PREFÁCIO
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Vai para três meses, o Reverendo João Gonçalves Gaspar
deixou-me nas mãos um amável e surpreendente convite. Um convite a
que, nesse momento, não tive coragem nem força anímica para, embora
delicadamente, responder de modo negativo.
Bom Amigo, o Padre Gaspar incumbiu-me de redigir um prefácio
para o seu novo livro, o presente CALENDÁRIO HISTÓRICO DE AVEIRO — que
já se encontrava, nessa altura, na tipografia, em fase de composição
dos textos a imprimir, depois das habituais e sempre indispensáveis
revisões.
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Logo ordenei umas quantas ideias e procurei tomar
apontamentos que reputei necessários para vir a alinhavar o escrito
que me fora solicitado. Mas fui protelando a definitiva conclusão e a
entrega do trabalho de que fora incumbido — secretamente esperançado
em que alguém, com melhores predicados, pudesse vir a ocupar (com
vantagens de toda a ordem, de certeza mais que certa!) o posto que me
havia sido destinado.
Há poucos dias, porém, desvaneceram-se em definitivo as
expectativas que ainda acalentava: o telefone retiniu e a voz do Padre
Gaspar, do outro lado da linha, veio lembrar-me de que me encontrava
em falta e recordou-me de que era chegada a hora da verdade... E ficou
combinado o prazo-limite para a entrega do original que me
comprometera a escrever.
Prazo-limite que cumpri, sem recorrer a qualquer prorrogação.
E, envidando os melhores esforços no sentido de não defraudar a
confiança que o Autor do CALENDÁRIO HISTÓRICO DE AVEIRO depositou na
minha pessoa, aqui estou, seguro de que, sendo a empresa arriscada,
como os latinos proclamavam, audaces fortuna iuvat...
Sendo assim, alea iacta est! — e vamos em frente.
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Meu saudoso Pai, Dr. António Christo, em Fevereiro de 1959,
publicou o primeiro volume das EFEMÉRIDES AVEIRENSES, reunindo em
livro (edição da Câmara Municipal de Aveiro, dentro dos planos das
actividades culturais comemorativas do Milenário de Aveiro e do
Segundo Centenário da elevação a Cidade do nosso burgo), «depois de
conferidos e limados», os apontamentos que vinha a dar a público, no
semanário «Litoral», exactamente desde 5 de Abril de 1958 (Ano IV –
N.º 182), numa Secção igualmente intitulada «Efemérides Aveirenses».
No termo do Prefácio, vêm escritos dois parágrafos,
que adiante se transcrevem:
«/.../ Na recolha das notícias, tivemos a preocupação de
escolher, de entre as fontes ao nosso alcance, as mais dignas de
crédito ou as que, por diversos motivos, se nos afiguravam de maior
interesse — e muito lastimamos que, de princípio, não cuidássemos de
apontá-las. Mas é evidente que nos foi impossível submetê-las todas a
uma verificação rigorosa.
Oxalá que, com as suas inevitáveis lacunas e imperfeições,
este trabalho possa ainda ser de alguma utilidade. /.../»
O Pai que tive — e de que tanto me orgulho! — foi um
Aveirense ilustre (perdoe-se-me a vaidade com que aqui o proclamo),
que dedicou a Aveiro — às gentes, às coisas e aos problemas da região
e dos povos de Aveiro — horas sem conta, ao longo dos atribulados anos
da sua vida.
Doença que não perdoa roubou-nos a sua presença física,
quando muito havia ainda a esperar do seu espírito arguto, da sua
inteligência viva, do seu labor probo, da sua reconhecida capacidade
nos domínios da Historiografia Aveirense.
Mas ficou-nos o seu exemplo, como meta a atingir, num
acrisolado amor a Aveiro. Ficaram incompletas as EFEMÉRIDES
AVEIRENSES, dado que o seu segundo volume (que, de resto, apenas
carecerá de ligeiros retoques para poder ser enviado aos prelos) não
foi ainda editado...
Isso é, no entanto, outra história. Uma história que, noutro
ensejo, talvez venha a ser contada...
O aparecimento (já há um quarto de século! — que a roda do
Tempo roda sem descanso...) do primeiro tomo das EFEMÉRIDES A
VEIRENSES encontrou o desejável eco, agora, no mais recente dos muitos
e valiosos trabalhos do Reverendo João Gonçalves Gaspar.
E o convite que o ilustre Sacerdote me endereçou para ser
justamente eu a redigir o Prefácio do seu CALENDÁRIO HISTÓRICO DE
AVEIRO terá de ser entendido como penhorante e muito gratificante
homenagem à memória de meu Pai — honrosa distinção que me cumpre
agradecer.
Julgo poder considerar que as EFEMÉRIDES apadrinharam o
nascimento do CALENDÁRIO — que será a mais adequada e mais certa
resposta a um desafio, a um repto que meu Pai havia lançado, no
sentido de se tentar «uma publicação ordenada e sistemática dos
monumentos escritos que directamente respeitam à história de Aveiro»
e, ainda, «dos que iluminam o clima político) económico e social em
que as pessoas se moveram e os factos que se produziram.»
Se ainda pertencesse hoje ao número dos vivos, António
Christo seria um homem feliz, ao ver que João Gonçalves Gaspar tinha
agarrada bem firme o seu testemunho, na corrida a que comparamos a
notável obra com que vem de enriquecer e valorizar enormemente o
património da Historiografia Aveirense.
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No conjunto de mal alinhavadas regras que aqui deixo — e a
que, em boa verdade, não sei se não será um crime chamar Prefácio...
—, faltará uma palavra sobre a Autor da obra que se prefacia. Julgo
que é dos cânones.
— Mas que autoridade ou que qualificação me assiste (pobre de
mim...) para emitir qualquer juízo acerca dos muitos e muitos méritos
do distinto historiógrafo que é o Reverendo João Gonçalves Gaspar?
Colocado diante deste dilema, e quando consultava alguns
apontamentos que reli na altura em que passava ao papel o presente
texto, fiquei tentado — e não resisti à tentação salvadora... — a
concluir com duas transcrições.
A primeira, de uma nótula que se publicou no semanário
«Litoral» (N.º 1007, de 13 de Abril de 1974). Reza assim, em dado
passo:
«/.../ O Padre João Gonçalves Gaspar, incansável na procura
do que foi e deve permanecer na memória dos homens, tem vertido em
preciosas laudas, muitas delas já divulgadas em estimáveis
publicações) os conhecimentos hauridos nos tombos de toda a parte e na
informação de toda a espécie) susceptíveis de trazer luz à história de
Aveiro, particularmente à história da Igreja aveirense. /.../»
A segunda, de um excerto do bem elucidativo «prólogo»
(intitulada «UM GRATO ENCÓMIO PRELIMINAR») que outro saudoso e muito
ilustre Aveirense, Eduardo Cerqueira, escreveu, em 1983, para o livro
AVEIRO — NOTAS HISTÓRICAS. Eis o seu teor:
«/.../ O Padre João Gonçalves Gaspar, mesmo nalgum pormenor
conjectural e controvertível, nunca avança um passo que não tenha onde
se arrimar e firmar. Nunca diz por dizer, sem fundamento ou sem abono
tranquilizador da sua probidade de historiógrafo. Apoia-se nas mais
inabaláveis e acreditadas autoridades na matéria. Ou, ainda melhor,
deduz, com lógica recta, das próprias fontes, de onde bebe
insaciavelmente e de onde os assuntos que trata manam ainda não
poluídos. É um aveirógrafo de méritos comprovados, minucioso e
meticuloso, um «peixe na água» ao versar temas da feição desta
monografia prestimosa, que vem preencher um grande e desconsolador
vazio. E usa o crivo fino e exigente que, pelos predicados pessoais e
pelos métodos de trabalho adoptados, faz perder as dúvidas, a quem
escreve e a quem lê, que sente, por assim dizer inquestionável, todo o
sumo histórico e discursivo dos documentos de que o autor se socorre,
exaustivamente, e a que se arrima, em cada passo que adianta. /.../»
E é tempo de findar. De não adiantar nada mais. Portanto,
ponto final.
(Aveiro — Dezembro/1986)
António Leopoldo Rebocho Christo