XXVIII
Para contar a
história da fonte que existiu no Baixeiro, no Bonsucesso, antes das
actuais, vou dar a palavra ao meu Amigo Sr. José Ratola, que, embora
residindo há muitos anos na Quinta do Picado, é natural do Bonsucesso.
Contou-me ele: "A fonte situava-se na ladeira do Baixeiro. A sua água
nunca criou fama. Mas a própria fonte e o terreno onde estava localizada
tinham uma lenda.
Esse bocado de terra
fazia parte duma quinta, que ia do limite da Quinta do Picado, no Vale
da Azenha, até uns 50 metros da Capela do Bonsucesso. A quinta era
propriedade da família Sachetti, de Aveiro, e foi comprada há mais de
cem anos por dois irmãos do Bonsucesso: Francisco e José Coelho. Este
último era o meu avô materno. Ora, aquela terra ficou para o meu avô,
que de imediato começou trabalhos de limpeza, a fim de a pôr em
condições de ser cultivada. Entre as remoções a fazer, havia umas pedras
enormes, que, pela sua disposição, mostravam nitidamente que se tratava
duma capela, em cujo chão interior havia sepulturas, também emparedadas
em pedras, embora mais pequenas. A capela velha - como lhe chamava o meu
avô.
Com essas pedras, o
meu avô construiu um muro de suporte das terras, junto à ladeira do
Baixeiro. Talvez ainda existam as fundações desse muro e, por
conseguinte, algumas dessas pedras. Foi nesse muro que o meu avô
construiu a fonte de que estamos a falar, com a água a correr / 55 /
para o exterior, para assim beneficiar os moradores vizinhos. Havia,
porém, a lenda duma moura encantada naquela capela. Por isso, a lenda
passou para a fonte, cuja água algumas pessoas se recusavam a utilizar,
com medo de represálias da moura má. A lenda dizia que, quem ousasse
mexer naquelas pedras, seria castigado.
O meu avô Zé, talvez
porque nunca lá encontrou vestígios, nem do castelo nem do tesouro dos
mouros, nunca ligou grande importância à lenda. Também é verdade que
nunca sofreu o castigo de ter violado a privacidade da moura
encantada!... Mas já o meu pai, que veio a herdar essa terra, não queria
que nenhum dos filhos ali construísse casa. " com medo de alguma
represália tardia.
Há
anos, o caudal da fonte começou a diminuir. A Junta de Freguesia, da
presidência do falecido João Nunes da Rocha, ainda procurou recuperá-la,
mas ela acabou por se extinguir naturalmente. Hoje, está lá um pequeno
bairro de moradias. Que eu saiba, ninguém encontrou lá nem tesouro nem
castigo da moura encantada..." |