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N.º 22

Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro

Dezembro de 1976 

Palavras do

Governador Civil

 

AMIGOS:

Quis a vossa gentileza trazer-vos hoje aqui para me acompanharem no momento em que assumo funções no Governo do Distrito onde nasci e onde com muitos de vós lutei até ver restabelecida, com a liberdade, a cidadania perdida.

Indicado pelos meus Camaradas, convidado pelo meu Partido, aceitei ser nomeado pelo Governo para este Cargo que sei não ser fácil mas ao qual vou dedicar o melhor de mim próprio, neste ocaso de vida.

E aceitei, sem me fazer rogado!

É que, Amigos, não é sem satisfação que nos sentimos escolhidos para um Cargo de confiança política num momento em que a Revolução está prestes a conduzir-nos à última das etapas da estruturação democrática da Pátria, rampa de lançamento indispensável para mais largos e seguros vôos.

Militante antifascista de sempre, pretendi, ao aceitar a escolha feita, contribuir, na medida do possível, para essa fase da Revolução!

Revolução sem armas, é certo, mas nem por isso menos importante e sem dúvida mais de harmonia com a minha própria maneira de entender Democracia. É que, Amigos, é nessa estruturação democrática da Pátria que o Povo-Nação floresce e em liberdade aponta, aos Governantes, o caminho que deseja trilhar.

*

Toda a Revolução é feita de avanços e de recuos! O que importa para que a Revolução seja em prol do Povo, é que cada recuo não nos leve a ponto mais recuado que aquele a que nos conduziu o recuo anterior. Às vezes, por incontrolados ou desarticulados com a vontade popular, certos avanços cegos motivam recuos que nos catapultam para a negação da Democracia, que o mesmo é dizer, para o adro do fascismo, bem encostado à paz sem remédio dos cemitérios da tirania.

Para que isso não suceda importará, sobretudo, que os avanços tenham, como base de sustentação e apoio, a vontade de avançar pelos caminhos que em liberdade o Povo escolheu.

E, se for preciso recuar, que se recue, mas o menos possível, isto é, sem dar azo a que os recuos - tantas vezes só aparentes sejam injustificados ou possam abrir caminho a infiltrações indesejáveis. / 10 /

*

Cada vez mais fortemente eu sinto que é na Democracia que esse objectivo se alcança.

Só ela consegue permitir que a vontade do Povo seja livremente expressa sem artificialismos de falsas vanguardas condutoras ou paternalismos ancilosantes de chicote atrás das costas.

*

É que só em Democracia é possível compreender a definição de povo dada por aquela criança de 9 anos que em inquérito do «Diário de Coimbra» mostrou uma maturidade política que muitos adultos invejariam. Disse ela:

«O Povo, para mim, é uma corrente de mãos dadas.»

Não resisti à tentação de aqui e agora repetir essa lição que tanto e tão profundamente me impressionou, ao lê-la.

Eu só substituiria o «é» pelo «deve ser»!

*

Sim, Amigos, em Democracia não pode nem deve haver uma só vontade, um só caminho.

É preciso que o Cidadão encontre à sua frente, escancara. das, para poder entrar, várias portas e não uma só. E entre, livremente, por aquela que o conduza àquele tipo de sociedade que com ele se identifique como realidade presente ou caminho para o futuro.

Em Democracia todos têm o seu lugar na escolha do caminho. Os adversários, ou melhor, os inimigos da Democracia, os fascistas ou fascizantes, exigem de nós a liberdade que amanhã nos negarão se não a defendermos deles e da sua peçonha.

Não é antidemocrático o negar a Liberdade àqueles que, através dela, a pretendam matar, conquistando o poder.

É por isso que consideramos todo o totalitarismo como fascista ou fascizante, porque só pela Liberdade é possível escolher o caminho que importa percorrer.

Quando um Povo consegue obter uma Constituição como aquela que é, hoje, a nossa lei fundamental, é preciso que esse Povo saiba: que ao defendê-la, se defende; que ao exercitá-la, / 11 / pelo voto livre, se torna digno dela; que, ao exigir que todos a respeitem, impõe, democraticamente, a autoridade de que é fonte e titular.

*

Amigos:

A hora de mais uma escolha aproxima-se.

É uma escolha especial, essa, em que o cidadão eleitor se cruza nos caminhos da sua aldeia, na praça da sua vila e nos bairros da sua cidade com aqueles que vai escolher e conhece bem no guião das virtudes ou no sudário dos defeitos.

A descentralização em marcha é, talvez, o passo mais sério, o alicerce mais necessário ao edifício que todos nós, democratas, pretendemos construir.

As eleições para as autarquias locais são essa escolha e com ela, boa ou má, se obterá o bom ou o mau nessa fase da Revolução.

Para que o Povo seja, efectivamente, a corrente de mãos dadas de que falava a Pátria pequenina pela boca dessa criança-futuro que citei, é preciso que ela – a corrente – sirva para separar, de vez, os caciques manobradores do mal e protectores ou capa de terroristas, dos anseios dos trabalhadores que todos ou quase todos os portugueses são.

Que o Povo saiba que o Governador Civil de Aveiro, sem nunca abandonar a posição de militante do Partido Socialista de que se orgulha, tudo fará para que, em liberdade, o Povo continue a dizer NÃO ao fascismo e à reacção. E não consentirá, na medida do possível, que se criem atmosferas de medo para obter resultados eleitorais que neguem essa liberdade!

Quer os Cidadãos independentes que pretendam juntar-se e escolher, quando a lei o permitir, os seus representantes; quer os Partidos Políticos, células aglutinadoras de vontades idênticas e bases da realidade democrática, poderão contar com a isenção do representante do Governo no Distrito de Aveiro.

É que, mais que a vitória do seu Partido, interessa-lhe a consolidação da Democracia, até porque, sem ela, nenhuma razão haveria para a sua existência e dos demais, à luz do Sol, em busca das verdades.

*

Sou um homem de esquerda!

Sempre o fui. Se nunca o escondi quando isso era perigoso, / 12 / não o faria, agora, em que por muitos dizerem que o são, o facto de o ser se torna mais cómodo.

Mas se sou um homem de esquerda, também sou um homem de direito e, como tal, tudo farei para que a lei seja respeitada enquanto for lei, qualquer que tenha sido a sua origem.

Considerar fascista uma lei que ainda vigora, apesar dos vários Governos que a poderiam ter revogado e não o fizeram, é, pelo menos, desonestidade mental que só pode aproveitar a desordeiros, malfeitores, malandros e oportunistas pelos quais a nação verdadeiramente progressista e ordeira, não pode nem deve ter qualquer espécie de consideração a não ser aquela que merecem cidadãos de tal jaez.

A Democracia, mais que a tirania, exige Autoridade para a defender dos tiranos, tiranetes, tiraninhos e seus lacaios.

À autoridade democrática, fenómeno de delegação de poderes que o Povo faz, pelo voto, aos Governantes que escolheu, corresponde, nos regimes totalitários, a tirania e a repressão, coxins de baixeza moral em que se recostam os ditadores.

A lei não pode ser mera ocupação de colunas do «Diário da República»!

A lei, votada pelos órgãos do poder legitimados pela Revolução ou pelo Voto livre dos cidadãos, tem que ser acompanhada dos meios cívicos de a fazer respeitar e dos coercivos de a fazer cumprir, se necessário. Democracia cujas leis não sejam respeitadas é Democracia moribunda ou em vésperas disso.

Contra os verdadeiros democratas só raramente são empregados os meios coercivos. Estes, os Democratas, sabem bem que não podem sacrificar a caprichos pessoais ou a interesses inconfessáveis, o principal sustentáculo da Democracia em que acreditam.

Quando os meios coercivos são empregados é porque não são democratas verdadeiros aqueles a quem tais meios se aplicam.

Quando tal sucede é a Democracia a defender-se, no mais indeclinável dever de todo o organismo vivo que quer continuar a viver. É a legítima defesa própria a actuar em toda a sua plenitude moraI!

*

É altura de terminar – por demais abusei eu da vossa paciência – e quero fazê-lo com as mesmas palavras com que aqui, nesta mesma sala, terminou o seu discurso de posse o meu Ilustre antecessor, o querido Amigo, Doutor Neto Brandão, a quem presto as / 13 / minhas homenagens sinceras pela isenção e elevado espírito cívico de que deu provas durante o tempo difícil em que chefiou este Distrito.

«Enquanto eu aqui estiver, a reacção não passará!»

E não passou.

E não passará, até porque o Povo sabe, agora, que se tiver liberdade – e tê-la-á, é em nome do Governo que eu o garanto saberá usá-la para que a Reacção não passe.

E não passará, qualquer que seja a roupagem com que se enfeite ou o canto com que pretenda encantar estas terras de Aveiro que, se são de marinheiros, sujeitos à tentação das sereias, também o são de liberais que não temeram a forca da Praça Nova ou os esbirros de Salazar e de Caetano e suas escorrências locais.

Por Portugal e em Liberdade a reacção não passará!

(Proferidas em Aveiro no dia em que assumiu funções.)

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Costa e Melo, Governador Civil de Aveiro, no uso da palavra.

 

páginas 9 a 13

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