David Paiva Martins, Fragmentos de Vida. A Minha Terra. 1ª ed., Aradas, ACAD (Associação Cultural de Aradas), 2005, 170 pp.

Fonte do Carocho

XXIX

Falemos agora da Fonte do Carocho, na Quinta do Picado. A fonte está situada em terrenos que foram pertença da família Tavares Lebre e hoje são propriedade da ADAC — Associação dos Amigos do Carocho. A sua origem, que em rigor se desconhece, é bastante remota. Encontra­-se implantada numa rampa de terreno, que dantes era mais avançada, uma vez que a bica, então uma telha de barro canelada, deitava quase para a vala de água que lhe passa defronte. A rampa estava recoberta de ervas, silvas, tojos, carquejas e outra vegetação e manteve-se, assim, até 1939. Por essa altura, o Major Dr. António Lebre, tendo em conta / 55 / que a fama da água poderia propiciar a comercialização com êxito, mandou-a analisar em Portugal e Inglaterra, como nesse tempo era legalmente exigido, para a poder vender como água de mesa. Os bons resultados das análises proporcionaram-lhe a autorização legal de a comercializar. Porém, com a imposição de não poder privar o público da fonte.

Como a bica, para recolha da água a comercializar, não podia ser ao ar livre, o Major Lebre teve de afastar um pouco a fonte da sua localização anterior. Construiu uma barraca de madeira, em cujo interior a água brotava com abundância da nascente, por entre areia grossa muito clara, sendo espraiada num tabuleiro de vidro, em cuja bica os garrafões comerciais eram enchidos. A água restante corria para fora do barracão e saía por uma nova bica de madeira, que substituiu a anterior de telha, onde as pessoas enchiam as suas vasilhas.

Entrou no mercado em garrafões de 5 litros, sob a designação de "Água de Mesa Valade". Foram seus depositários as firmas Manuel Neves Deus e Bruno da Rocha & Cª, em Aveiro; Abraão Ramos, em Ílhavo; Pensão Gil, na Costa Nova; Isabel Salsa, na Barra; H. Vaultier & C.ª, em Lisboa e outros. Por razões que talvez se prendam com a rendibilidade da exploração, ou outras que desconheço, a comercialização da água não durou mais de uns quatro ou cinco anos. Também não chegou a concretizar-se a construção duma pequena estância termal, para a qual parece que o Major Lebre chegou a ter ante-projecto pronto.

Com o decorrer dos anos, o barracão de madeira foi apodrecendo e a fonte foi-se degradando. De tal modo que, na década de 1960, um grupo de moradores da Quinta do Picado angariou fundos no lugar e fez obras de limpeza e beneficiação, construindo uma nova parede de protecção à nascente e substituindo a velha bica de madeira por outra metálica. E a fonte assim permaneceu por mais alguns anos, até / 56 / que se constituiu a ADAC, que fez novas obras no local e lhe deu a configuração de três bicas que tem actualmente.

Durante muitíssimo tempo, não obstante as vicissitudes diversas por que passou, a fama desta água arrastava ao local não só gente de toda a nossa freguesia mas também de outras terras, como Aveiro e seus arredores, Ílhavo, Gafanhas, Quintãs, Costa do Valado, Póvoa do Valado, Salgueiro, Nariz... Contudo, como bem me disse o meu Amigo Sr. José Ratola, "agora que a fonte é moderna e até tem três bicas, tudo desmoronou com uma simples tabuleta: água imprópria para consumo!" Que fim triste para esta história!...

 

 
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