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N.º 15

Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro

Junho de 1973 

Aspectos Fundamentais de uma Política Agrária – Cooperativismo Agrícola

Pelo Eng.º Agrónomo José Gamelas Júnior

Há verdades, embora cristalinas, que não conseguem impor-se com a agudeza que merecem, talvez por muito repetidas. E mesmo quando são graves, chegam a não ter eco nem criam impacto. Dizem-se e redizem-se sem se negarem, todos as reconhecem até sob diversas formas, com maior ou menor amplitude, mas estranhamente parece que não despertam interesse.

Porquê, esta anomalia? Será um caso de insensibilidade de consciência ou de qualquer outro estado patológico que conduz a um amortecimento colectivo da inteligência e da vontade? Será antes a existência de outras motivações mais fortes que imanizam o pensamento das pessoas? Alguns filiam-na num processo que tem as suas raízes na psicologia das massas, e então afirmam-nos que será antes a sociedade, na sua evolução de parafuso, que não terá atingido ainda o grau de razão propício à reacção conveniente.

Seja esta ou qualquer outra a razão, não desanimamos em apresentar aqui uma dessas verdades – a crise da Lavoura; justifica-o a gravidade com que se apresenta e o sentido fortemente frenador que imprime no desenvolvimento da economia nacional, e a necessidade de alertar os responsáveis para uma urgente e autêntica política agrária, que se impõe, sob pena da evolução de parafuso se poder transformar em evolução de prego e martelo, com todos os riscos que comporta para a vida da nação.

Governar é prever, e prever sem remédio ou recorrendo a paliativos, pode ser irresponsabilidade, se não mesmo crime de lesa-pátria.

 

1 – ANÁLISE SUMÁRIA DA EVOLUÇÃO DA AGRICULTURA, NOS DOIS ÚLTIMOS SÉCULOS

1) Na Europa

A Revolução Industrial, que eclodiu na Inglaterra na segunda metade do século XVIII, constitui um marco inapagável na História da Humanidade.

Em consequência da descoberta dos teares mecânicos e desde que a máquina foi posta ao serviço da produção e a indústria assumiu lugar predominante na vida económica das nações, a sociedade humana sofreu transformações extensas e profundas. Nenhum ponto da Terra deixou de sentir os seus efeitos; todas as nações foram impelidas para alterações radicais, porque, entretanto, havia de mudar o homem, a técnica, a sociedade e até mesmo a concepção do mundo. Mudou mais o homem e a sociedade nestes últimos dois séculos, do que no longo período que se estende desde a primeira civilização conhecida, do distante Povo Sânscrito, até à Revolução Inglesa. E essa mudança não pára e até continua cada vez mais aceleradamente, porque o espírito de insatisfação natural do homem encontra resposta fácil e pronta numa evolução prodigiosa da técnica, nos seus mais variados aspectos.

Propriamente no que respeita à sociedade, as suas alterações sucederam-se espectacularmente no sentido de um predomínio crescente de uma civilização tipo urbana. Os grandes aglomerados populacionais, atraídos por uma maior sedução proporcionada pela concentração industrial, foram constituindo cidades com novas concepções de vida. Nasceu a classe média, tipo burguês, com todas as suas implicâncias sociais, e o mundo do trabalho teve aí o seu ponto de partida para uma maior dignificação do homem. As correntes de pensamento foram-se visionando progressivamente no sentido das massas e o factor económico tomou cada vez maior pujança até constituir hoje a primeira coordenada de vida das sociedades modernas e das nações.

E seria então a forte dinamização económica que a indústria haveria de propiciar, a partir de lucros mais ou menos avultados auferidos com uma rapidez aliciante, seriam também razões políticas determinadas pela força das massas, que haveriam de levar os mentores dos povos a canalizarem ou centralizarem os seus pensamentos na urbe, porque desta forma se entenderia / 26 / até mais fácil a promoção humana e mais projectiva a vida das nações.

É neste contexto de evolução social que devemos enquadrar toda a sorte ou destino da agricultura inevitável ponto de apoio dessas transformações humanas, e também, por impreparação, sector abalado nas suas estruturas tradicionais e seculares, custando a encontrar o norte e segurança do seu labor, ora mergulhada na decadência e até no caos, ora arrastada pelo secundário para posições adaptadas a novos condicionalismos.

E então, por natureza mais lenta nos processos de transformação, a agricultura deixou de prender o homem à terra, pela insegurança que proporcionava e pela índole dura do seu trabalho, e foi perdendo lugar e importância na competição com a indústria. Daí o êxodo dos meios rurais para a cidade, que a sociedade de consumo, o turismo interno e externo e o fluxo migratório mais exacerbariam, por infundirem na pessoa humana uma maior consciencialização da sua dignidade e de justiça dos seus direitos na conquista de melhores níveis de vida.

Entretanto, o homem que não desistiu de viver no campo, viu-se cada vez mais isolado e mais distante das outras classes sociais; ficou, de princípio, impotente, por preso às estruturas arcaicas da produção; deixou-se arrastar para uma passividade comprometedora; e sentiu-se abúlico, confuso e incompreendido a orbitar em torno de interesses mais poderosos. Fechado na sua aldeia, que era o seu mundo, e com uma preparação profissional precaríssima, sem orientação definida a encaminhá-lo para horizontes mais seguros e risonhos, viu-se incapaz de elevar a agricultura a um estádio compatível com o sector secundário, porque não soube aplicar à exploração das suas terras a evolução progressiva e complexa da técnica. Daí o estado de desconfiança e de desânimo que perante o agricultor se apresentava o tipo de sociedade urbana e industrial, que contrastava cada vez mais com o seu, de nítido nível da vida mais baixo.

Foi na agricultura que a indústria se apoiou para arrancar e expandir-se. Se lhe havia de servir de primeiro mercado para os seus produtos manufacturados e ser fonte fácil de mão-de-obra e de matéria-prima, foi a agricultura também a grande sacrificada na venda dos seus produtos, num mercado de auto-subsistência em que importava satisfazer as exigências primárias da alimentação das massas populacionais concentradas nos pólos industriais.

Mas o lavrador europeu principalmente o empresário agrícola, também haveria ao longo do tempo de tomar consciência da sua precária situação, e começaria lentamente a ter mais força a partir de uma mentalização para a formação de espírito grupo e de classe, porque entendia ter também direito a um lugar ao sol.

E então seria a necessidade – mãe do engenho – que o estimulou na busca de soluções adequadas e eficientes, capazes de arrancar a agricultura do abismo em que mergulhava, trazendo-a para uma situação de mais equilíbrio perante os outros sectores económicos. Foi e é uma luta contínua e afanosa que não esmorece, porque é difícil atingi-lo. Para isso, mobilizam-se os meios e aperfeiçoam-se as estratégias, porque há mais consciência dos problemas e a inteligência julga com mais realismo.

Com efeito, há hoje uma maior visão empresarial do meio rural, traduzida na busca da dimensão da exploração agrícola economicamente viável, que se conquista à custa de fórmulas de associativismo livre, ou, nos países para além da cortina de ferro, a partir do colectivismo imposto e orientado. E é também toda a técnica em franco progresso que acorre a apoiar a gestão das empresas, como é a procura de uma maior rentabilidade que promova, sem ofensa de uma sã política de preços, o equilíbrio económico com as outras classes; é igualmente uma interessada formação profissional, como ainda a obtenção de garantias e benefícios sociais, a humanização do trabalho, etc.,etc.

Depois de uma longa época de entorpecimento, a luta, que tantas vezes é reivindicativa, desencadeou-se afoitamente, conseguiu vencer a inércia, continuará e não mais terá fim, porque empurra o homem a permanente insatisfação que está na sua própria natureza.

 

2) Em Portugal

Aquele foi o condicionalismo económico-social existente em toda a Europa, depois da Revolução Industrial, a que Portugal não podia escapar.

Todavia, principalmente pela sua posição geográfica, haveria o nosso país de ser mais tardiamente influenciado pelos seus reflexos. Em contrapartida, também atraso mantém hoje em relação aos outros países da Europa, na curva ascendente de recuperação a que estes estão votados.

E assim é que, em Portugal, se assiste no meio rural a uma compulsiva e confusa transformação social, que agora é mais rápida e, por isso, muitas vezes dura, quando não mesmo agressiva; é um salto gigantesco, em boa verdade para novas e melhores fórmulas de vida, que não se alcançarão sem o sacrifício de muitos que, infelizmente, ficam cilindrados pelo caminho, a cujos escolhos e espinhos não conseguem adaptar-se.

E estes são tais e tantos que provocam uma ambiência económica e social inquietante, tanto maior quanto mais falta uma política adequada, amortecedora de / 27 / choques e simultaneamente orientadora e incentivadora de progresso por linhas de rumo seguras.

De facto, se quisermos ser realistas, havemos corajosamente de afirmar, sem hesitação mas com lealdade, que não temes em Portugal uma Política Agrária idónea. É inegável que muitas decisões têm sido legisladas para acorrer à resolução de situações anómalas de interesse imediato; mas inegável é também que não são medidas esporádicas e desgarradas de um contexto global, que alguma vez haja sido bem estudado e objectivado dentro de coordenadas impostas pelas realidades nacionais e conjuntura internacional, que nos permitirá honestamente afirmar que temos de verdade uma orientação clara e segura susceptível de merecer o nome de Política Agrária. Regra geral, o agricultor está dependente de alguns decretos, num ou noutro dos seus sectores de actividade, de muitos despachos e de poucas portarias.

Sem querer diminuir o esforço que superiormente se tem feito, o que é certo é que se procura, regra geral, atacar os problemas de momento mais agudos e que possam estar sob pressão política, económica ou social; aparecem de quando em quando orientações específicas, como se fossem pequenas parcelas de um todo que afinal não existe, muitas vezes sem aplicação imediata ou mesmo mediata, por serem alvo de contestação e se falhar na transposição do legislativo para o executivo, e outras sem continuação persistente de acção, caracterizando-se por uma efemeridade que tem derivado de uma inconsistência doutrinária, porque é menos do Governo, e mais resultado de sucessão de equipas no mesmo Ministério; surgem mesmo ideias arrojadas tendo a estranja por figurino, mas que se condenam a fracasso, a breve trecho, porque não encontram aqui as estruturas humanas e técnicas que lhe garantam êxito.

É verdade que alguma coisa se tem evoluído. É indiscutível que assim é: existem indicadores económicos que o atestam, não obstante se deva reconhecer ser uma evolução tímida e até frágil. Mas o que acontece deriva menos da influência das tais medidas esporádicas, e mais do impulso natural e espasmódico adquirido por força de circunstancialismos estranhos, onde destacamos o factor poderoso da emigração e o incitamento provocado pelo desenvolvimento mais célere da indústria, que consegue arrastar a agricultura na sua marcha.

De algum modo, está em curso a formação de uma nova mentalidade que ajuda o sector primário a adaptar-se a novos condicionalismos, onde a competição é factor comum e determinante; que procura mais ousadamente empresas dimensionadas, onde o fenómeno cooperativo começa a ter expressão; que promove a participação nos mecanismos da vida económica, repartindo o valor da produção agrícola pelos de outros sectores, fornecendo-lhe bens e serviços, cujos encargos figuram nos custos de produção ou nos investimentos.

Luta constante esta, em que se joga a todo o momento a sorte de muitos, com os seus problemas humanos minimizados ou postergados pela frieza impiedosa de uma onda materializadora da vida. Apesar de todos os desânimos e de um mar de ilusões desfeitas, não há tréguas nem esmorecimentos na busca difícil do equilíbrio económico – geralmente tão longe ainda – com os outros sectores. E ainda bem que assim é, porque se a expansão industrial depende em alto grau da transformação das estruturas e da técnica agrícola, na medida em que deste mecanismo se proporciona o alargamento dos mercados de bens de equipamento e de consumo, também mais qualquer atraso na agricultura, mercê de uma política económica menos cuidadosa ou desajustada das realidades, que não respeite uma intervenção prioritária, pode provocar um bloqueamento que afectará toda a economia.

Em toda esta transformação, que não deixa de conter em si um sentido evolutivo, embora com carácter pouco definido e cheio de incertezas, uma palavra ainda será de dizer quanto à posição do Governo perante o sector primário.

Independentemente dos aspectos da sua actuação desprogramada atrás focados, temos a referir, mau grado nosso, a descoordenação, muitas vezes aflitiva, com que se apresenta na lavoura.

Talvez porque falta uma Política Agrária, vários Ministérios actuam sem ligação, e dentre do próprio Ministério da Economia, são todos os seus serviços, das suas três secretarias de Estado, que intervêm desgarradamente, dentro de ópticas diferentes, tantas vezes reivindicando competências. Problema que surja, e nem sempre é fácil ao lavrador saber quem é e serviço próprio que dele trata, porque às vezes até é mais do que um. Para dar um exemplo do que se afirma, bastará referir o que se passa no sector do leite e lacticínios.

Para além do Ministério das Corporações, Previdência Social e Saúde, intervém ainda, como é óbvio, o Ministério da Economia, através das suas três Secretarias de Estado, com os seus serviços que são:

Secretaria de Estado da Agricultura:

– Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas

– Direcção-Geral dos Serviços pecuários

– Junta de Colonização Interna;

Secretaria de Estado do Comércio:

– Junta Nacional dos Produtos Pecuários

– Funde de Abastecimento / 28 /

– Coordenação económica;

Secretaria de Estado da Indústria:

– Direcção-Geral dos Serviços Industriais.

Gostaríamos de ver um denominador comum na actuação de todos estes Serviços. Talvez com essa intenção, apareceu a constituição de uma «Comissão de Abastecimento de Leite», criada em 1967 pelo Decreto-Lei n.º 47710, onde aparecem mais elementos representantes da Direcção-Geral de Saúde e das Corporações da Lavoura, do Comércio e da Indústria.

Mas o que é certo é que a coordenação continua a falhar, chegando a surgir em Serviços que, por determinação em simples despacho, desautorizam a actuação de outros em assuntos que lhe são cometidos por Decreto; e também Serviços que chegam a discutir subsídios que haviam merecido despacho favorável do próprio membro do Governo.

Estas, como outras mais, são situações que desprestigiam o Governo, não ajudam em nada a Lavoura e desautorizam e roubam eficiência aos Serviços.


II – ASPECTOS FUNDAMENTAIS DE UMA POLÍTICA AGRÁRIA

O que se vai seguir não pretende invalidar nem sequer quererá diminuir o valor das medidas já promulgadas num ou noutro aspecto, que possam ajudar à definição de uma política. Apenas terá o mérito – se mérito efectivamente tiver – de focar aspectos que se nos afiguram dever merecer, dos responsáveis, doutrina objectiva e atitudes claras e mesmo corajosas, que encaminha o nosso sector primário para estádios sucessivamente mais dignos e prestimosos, susceptíveis de o fazer ombrear com a panorâmica agrária europeia.

Mal avisados andaríamos se assim o não fizéssemos, porque, como país da Europa, haveremos de entrar, mais tarde ou mais cedo, no jogo duro do Marcado Comum.

Marcada que está esta posição, referir-se-á agora, sucintamente, os aspectos fundamentais de uma política agrária, para nos demorarmos mais depois na análise de um deles – o Cooperativismo agrícola.

Antes do mais, porém, importará ainda dizer que consideramos fundamental preceder a aplicação de doutrina tão importante e complexa, de um indispensável estudo sério, ponderado e objectivo, feito com a participação das cabeças válidas do sector e também aberto à consideração dos directamente interessados. Quer isto dizer que num problema de tanta magnitude, que tem o âmbito nacional, nos parece útil ouvir os homens da terra, porque até entendemos que é mesmo condição de êxito que as soluções não apareçam impostas e antes brotem num clima de abertura e sem desconsideração da classe, para uma sua mais fácil adesão às tarefas que venham a ser planeadas.

De qualquer forma, afigura-se-nos que uma Política Agrária se deve orientar para um aumento de produtividade e para uma maior dignificação do homem que trabalha e vive da agricultura. Ora, correspondendo a produtividade à relação entre o valor da produção e as unidades-homem-trabalho, temos, para já, a necessidade de tocar aspectos inerentes ao aumento de produção e política de preços por um lado, e conveniente dimensionamento das explorações, por outro, para uma mecanização racional que conduza à diminuição do denominador da fracção. Por isso, temos:

1) Estruturação Agrária

Se é certo que defendemos justificadamente o direito de propriedade privada, como um direito fundamental do homem, intimamente ligado ao desenvolvimento da pessoa e à garantia da sua liberdade, temos que reconhecer, em boa doutrina, que o seu exercício não deve ser absoluto, pela implícita obrigação de estar condicionado pela função social dos bens materiais. O conceito de propriedade deve pressupor, assim, a obrigatoriedade de exploração.

Dentro deste princípio, importa determinar – porque ainda hoje não sabemos – a dimensão conveniente para uma exploração economicamente viável no norte, centro e sul do país e adoptar medidas que facilitem o respectivo processo de estruturação. A título de exemplo, lembram-se as dificuldades que normalmente se encontram ao nível das Conservatórias do Registo Predial e nas Repartições de Finanças, que urge sejam removidas de forma a não constituírem estorvo na concretização destas iniciativas.

E, em resultado da concretização deste aspecto fundamental, será então mais fácil atacar de frente, com possibilidades de maior êxito, a tão apregoada e indispensável

2) Reconversão Agrária

Com ela se pretende acabar com os artificialismos culturais, sempre caros e muitas vezes fonte de desilusões, e consequente aproveitamento dos terrenos segundo as suas aptidões naturais.

Qualquer orientação séria sobre esta matéria, porém, tem que ser bem ponderada e imbuída até ao âmago do realismo da vida económico-social do nosso meio rural. É fácil ou relativamente fácil, desde que se tenham elementos específicos esclarecedores, planear à volta de uma mesa e dizer como é; mas ficará ameaçada de estrondoso fracasso toda e qualquer ideia ou teoria, por mais perfeita, que esqueça os / 29 / condicionalismos humanos, porque bem poderá encontrar sérias dificuldades e mesmo impedimentos na sua transposição para a prática.

Por isso, pensamos que se a emigração tem lentamente vindo a ajudar a objectivação desta ideia, porque a falta de mão-de-obra rural resultante origina já o abandono de cultivo das terras, que amanhã podem vir a ser reconvertidas em explorações dimensionadas, também outras medidas importantes, directas e indirectas deverão ser convergentemente utilizadas, não só na reconversão como na estruturação das explorações, de que destacamos a

3) Política de crédito

Por esta via, pretende-se possibilitar, em termos realistas, o melhoramento das técnicas de produção agrícola, já que produzir alimentos é obrigatoriedade que a sociedade impõe e para os Governos é fonte de preocupação constante, porque é condição de vida dos povos. Dentro desta óptica, há-de ser a sociedade que terá de fornecer os meios indispensáveis para o efeito, não obstante tenha também direito a que os Governos, através de esquema próprio, garantam a rentabilidade do seu sacrifício. E quanto maior for a necessidade de produzir, mais larga deve ser a participação directa ou indirecta da sociedade, como maior deve também ser a atenção e controle dos responsáveis.

É dentro deste pensamento que se nos afigura, para as actuais condições de vida da nossa agricultura, devermos caminhar para um tipo de crédito dinâmico e selectivo, que encare, por um lado, a abolição de hipoteca e seja rápido nos casos em que se pretenda uma valorização e apoio efectivo do empresário válido e, por seu turno, incentive a estruturação e reconversão agrária, com recusa corajosa de financiamentos para todos os casos que sejam de reprovar.

No aspecto do fomento e desenvolvimento do associativismo, entendemos que todo o financiamento devia ser visto, não com carácter individual ou restritivo a cada caso, mas dentro de um plano geral estudado que contemple os interesses nacionais, e a sua concessão importava que ficasse dependente da participação efectiva dos interessados na iniciativa. Por outro lado, não se devia esquecer a necessidade fundamental da concessão de fundos de maneio em condições favoráveis para as associações válidas da Lavoura, a fim de promover e facilitar a indispensável integração vertical do sector primário.

Igualmente tinha o maior interesse que houvesse uma política especial de crédito, em condições ainda mais favoráveis, que aliciasse o jovem, com reconhecidas qualidades técnicas e administrativas, a fixar-se na terra.

Simultaneamente, não se dispensa um aparelho eficiente de fiscalização estatal, que impeça ou detecte e elimine abusos e determine em cada momento a economicidade das empresas e a rentabilidade dos dinheiros que a sociedade, pelo Governo, lhes concedeu.

4) Capital fundiário e rendas

É um paradoxo o que se passa no nosso país no que respeita ao valor venal dos terrenos de cultura. Por um lado, sabe-se que a agricultura é uma actividade deprimida, de grandes riscos e de uma maneira geral com uma rentabilidade pouco sedutora e tantas vezes problemática e, em contra partida, temos muitas vezes elevados preços de venda para os terrenos, que chegam a ser três vezes maiores que na França, mais ou menos em igualdade de condições.

Ora, porque este factor, para além de afectar seriamente a economicidade das empresas agrícolas, é também fortemente limitativo da estruturação agrária, julga-se indispensável a existência de uma política objectiva que saneie este estado de coisas. E, ligado com este aspecto, supomos que igualmente haverá necessidade de aplicação rígida de uma orientação que vise a regularização das rendas. Na verdade, se a maior oferta hoje de terrenos determina já condicionalismos mais propícios a uma remodelação de estruturas, casos existem em que se torna exigível a abolição de abusos, que são autênticas especulações, impeditivas do progresso agrícola. Importa a instituição da chamada renda justa, como meio indiscutível de saneamento.

5) Trabalho e formação profissional

Num mercado competitivo, onde domina essencialmente a lei da oferta e da procura, o valor da produção é fortemente limitado pela inviabilidade do consumidor adquirir mais do que as suas habituais necessidades. Na verdade, neste aspecto, a venda dos produtos agrícolas é restritiva à capacidade alimentar dos homens, ao contrário do que acontece com outros bens de consumo, cuja venda pode ser progressiva e atingir cifras elevadas por adequada técnica de vendas.

Nestas condições, o aumento de produtividade mais eficaz é o que deriva da diminuição de unidades-homem-trabalho que se consegue à custa do dimensionamento das explorações, e sua conveniente mecanização racional. Desta forma, será possível, depois de diminuir na empresa agrícola o número de trabalhadores, pagar até mais justamente aos que ficam, se devidamente preparados e mais produtivos, colocando-os em condições idênticas aos que trabalham no sector secundário. / 30 /

For outro lado, nós todos sabemos que toda a tendência da Europa é para a constituição de explorações agrícolas com cunho empresarial. Nós, também, embora muito lentamente, caminhamos nesse sentido, quanto mais não seja porque somos impelidos por circunstancialismos vários, do que salientamos a necessidade de sobreviver. Mas, para a obtenção do êxito que esta transformação nos proporciona, é fundamental e urgente promover, em larga escala, a formação base e de empresa para o homem e mulher do campo, ligada aos aspectos técnico, social e profissional.

6) Política de preços dos produtos agrícolas

Se é justo que se oriente uma política económica no sentido de garantir os preços dos produtos de primeira necessidade de forma a ficarem ao alcance do conjunto -dos consumidores, não pode, porque é injusto, tal política existir à custa do sacrifício de toda a classe rural. Ofende a justiça social a disparidade existente entre o valor dos produtos agrícolas e os bens de consumo e os factores de produção e dificilmente se aceita um estado de permanente inferioridade económica e social do sector primário, que vive privado dos meios indispensáveis para que tenha um nível de vida decente, só porque impavidamente se consente um contínuo aumento de preços dos factores de produção e a um simultâneo estrangulamento, maior ou menor, dos produtos agrícolas.

Para atenuar este desequilíbrio, afigura-se-nos que será sempre de encarar, no contexto da economia nacional, o binómio agricultura-indústria, de forma a que, pelo sistema de vasos comunicantes, e utilizando os múltiplos recursos que para este problema são sugeridos pela técnica económica, possa haver disciplina, propiciadora de harmonia e de equilíbrio entre estes dois sectores. Em boa verdade, há interligação íntima entre eles, não só porque a agricultura produz os alimentos de que necessitamos, como também porque um agricultor próspero contribui em larga medida para o aumento de clientela dos produtos industriais.

7) Seguros sociais

Independentemente da necessidade indiscutível que há em promover a adopção de medidas com vista a salvaguardar o presente e o futuro das gentes ligadas ao sector primário, condicionadas, embora, pelas maiores ou menores possibilidades da economia nacional, é imperioso, para não se tornar ofensivo de uma sã justiça social, que o trabalho do campo esteja em igualdade de condições, possuindo as mesmas regalias e benefícios, usufruindo os mesmos direitos que os dos outros sectores.

E importará também que se promovam condições favoráveis que permitam o seguro das culturas e dos produtos agrícolas.

8) Extensão agrícola

A partir de equipas de técnicos espalhadas pelos concelhos, pretende-se uma assistência efectiva e profícua virada às explorações agrícolas. Sendo um meio poderoso de promoção, pede técnicos bem preparados e medidas governamentais seguras e meios suficientes para que possibilite uma acção completa, persistente e eficaz.

Por seu turno, será mais incisiva se assentar num planeamento regional, que lhe imprima maior dinamismo, não obstante enquadrado também num planeamento nacional; mas, sendo basicamente uma gestão das explorações, deve apoiar-se no ensino, na investigação e na experimentação e, para que seja eficiente nos seus objectivos, exige explorações economicamente viáveis e empresários agrícolas esclareci das e evolui dos.

Dada, todavia, a nossa actual situação de atraso e até de impreparação para a adopção de algumas medidas com vista à obtenção de uma agricultura moderna, supomos aconselhável que em zona ou zonas restritas se promovesse uma assistência profunda, com características piloto, onde se aplicassem os princípios considerados fundamentais à sua evolução. Seria uma fonte preciosa de colheita de elementos de estudo e uma escola prestimosíssima para a preparação de técnicos e de empresários agrícolas.

9) Associação agrícola

Como em qualquer outro sector da produção, a associação é uma exigência vital. Através dela, nomeadamente pelo cooperativismo, por todo o mundo desenvolvido e até mesmo subdesenvolvido, onde se verifica a sua adopção, é mais fácil o progresso, porque se possibilita uma maior garantia de rentabilidade, e porque é mais viável conseguir um plano de igualdade de condições de vida perante as outras classes, normalmente mais bem organizadas.

Sobre o cooperativismo agrícola debruçar-nos-emos mais desenvolvidamente no capítulo seguinte.

 

III – COOPERATIVISMO AGRÍCOLA

«...uma Cooperativa não é um edifício, nem é uma sociedade de capitais transformados em equipamento por simples favor da Administração Pública.

Uma Cooperativa é um grupo de homens livres, livremente reunidos por um / 31 / objectivo comum; é um impulso de convicções firmes, um feixe de lúcidas vontades.

Protegê-las é obra de Administração, mas criá-las é muito mais do que isso: é obra de Educação.»

Prof. Eng.º Agr.º. Eugénio de Castro Caldas

1) Breve história

Há palavras que, por pouco melodiosas ou por circunstâncias que se desconhecem mas que inexplicavelmente inspiram dúvida, são marcadas logo à nascença e não conseguem livrar-se, pelo tempo fora, do ferrete que as macula e as tornam menos simpáticas, quando não mesmo repulsivas; e outras há, pelo contrário, que, muitas vezes também sem explicação, depressa encontram aceitação geral, talvez por infundirem simpatia e encontrarem eco nas massas, e são mesmo capazes de se constituírem em símbolo e arrastarem multidões, mesmo inconscientemente.

A esta – Cooperativismo –, supomos que ninguém lhe nega a magia de ter conquistado e continuar a conquistar o mundo, em todas as suas formas de desenvolvimento. Rios de tinta têm corrido a escrever-se sobre ele, desde os primeiros pensadores que se preocuparam com a sua doutrina – Robert Owen e Charles Fourier –, passando pelas experiências iniciais, como a dos Pioneiros de Rocchdale, até às múltiplas e variadas fórmulas criadas num afã contínuo de adaptar o fenómeno cooperativo às exigências impostas pelas circunstâncias, nos sectores da vida económica em que as cooperativas haveriam de nascer e proliferar e desenvolver-se.

«Fenómeno cooperativo», «Movimento cooperativo», «Doutrina cooperativa», «Teoria económica de cooperação» ou ainda «Cooperação como Ciência Económica» – são expressões genéricas que se objectivam na base de um princípio de organização e de um espírito próprio subjacente às suas diversas manifestações.

Como nasceu? Como foi aceite? Como se desenvolveu?

A resposta à primeira pergunta é fácil: encontramo-la na sua história, que é recente. Na verdade, a cooperação surge integrada no movimento de reacção contra os efeitos do liberalismo económico que se esboçou no século XVII e que teve a sua expansão e consolidação nos séculos XVIII e XIX. A liberdade consentida às forças económicas originou, ao contrário do que se supunha ou previa, um estado de desequilíbrio, que não permitiu benefícios em proporções uniformes aos participantes na produção e no crescimento.

O Cooperativismo nasce então como hipótese de solução para as deficiências do sistema.

Mas como foi aceite? Como se desenvolveu?

Teria sido por então negar a empresa e a economia capitalista liberal, e verificar-se que, com o recurso à associação, se permitia ao homem subsistir, escapando à miséria?

Teria sido por se apresentar como arma disponível aos indivíduos economicamente débeis, que procuravam elevar-se na sua condição e desejavam fugir à dependência e subordinação económica?

Teria sido por representar um ideal humano, que importava atingir e defender?

Teria sido por representar um princípio de organização económica iniciada a nível da produção, apoiando-se na iniciativa e colaboração activa dos próprios interessados, que se dispunham e dispõem a utilizar os meios em conjunto para satisfazer colectivamente as necessidades comuns?

Certamente que tudo concorreu para que o cooperativismo tivesse merecido a simpatia e fosse aceite pelas massas populacionais em ritmo espantosamente crescente, não sendo alheio a isso a chama da esperança que dele emana e que tão preciosa é à insatisfação humana, alimentada pelos frutos de exemplos, conhecidos aqui e além, e que beberam a sua doutrina.

A terapêutica generaliza-se. Com efeito, a partir dos fins do século XIX, a cooperação invade os domínios rurais, como meio de defender e elevar uma lavoura desprotegida e pobre, ao mesmo tempo que são também pequenos comerciantes que a ela recorrem: a França é invadida, depois da primeira Grande Guerra, pelas cooperativas de habitação, como solução de tantos que não podiam suportar a subida das rendas ou construir casa própria; as cooperativas de consumo generalizaram-se velozmente entre os funcionários de magros proventos, chefes de família com pesados encargos, reformados e pensionistas do Estado; e os meios piscatórios também lhe abrem os braços.

Neste particular aspecto, haverá que referir a existência curiosa em Portugal dos chamados compromissos marítimos, regulamentados por D. Manuel I, de conteúdo cooperativa ligado à produção, no domínio das armações de pesca, sobretudo no Algarve.

E, nos tempos modernos, se o desenvolvimento do cooperativismo se pode considerar como índice da evolução dos povos, na medida em que atinge a sua maior expressão nos mais adiantados, também nos países subdesenvolvidos a sua praticabilidade é já vista como solução para o desenvolvimento das suas economias, de forma a poderem fugir à dependência atrofiadora exercida pela acção económica e política de países mais fortes.

É no sector agrícola onde, na Europa, ele atinge maior expressão. Para fazermos uma ideia do seu desenvolvimento actual, damos aqui pequenas notas do que se observa em alguns países. / 32 /

Na França, é desde o século XIX que o cooperativismo começa a dominar o espírito dos lavradores, e aparece como medida adequada para enfrentar circunstâncias económicas ingratas. Foi instrumento de defesa dos seus interesses e também do ideal humano.

Hoje cobre todos os sectores da actividade agrícola, quer no campo de produção, quer no de abastecimento das explorações ou ainda no dos serviços, num total que ronda as 25000, com particular relevância nos sectores da mecanização, do leite e do vinho.

Na Suíça, onde apareceriam outros motivadores da cooperação, como sejam as grandes dificuldades climáticas e as próprias do abastecimento em país tão acidentado, o cooperativismo agrícola assume hoje importância considerável, traduzido em 22000 organizações.

Na Dinamarca, o movimento cooperativo partiu da produção e foi-se alargando progressivamente, de sector em sector, até dominar todos os circuitos dos principais produtos até à colocação destes nos mercados interno e externo.

País de reduzida superfície, o cooperativismo assume importância de relevo nos sectores da produção leiteira e da dos suínos.

Através da influência da Escola Primária Superior, que formou caracteres e instruiu um grande número de agricultores na gestão das suas empresas, houve um autêntico despertar dos meios rurais para uma adaptação das suas explorações aos condicionalismos económicos dos tempos, e nessa permanente evolução e cooperativismo haveria de ser a principal arma utilizada.

Com uma área de cerca de 1/12 da da França, possui cerca de 1 300 cooperativas de leite e aproximadamente 65 matadouros cooperativos. À parte isso, há uma cobertura cooperativa completa em todos os ramos da produção, que se estende depois aos sectores do abastecimento das explorações, dos serviços e do comércio e interno e externo. Autêntica fundação popular, inclui também nos seus objectivos uma estrutura de crédito, com a existência de cooperativas específicas, Caixas cooperativas e até um Banco.

Na Itália, o número de cooperativas agrícolas ascende a perto de 17000, abrangendo a produção, abastecimento e serviços e também o crédito, apontando-se como o principal factor da sua expansão a dependência do processo produtivo para com o mercado, no que respeita ao uso dos factores produtivos. 

2) O Cooperativismo Agrícola em Portugal

2.1) Representatividade do movimento

A legislação portuguesa que rege as Cooperativas foi iniciada em 1867, mas só a partir de 1936 o movimento começa a ter expressão.

O número de Cooperativas existentes e em funcionamento, ao longo do tempo, num total de 428, pode assim definir-se:

De 1894 a 1925 ____________________     8

De 1926 a 1935 ____________________   40

De 1936 a 1960 ____________________ 286

De 1960 a 1967 ____________________   28

De 1968 a 1972 ____________________   66

E a sua diversificação actual é a seguinte:

 

Adegas Cooperativas

97

Leite e lacticínios:

– Continente

   28

– Ilhas

53 81

Mistas

66

Olivicultura

61

Máquinas

32

Compra e venda

18

Frutas

14

Ovinicultura

11

Avicultura

7

Batata de semente

6

Agro-pecuária

5

Rega

5

Cerealicultura

2

Destilarias

2

Floresta

2

Lúpulo

1

Cânhamo

1

Apicultura

1 412

Uniões

16


428
 

Como ajuda a este movimento, o Estado, através de diversos dos seus departamentos, mobilizou investimentos que ascendem a dois milhões e quatrocentos mil contos, que representam, sem dúvida, esforço notável.

2.2) Justificação da situação actual

A situação geográfica de Portugal na Europa havia-lhe de determinar condicionalismos económicos e sociais diferentes dos restantes. Com efeito, separados pela Espanha, através de um longo muro de 600 kms., não fomos submetidos às mesmas pressões sócio-económicas dos países do centro; vivemos muito tempo isolados dos problemas com uns que os afectaram e só de longe em longe tínhamos conhecimento do que lá se passava, contentando-nos então a visualizar o pensamento pelo caso francês, sempre mais da nossa simpatia. Daí nasciam ideias e planos, às vezes / 33 / entusiásticos, mas desgarrados de um todo, que nem sempre tinham aplicação prática porque a vida e os homens eram e são diferentes.

Por outro lado, no período das últimas 4 décadas, correspondente às grandes modificações do mundo rural europeu, a nossa agricultura não sentiu verdadeira necessidade de se entregar a grandes transformações, porque foi então protegida por um paternalismo estatal que lhe dirigia a economia e de alguma forma resolvia os problemas.

Esta doce vida, carecida de motivação evolutiva, havia de provocar um atraso aflitivo do nosso sector primário, em confronto com a dinâmica sempre crescente e irreversível observada na Europa, que mais ainda acelerou o passo depois da última grande guerra.

Ora a grande arma, utilizada em toda a parte, quer no mundo capitalista, quer no socialista, para levar a agricultura a uma actualização de processos capazes de lhe imprimir características de competição com os outros sectores de actividade, haveria de ser o cooperativismo. E então assistiu-se a uma expansão do movimento em todos os quadrantes do globo, quer na livre América e Europa, quer ainda nos países para além da cortina de ferro e mesmo nos integrados no âmbito do chamado terceiro mundo.

Neste contexto, quase mundial, a posição de Portugal não é prestimosa e até custa ser lembrada ao nosso brio de portugueses.

Depois de um longo período de dormência, de condicionalismo pouco animadores e de iniciativas dispersas e tímidas, devemos reconhecer que só nos últimos 7 ou 8 anos começou a haver maior consciencialização em Portugal do fenómeno cooperativo. E, não obstante ainda muito precário e receoso, pode dizer-se que se expandiu aí de forma irreversível.

Na verdade, se, por um lado, os tempos que vivemos são outros diferentes daqueles em que se selavam cooperativas de índole económica, se assistia impotente à oposição arbitrária movida abertamente contra elas, até mesmo por alguns sectores oficiais, e se se procurava inclusivamente eliminar a acção de uns tantos que teimosamente e com coragem por elas lutaram e se sacrificaram, sem medo de ameaças e de manobras concretizadas na transposição do tema para o campo político, a que não faltaria o estigma de comunista com que alguns foram apelidados; também, por seu turno, se pensa que a maior consciencialização que as camadas populacionais economicamente débeis vão tendo do que são e do que valem quando actuam ou se apresentam em grupo, alimentada ou revigorada pelo substrato da instrução, hoje em -ritmo acelerado, permitirá ao homem português, através da via cooperativa, já em desenvolvimento, maiores êxitos no confronto com o poder económico e estádios sociais mais equilibrados e de mais justa repartição.

2.3) Factores frenadores do movimento cooperativo

Todavia, nem tudo correrá de feição ao movimento cooperativo agrícola português; algumas condicionantes hoje existem que podem ainda limitar ou frenar o seu desenvolvimento, constituindo até causa de fracasso, num ou noutro caso. Vejamos algumas:

a) A legislação que regula a formação e vida das Cooperativas tem um sentido demasiadamente liberal, que lhe imprime insegurança e não atende à necessidade de renovação do elenco directivo.

Na verdade, ao contrário do que acontece lá fora, onde um lavrador que adere a uma Cooperativa, ou uma Cooperativa que adere a uma União, não saem facilmente porque assumiram à entrada compromissos de que é difícil desfazerem-se, no nosso país entra-se e sai-se de uma Cooperativa e esta de uma União, com a maior das facilidades.

Este é um condicionalismo preocupante, porque não se coaduna com as responsabilidades de uma Cooperativa que, por ser empresa económica, necessita de aval seguro, tanto mais reforçado quanto maior for a sua dimensão.

Por seu turno, para uma maior acutilância das suas administrações, as Direcções das Cooperativas deviam ser periodicamente renovadas em parte do seu elenco, de forma a haver sempre espírito novo e novas perspectivas nos domínios do económico e do social.

b) Em resultado da falta de uma Política Agrária definida e ausência de coordenação e mesmo divergência dos Serviços tem havido hesitação no campo das competências da Organização Corporativa e do movimento Cooperativo. Embora se afirme, no âmbito do Governo, que a primeira tem a função de representação e a segunda atribuições económicas, certo é que o pensamento do Governo não tem sido transposto para a prática, de que resulta uma luta que hoje é aberta e cada vez mais acérrima, o que não favorece nem a Organização Cooperativa, nem as Cooperativas, nem - o que é pior - o própria Lavoura.

c) Tem faltado uma estrutura ao movimento Cooperativo, que lhe dê coesão e mais força através de agrupamentos homogéneos de cooperativas em Uniões e destas em Federações. Daqui deriva a constituição de Cooperativas às vezes com poucas possibilidades económicas, ou então muito grandes, com afectação dos contactos entre eles e a massa associativa, ou ainda de Uniões com Cooperativas de dimensão ou força muito heterogénea, provocando perigo de ruptura de unidade. / 34 /

d) Entendemos também que na base da cooperativismo está o cooperador, e com ele, o espírito, intenções, vontade e consciência com que adere à associação.

O Cooperativismo, se é uma doutrina, é também uma vivência, porque obriga a uma conduta especial do indivíduo em grupo: é livre e abraça princípios democráticos, que pressupõe, todavia, a obrigatoriedade de limitar a sua liberdade por respeito indiscutível da liberdade dos outros, e, se é naturalmente cioso dos seus direitos individuais, não deve fugir nem discute os direitos da colectividade, de que dimanam deveres fundamentais para a defesa dos interesses comuns.

Até que ponto teremos nós atingido este estádio? Sem querermos considerar mesmo a fase de perfeição absoluta, que seria utópica em termos humanos, em que medida se situa o nível médio do cooperador português? Consentirá ele uma evolução franca do Cooperativismo, ou antes o limita ou mesmo estrangula?

Supomos que não se ofenderão connosco se aqui afirmarmos que, em Portugal, na generalidade, temos Cooperativas – e já algumas – mas não temos cooperadores, pelo menos em número que seja significativo e capaz de imprimir carácter ao movimento. Na maior parte dos casos o agricultor adere ao cooperativismo sem consciência da sua doutrina e da força que possibilita a unidade de acção, apoiada no grupo. Em vez de procurar reforçar a unidade, como seu elemento operoso, trabalhando no seu interior para o projectar no exterior com mais valimento, é frequente vê-lo antes numa acção externa, como se fosse alheio ao grupo, minando e promovendo a desagregação do edifício, ao qual pertence. Parece paradoxo, mas é verdade incontestável.

Sendo assim, também se poderá perguntar: se não temos cooperadores, como é possível termos Cooperativas?

A resposta está no critério de actuação usado. Se tivéssemos que esperar pela existência de cooperadores, não sabemos se alguma vez teríamos Cooperativas, e, se as viéssemos a ter, o atraso seria seguramente tão grande que nos arriscaríamos a uma posição altamente comprometedora, perante uma competição acesa que já nem é europeia, mas mundial, onde os alicerces rurais se fundamentam e têm o cooperativismo como denominador comum. Por tal razão, parece ter-se preferido a adopção do critério da constituição das cooperativas, mesmo com o risco de não haverem cooperadores, por se pensar poder assim obterem-se resultados mais rápidos, e também porque seriam as próprias Cooperativas existentes a fazerem escola e a ajudarem no progresso do movimento.

De qualquer modo, não pode descurar-se a preparação do cooperador. Muito embora pensemos que há defeitos no indivíduo que, talvez por razões genéticas, não mudam, por mais aprimorada que tenha sido a sua educação e a sua formação cultural (sobejam exemplos desses), seria estultícia não considerarmos a educação como indispensável para levarmos o homem à condição de cidadão consciente de uma sociedade cooperativa. Se ainda assim não conseguirmos deixar de ter água no leite ou evitar a entrada de uvas fracas ou podres nas Adegas Cooperativas, porque as boas ficaram em casa de cada um, seguramente que haverá muito menos água no leite e melhores vinhos através daquelas.

e) Se permitem a nossa modesta opinião, o cooperativismo português está na fase de arranque, que, em alguns sectores, poderá ser tomado já como expressivo. Qualquer que seja, porém, o seu estádio de desenvolvimento, seguramente que atravessa um período de maior ou menor perturbação, certamente produto de uma crise de crescimento que, à parte os aspectos negativistas que a informam, não deixa de ser útil pela purificação de ideias que proporciona e pela revisão de métodos de trabalho a que obriga.

E uma das características predominantes de que ainda se não viu livre é o amadorismo de que está impregnado. Sem querer ferir o espírito de carolice de uns tantos a quem se ficou a dever – pode dizer-se – a sua existência, e a quem não nos cansamos de render as nossas efusivas e justas homenagens de muito respeito e admiração, o que é certo é que o movimento cooperativo, depois de ultrapassar o estádio inicial em que se poderia justificar o regime de «meia bola e força» deveria consciencializar-se no sentido de se estruturar em moldes que permitissem garantia no embate competitivo que o aguardava e que já se sabia ser cada vez mais duro. Por amor da verdade, temos que afirmar que alguns sectores houve que assim fizeram, constituindo hoje empresas cooperativas válidas, com capacidade para exercerem a sua nobre e útil missão; mas também manda o mesmo amor pela verdade dizer que muitas outras houve que se quedaram num passivismo comprometedor, sem vida prestimosa ou com uma actividade precária que, de índole cooperativa, só tem o nome.

Ora, não haverá quem friamente não reconheça que este condicionalismo é defeituoso, diremos mesmo que é pernicioso, porque trava seriamente o desenvolvimento do fenómeno cooperativo no país.

f) Todavia, enquanto aquele condicionalismo defeituoso e pernicioso, que atrás se referiu, continuar a existir, tudo é possível acontecer: coisas boas e coisas más. São pretensões de cooperativas, sem qualquer hipótese de vida económica, mas que servem para fazer barulho; é a falta de compreensão e consequente dissociação e conflitos entre as direcções e os membros das cooperativas e entre estes e os das suas Uniões; é o alheamento dos associados em relação ao funcionamento / 35 / da empresa cooperativa, de que deriva, tantas vezes, a falta de representatividade nas Assembleias Gerais; é a concentração da decisão pelo esquecimento da massa associativa, aumentando-se assim a distância entre o cooperador e a Direcção da Cooperativa, com as consequentes dificuldades em manter a harmonia entre as exigências do crescimento da empresa e o seu conteúdo humano; é a dificuldade nas Uniões de Cooperativas, em ter pessoal qualificado, que a sua gestão impõe, por se regatear a concessão de vencimentos de certo nível, que a sua competência exige; é mesmo a dificuldade em se conseguirem funcionários qualificados que se disponham a aceitar a falta de compreensão e as contingências dos cooperadores mal esclarecidos e que, com e sem razão, tudo discutem, etc., etc.

Muitos mais exemplos podíamos citar, ditados pela experiência do dia-a-dia. Mas se julgam não serem suficientes, podemos ainda citar mais um caso, que, aliás, reputamos da maior importância entre os que travam ou prejudicam a evolução do fenómeno cooperativo: é o aparecimento, de quando em vez, de pessoas inexperientes, mas que declaram tudo saber e querem passar por génios inconformistas, para fugir à rotina e servirem talvez de paradigmas. Regra geral, porque são narcisados e não sabem ouvir, quando actuam (e não lhes falta coragem para isso), sai asneira quase sempre. E o pior é que também, a maior parte das vezes, não reconhecem o erro, e logo se aprontam para cair e fazer cair noutra os que dizem defender. Advogam pela palavra uma doutrina, que é parente directa da democracia, mas na prática actuam com um individualismo feroz, com nítido desprezo pela opinião dos seus comparsas.

g) À medida que o cooperativismo evolui, a partir da evolução das suas células, vai sendo cada vez mais exigente a qualificação dos dirigentes e das gerências. E no nosso mundo rural, com uma capacidade de promoção tão relativa, tão falha de sedução que

tem levado à fuga maciça das suas gentes, onde se incluem as mais válidas e que mais poderiam lutar pelo sector primário, é cada vez mais difícil conseguirem-se individualidades que sirvam funções directivas e de gerência e queiram despir-se de individualismos para abraçar a difícil tarefa de trabalhar pelo bem comum, que bem pode não coincidir com o deles em especial.

h) Regra geral é notória a falta de acutilância da empresa cooperativa, na parte final da comercialização, em confronto com a empresa privada. Não é mal só nosso, porque é geral e atinge os países mais evoluídos, como na própria América do Norte.

É defeito sério, este, no movimento cooperativo, porque o afecta no cerne. Precisa de ser atacado de frente. Talvez por sua causa surgiu recentemente legislação adequada que permite, dentro de condições que salvaguardam a posição das cooperativas, a formação de sociedades entre elas e as empresas privadas.

 

IV – CONCLUSÕES

De toda a matéria exposta neste trabalho, duas conclusões se destacam pela sua importância:

1) Política Agrária

Podemos deduzir, do que atrás foi dito, que a agricultura não tem sido objecto de tratamento adequado da parte do Governo. Não há uma orientação definida que imprima segurança à produção, como também não se tem olhado a sério para a sua industrialização, nem tão pouco se têm criado condições na comercialização que possibilitem uma rentabilidade estimuladora e própria de uma actividade económica que precisa de revigoramento. É certo que aparecem muitas vezes, por despacho, medidas destinadas a amparar ou fomentar isoladamente este ou aquele sector; mas não raro também acontece, como, por exemplo, no ramo pecuário, a tais medidas faltar continuidade e persistência, e a breve trecho serem substituídas por outras, com gravames sérios para largos capitais investidos cujo rendimento fica comprometido por falta de tempo indispensável para que se tornassem produtivos.

Sem dúvida que é urgente a definição clara e objectiva de uma política agrária, a partir da qual seja possível termos no nosso país uma agricultura actualizada, com uma representação condigna na vertical, constituindo um sector de actividade economicamente equilibrado com os outros. É todo o país que precisa dessa política, porque todo o cidadão não pode viver sem a agricultura.

E não pode esquecer-se que não será válida qualquer política Agrária sem que primeiro se crie um sistema realista e eficaz que elimine radicalmente a descoordenação hoje existente entre Ministérios e entre os Serviços do mesmo Ministério que actuam na agricultura num jogo de competências que tornam o aparelho executivo altamente ineficiente.

Acreditamos que é difícil e até muito precária a posição de qualquer responsável governamental pela pasta da Agricultura dentro do actual condicionalismo, que actua sem uma planificação básica orientadora dos seus destinos, que encontra o seu domínio submetido a diversas influências, com risco inevitável de fraqueza e quebra de objectividade, e que se vê inseguro por um apoio vacilante ou frágil num executivo desarticulado. / 36 /

2) Cooperativismo

No longo caminho que nos falta percorrer para chegarmos a um nível europeu, não restam dúvidas que se reconhece dever nacional acelerar o passo e tomar medidas sérias e claras, que dinamizem o sector primário, projectando-o numa integração vertical. É que a agricultura não é só produção: pretende-se, porque é fundamental, que vá cada vez mais para a industrialização e comercialização em termos competitivos.

Para este efeito, o cooperativismo será, porque já o é em toda a Europa e em grande parte do mundo, a grande arma que se nos apresenta e a que urge lançar mão com afoiteza. Através dele, encontrar-se-á certamente a solução adequada para muitos problemas da vida rural, como são, por exemplo, os de maior magnitude, relacionados com a estruturação e reconversão agrária.

Mas não tenhamos dúvidas: para que o Cooperativismo possa vir a dar os frutos que dele é lícito esperar-se, é indispensável que ele se enquadre no contexto global de uma Política Agrária.

Para já, supomos que para além de todo um trabalho generalizado e persistente de consciencialização da doutrina cooperativa no meio rural, é indispensável o apoio e acompanhamento de perto da vida das Cooperativas e suas Uniões existentes e a funcionar, de forma a possibilitar-lhes condições de estabilidade e de segurança. Os largos financiamentos e subsídios estatais já investidos no movimento, obrigam, quanto a nós, a uma atenção profunda e controle da sua rentabilidade, não se perdendo de vista uma indispensável dinamização do crédito nos casos futuros – e só nesses – que se enquadrem dentro de uma planificação regional e nacional.

Todavia, o Cooperativismo agrícola, se precisa de uma orientação segura, apoiada numa Política Agrária idónea, necessita também de medidas específicas que respondam ao dinamismo que o deve caracterizar e às exigências de adaptação aos circunstancialismos de cada momento. Citamos algumas, que consideramos principais:

a) Actualização da sua legislação, de forma a introduzir mais responsabilidade e disciplina no movimento e a combater o estatismo por um esquema que permita a obrigatoriedade de renovação periódica do elenco directivo.

b) Estruturação indispensável, desde as cooperativas de primeiro grau, de dimensão conveniente – nem muito pequenas, nem muito grandes – para poderem ser válidas no aspecto de contacto e utilidade efectiva com as aderentes, até ao seu agrupamento estudado e planeado em Uniões, já com envergadura empresarial, porque têm função eminentemente económica, e à junção destas em Federações, de enorme conveniência, principalmente para tratarem dos problemas de comercialização, quer a nível interno quer externo.

c) A fim de evitar duplicação inútil de esforços e despesas, e com o intento de tornar mais acutilante e eficiente o movimento cooperativo, para um maior desenvolvimento e projecção da economia nacional, afigura-se-nos dever enquadrá-lo dentro de uma planificação económica a nível regional, não obstante não esqueça as linhas mestras de uma planificação nacional.

Julgamos fundamental esta descentralização, para um maior realismo de actuação e obtenção de maior celeridade processual da estrutura cooperativa, dentro da geografia sócio-económica do país.

Na verdade, dentro das linhas gerais que mergulham as suas raízes na doutrina cooperativa, e que norteiam estrategicamente uma planificação global, há pormenores diferenciados regionais que a experiência nos aconselha a ponderar e que obrigam a adopção de tácticas diferentes, para uma melhor praticabilidade das ideias que nos animam.

Por outro lado, parece-nos da maior importância que se visualize e encaminhe a rede de estruturas das cooperativas base dentro das reais possibilidades naturais de cada região, sem artificialismos, sempre caros e tantas vezes fonte de fracassos, e com uma orientação que vise à maior uniformidade possível, para se evitarem, dentro do mesmo movimento, discrepâncias de forças que o possam comprometer.

d) Independentemente do processo acelerado de mentalização a levar a efeito no meio rural para o cooperativismo, parece-nos que seria também de encarar a educação e instrução cooperativa dos jovens nas escolas, a começar na primária, e cursos de formação acelerada para os adultos, com vista à gestão das explorações e seu enquadramento em fórmulas associativas.

e) Cursos de preparação – teóricos e práticos de dirigentes, devidamente programados nos aspectos que interessam ao conhecimento da doutrina cooperativa, à psicologia de grupo e à gestão das empresas, extensíveis às gerências das Uniões. E para as pessoas já lançadas na gestão das cooperativas e suas Uniões, são ainda da maior utilidade cursos periódicos de reciclagem, que permita uma permanente actualização de métodos de trabalho.

f) Estamos convencidos que a coordenação de Ministérios e de Serviços Oficiais, que se impõe, facilitará a solução do problema grave das desinteligências entre a Organização Corporativa e o Movimento Cooperativo.

Tem tardado, por parte do Governo, o tratamento adequado deste lastimável estado de coisas, embora / 37 / saibamos existir já um projecto de Decreto que pretende resolver este diferendum. Com base constitucional, dá a representação, à Organização Corporativa e a competência económica às Cooperativas. Por seu turno, para que a primeira possa ter o atributo de autêntica representação, há participação activa das Cooperativas, a nível regional e nacional, na sua estrutura orgânica.

Pois que num amanhã muito breve ele apareça e seja o prenúncio de uma efectiva coordenação dos Ministérios e de Serviços e o primeiro passo da formulação de uma verdadeira Política Agrária.

*

Depois da leitura desta exposição, fica-se certamente com uma impressão que não é consoladora.

Quem vive a agricultura e os seus problemas económicos e sociais, sem esquecer o cunho humano que os acompanha, raramente tem motivos para euforia.

É uma situação que convida a meditar e ajuda a um amadurecimento de ideias e a um conhecimento da vida em termos de realismo; e espevita também o inconformismo, pela ânsia de querer mais e melhor.

Por isso, neste encadear de pensamentos, eu sinto satisfação de pertencer a uma geração que vive esta época de contradições e de luta, porque é nela que nós mais temos possibilidades de nos realizarmos como homens. E se o queremos ser, de facto, não podemos desejar uma vida, e no nosso caso particular uma agricultura, separada do mundo actual, defendendo princípios e formas de trabalho obsoletos; antes importa ter esperança e abrir caminho para nos lançarmos num futuro melhor.

 

páginas 25 a 37

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