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N.º 22

Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro

Dezembro de 1976 

Por terras de Santa Maria da Feira

– TÓPICOS PARA UMA VISITA TURÍSTICA E CULTURAL

Por Abílio Ferreira da Silva

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Igreja matriz de Fiães.

Quem do Porto se dirige para sul, percorrendo a auto-estrada que por enquanto termina na povoação dos Carvalhos, encontra, a cerca de cinco quilómetros desta e disposta numa espécie de planalto, estreito mas longo, uma outra povoação densa, chamada Vendas de Grijó. Aí começam as Terras da Feira, ou Terras de Santa Maria da Feira, outrora de extensão enorme – Territorio Castellis S.tae Mariae – de Crestuma até Riba UI, apanhando toda a orla marítima de Gaia a Ovar.

O topónimo «Vila da Feira» aparece já nas inquirições de D. Afonso III, mas a vila só se teria desenvolvido no sentido de povoação de certo vulto a partir de D. João I, quando foi concedida licença a Álvaro Pereira, senhor da terra, para aí instituir uma feira. A origem do topónimo está, pois, com certeza relacionada com a existência de um mercado local, possivelmente a denominada feira da Linhaça, que se realizava junto do castelo.

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Frontaria das Caldas de S. Jorge.

Bem definida no alvorecer da Nacionalidade, remonta, contudo, à ocupação romana, sendo mesmo provável que existisse já uma povoação céltica, que os romanos engrandeceram e a que chamaram Lancobriga, e que se situaria na estrada – Itinerário de

Antonino – que ligava Bracara Augusta (Braga) a Aeminium (Coimbra), passando por Calle (Gaia), a / 38 / treze milhas desta e a dezoito de Talabriga. Esta povoação de Talabriga ficaria mais ou menos onde hoje se situa a localidade da Branca.

Considerando estas distâncias, é mais verosímil que a sede de Lancobriga fosse em Fiães, também das Terras de Santa Maria, onde existe um castro, esporadicamente explorado, com recolha de variado espólio: objectos de pedra, de cerâmica, de vidro e de metal (investigações de Mendes Correia e Carlos Teixeira, e mais recentemente de Carlos Alberto Almeida e Eugénio dos Santos).

Uma visita ao castro, infelizmente ainda mal demarcado, poderá ser feita, derivando em Lourosa para a estrada que liga a E. N. 1 a Arouca, e atravessando a progressiva freguesia de Fiães a caminho das Caldas de S. Jorge. O castro estender-se-á na vertente nordeste do monte – Monte Redondo – em cujo cimo se encontra implantada a Capela de Nossa Senhora da Conceição. Em frente desta fica a casinha modesta, mas graciosa na sua simplicidade, do venerando arcebispo D. Moisés Alves de Pinho, sendo o acesso mais fácil ao local por um arruamento de escassas dezenas de metros, que nasce na estrada de ligação de Fiães a S. Jorge, justamente onde se ergue um busto daquele ilustre fianense.

Sobranceiro ao Monte Redondo, do lado norte, fica o Monte das Pedreiras, esplêndido miradouro sobre o vale do rio Uima. Entre os dois montes, num quase desfiladeiro, corre o rio Às-Avessas, sobre cujas margens se debruça o lugar de Vilar (nome oriundo de «villa» romana ?), onde se têm conservado bastante, apesar do camartelo do progresso, as características das antigas casos de lavoura de Entre Douro e Minho.

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Igreja da Misericórdia

De Fiães rapidamente se passa a S. Jorge, freguesia com ela confinante e que se espalha sobre colinas que envolvem o vale do referido rio Uima para os lados da nascente. No centro da povoação fica a estância balnear conhecida por Caldas de S. Jorge. Um arranjo urbanístico realizado há anos, nomeadamente no próprio rio, fez deste local um recanto extremamente aprazível e repousante.

A concessionária deste estabelecimento termal é a Câmara Municipal da Feira, que a ele tem dedicado todos os esforços no sentido de melhorar as suas condições, de modo que seja crescente o número de aquistas, nos últimos anos à volta de mil e oitocentos, muitos dos quais tratados gratuitamente. E justificam-se estes esforços, pois as características das águas, sulfurosas e alcalinas, são a razão do assinalado êxito no tratamento de doenças reumáticas, das vias respiratórias superiores e da pele.

Um visitante menos apressado poderá, partindo de S. Jorge por trajecto cheio de pontos paisagísticos, dar um saltinho a Romariz, e lá apreciar os restos de uma povoação castreja, mas onde será possuído do mesmo sentimento de desolação que já tivera em / 39 / Fiães, pelo pouco aproveitamento destes dois locais, bem dignos de profundo e ordenado estudo arqueológico.

Ou então seguir logo para a sede do concelho, subindo estrada serpenteante, ladeada de frondosos pinheirais, até encontrar a E N. 1, que deixara em Lourosa, e atravessá-la. Se subimos, agora vamos descer, de novo aos ziguezagues, até chegarmos à vila, que cedo uma clareira nos permitirá descortinar ao fundo, como que enterrada no vale, e dominada pelo guardião de séculos, o seu formoso castelo, encimando pequena colina e emergindo de denso maciço verde, que mais faz realçar a sua elegância.

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A rua principal, que nos leva ao centro, conserva, com ligeiras modificações, a arquitectura de há muitos anos. O primeiro edifício a visitar é a Igreja da Misericórdia, de ampla escadaria ornada de canteiros floridos, e onde se pode apreciar um fontanário em pedra trabalhada. Um pouco mais abaixo, à esquerda, um jardim bem cuidado, com um gracioso espelho de água, enquadra um conjunto de edifícios modernos; e, logo à direita, como que em expansão da própria rua, um pequeno largo – Praça da República – no meio do qual nos chama a atenção um belo chafariz do século XVIII, de duas taças sobrepostas. Na mesma praça ficam os Paços do Concelho, de construção sóbria, mas com boa cantaria. O actual edifício data também do século XVIII, embora tenha sofrido arranjos posteriores.

Um belo chafariz do século XVIII

Esta rua vai desembocar no Largo de Camões, conhecido também por Rossio, onde todos os meses se realiza uma feira, que em vinte de Janeiro – dia da / 40 / Festa das Fogaceiras e feriado municipal – toma foros de grande romaria, nela sendo vendidos milhares de quilos de fogaças e caladinhos, os doces típicos da terra.

Daqui parte, subindo por entre ajardinamentos maravilhosos, a alameda que nos leva ao cimo do morro onde sobressai o castelo, sentinela atenta de outros tempos, transformada agora em expressivo «ex-libris» das Terras de Santa Maria.

É o Castelo da Feira um exemplar único de arquitectura militar medieval, cuja história está intimamente ligada aos primeiros alicerces da Nacionalidade Portuguesa. Com efeito, teria sido o seu alcaide Ermígio Moniz, um dos primeiros guerreiros a colocar-se ao lado de D. Afonso Henriques na rebelião, que havia de culminar com a independência do território portucalense.

Envolvida pela sólida muralha, que delimita todo o grande recinto ocupado pelo castelo, ergue-se altaneira e majestosa a torre de menagem. Quadrangular e coroada por quatro torreões cónicos, faz lembrar os belos castelos franceses. Do seu terraço, onde estão implantados aqueles torreões, desfruta-se um panorama deslumbrante. A muralha é reforçada por uma barbacã e uma série de cubelos angulares ligados por um adarve. A entrada principal, ao lado poente, é um portão ogival com o brasão dos Pereiras, que desde os meados do século XV ao século XVI aqui tiveram o seu solar senhorial. Próximo desta porta, e encostada à muralha, fica uma capela de forma hexagonal, cuja actual estrutura data de 1656.

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Envolvida por sólida muralha, ergue-se altaneira e majestosa a torre de menagem.

Pela reconstrução bastante perfeita da sua arquitectura original, consideramos este monumento um local privilegiado para um mestre ministrar uma belíssima lição prática de História da Arte, tal é a profusão de elementos a analisar.

No regresso à vila, poderemos deambular descontraidamente pelo maravilhoso parque da chamada Quinta do Castelo, detendo-nos por momentos à beira do lago, que tem adjacente uma curiosa e artística gruta artificial.

Sobranceiro ao Largo do Rossio, do lado nascente, e servido por uma monumental escadaria, desdobrada em graciosos patamares, ao fundo da qual se pode admirar um artístico chafariz do século XVIII, distingue-se o antigo Convento dos Frades de Santo Elói. O templo, revestido a azulejos do século XVII, é desde 1566 a igreja matriz da paróquia de S. Nicolau da Vila da Feira. No seu interior são dignos de apreço a sumptuosa abóbada e os altares, de rica talha dourada, nomeadamente o altar-mor, belo exemplar de retábulo tipo portal românico, que mereceu referência a Reinaldo dos Santos na sua obra «Oito Séculos de Arte Portuguesa». E não deverá passar despercebido o cruzeiro do século XVI levantado em frente do pórtico da igreja.

O resto do edifício é presentemente ocupado pelo tribunal da comarca, repartições inerentes, conservatórias / 41 / e notariado. A fachada sul, entrada principal para estes departamentos, foi há anos objecto de grandes obras que, sem lhe tirarem a sobriedade do conjunto, lhe emprestaram uma feição mais airosa. Dá para um largo, com o busto do jurista feirense Professor Guilherme Alves Moreira, que tem ligação directa com a alameda que vai para o castelo, o que é uma alternativa suave ao acesso pela escadaria, quer àquelas repartições públicas, quer à própria igreja.

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O antigo Convento dos Frades de Santo Elói, com a sua monumental escadaria.

Procurámos dar uma ideia do mais saliente e de mais fácil visita, mas de modo algum esgotámos tudo o que se pode admirar nesta terra pródiga em beleza natural. Vamos então deixar a sede do concelho, seguindo pela nova artéria que começa no largo do Rossio, próximo do local onde se encontra a Estalagem de Santa Maria, e se prolonga pela avenida agora com o nome do Professor Egas Moniz. É uma das zonas de grande expansão urbanística, já com alguns bons e modernos edifícios públicos e graciosas residências particulares.

Entramos, assim, na estrada que liga a Vila da Feira a Espinho.

Poucos quilómetros adiante, devemos visitar a igreja matriz de Rio Meão, de estilo românico, que pertenceu à Ordem de Malta e esteve ligada ao Baliado de Leça.

Estamos agora na grande área industrial do concelho, que abrange Rio Meão, Paços de Brandão, São Paio de Oleiros, Santa Maria de Lamas, Mozelos e Lourosa, estendendo-se ainda por Argoncilhe e Fiães.

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Artístico fontanário da Casa da Torre em S. João de Ver.

No regresso desta espécie de triângulo turístico que delineámos, podemos apreciar a traça arquitectónica das Casas da Torre em S. João de Ver e da Portela em Paços de Brandão, ambas do século XVI. Faremos uma pequena pausa no agradável parque junto da igreja de Santa Maria de Lamas, aproveitando para uma visita ao museu, que, embora um tanto desordenadamente, tem expostas algumas valiosas peças de arte. E vamos voltar à estrada Porto-Lisboa próximo do ponto onde a deixáramos no início da nossa digressão, passando em Lourosa por um interessante conjunto urbanístico de iniciativa particular, constituído por restaurante e piscinas.

Este é um esquema que sugerimos para um fim de semana. Mas em todo o concelho podemos estabelecer centros de interesse.

Usufruir por momentos a vivência espiritual de paisagens maravilhosas em extensão e variedade, sentindo a cada passo o contraste do horizonte serrano com o da planície marítima.

Repousar nas margens dos rios, cheios de recantos privilegiados, do rio Cáster ou do rio Uima, e até do Douro, que, saudoso dos tempos em que delimitava grande parte da fronteira norte das Terras de Santa Maria, ainda vai beijar o lugar de Carvoeiro da freguesia de Canedo. / 42 /

Comparar o polimorfismo da arquitectura das igrejas e capelas, algumas conservando ainda traços das que há muito as precederam, e a que estão ligadas curiosas lendas e tradições.

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Claustro do Convento dos Lóios. Aguarela do pintor feirense António Joaquim.

Analisar lápides comemorativas de acontecimentos relevantes para a terra, bustos de figuras ilustres ou beneméritas, obeliscos ou alminhas, que revelam a sensibilidade do povo a episódios trágicos, como o Monumento da Guerra Peninsular em Arrifana e as Alminhas do Picoto, junto das quais ainda há poucos anos se podia ver o célebre «pinheiro das sete cruzes», ambos evocativos das atrocidades da segunda invasão do país pelas tropas francesas no início do século XIX.

E sobretudo o contacto humano com as gentes, detectando as características da sua índole e o seu «modus vivendi», avaliando as suas potencialidades, e auscultando os seus anseios e as suas esperanças numa sociedade nova, eis o que consideramos importante, para além do aspecto gastronómico e da análise monumental, numa visita qualificada de turística às Terras de Santa Maria da Feira.

 

páginas 37 a 42

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