uma maior rentabilidade na sua labuta. Tudo
o que "escapar" pela malha do crivo fica no fundo e só o resto é
comercializado.
Vida ingrata... horas seguidas a
"lavrar" o fundo e a alar para bordo, ou no chão, com os corpos
semienterrados na lama ou na água. Uma atividade desgastante e mal paga.
Além de tudo, os bivalves da Ria
estão sujeitos a longos períodos de defeso e estes homens e mulheres,
sem outro meio de subsistência, desesperam na borda-d'água, de olhos
postos nas marés, à espera dos dias em que lhes é permitido trabalhar.
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