XXIX
Falemos agora da
Fonte do Carocho, na Quinta do Picado. A fonte está situada em terrenos
que foram pertença da família Tavares Lebre e hoje são propriedade da
ADAC — Associação dos Amigos do Carocho. A sua origem, que em rigor se
desconhece, é bastante remota. Encontra-se implantada numa rampa de
terreno, que dantes era mais avançada, uma vez que a bica, então uma
telha de barro canelada, deitava quase para a vala de água que lhe passa
defronte. A rampa estava recoberta de ervas, silvas, tojos, carquejas e
outra vegetação e manteve-se, assim, até 1939. Por essa altura, o Major
Dr. António Lebre, tendo em conta / 55 / que a fama da água poderia
propiciar a comercialização com êxito, mandou-a analisar em Portugal e
Inglaterra, como nesse tempo era legalmente exigido, para a poder vender
como água de mesa. Os bons resultados das análises proporcionaram-lhe a
autorização legal de a comercializar. Porém, com a imposição de não
poder privar o público da fonte.
Como a bica, para
recolha da água a comercializar, não podia ser ao ar livre, o Major
Lebre teve de afastar um pouco a fonte da sua localização anterior.
Construiu uma barraca de madeira, em cujo interior a água brotava com
abundância da nascente, por entre areia grossa muito clara, sendo
espraiada num tabuleiro de vidro, em cuja bica os garrafões comerciais
eram enchidos. A água restante corria para fora do barracão e saía por
uma nova bica de madeira, que substituiu a anterior de telha, onde as
pessoas enchiam as suas vasilhas.
Entrou no mercado em
garrafões de 5 litros, sob a designação de "Água de Mesa Valade". Foram
seus depositários as firmas Manuel Neves Deus e Bruno da Rocha & Cª, em
Aveiro; Abraão Ramos, em Ílhavo; Pensão Gil, na Costa Nova; Isabel
Salsa, na Barra; H. Vaultier & C.ª, em Lisboa e outros. Por razões que
talvez se prendam com a rendibilidade da exploração, ou outras que
desconheço, a comercialização da água não durou mais de uns quatro ou
cinco anos. Também não chegou a concretizar-se a construção duma pequena
estância termal, para a qual parece que o Major Lebre chegou a ter
ante-projecto pronto.
Com o decorrer dos
anos, o barracão de madeira foi apodrecendo e a fonte foi-se degradando.
De tal modo que, na década de 1960, um grupo de moradores da Quinta do
Picado angariou fundos no lugar e fez obras de limpeza e beneficiação,
construindo uma nova parede de protecção à nascente e substituindo a
velha bica de madeira por outra metálica. E a fonte assim permaneceu por
mais alguns anos, até / 56 / que se constituiu a ADAC, que fez novas
obras no local e lhe deu a configuração de três bicas que tem
actualmente.
Durante muitíssimo
tempo, não obstante as vicissitudes diversas por que passou, a fama
desta água arrastava ao local não só gente de toda a nossa freguesia mas
também de outras terras, como Aveiro e seus arredores, Ílhavo, Gafanhas,
Quintãs, Costa do Valado, Póvoa do Valado, Salgueiro, Nariz... Contudo,
como bem me disse o meu Amigo Sr. José Ratola, "agora que a fonte é
moderna e até tem três bicas, tudo desmoronou com uma simples tabuleta:
água imprópria para consumo!" Que fim triste para esta história!... |