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N.º 1

Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro

Janeiro de 1966 

 

A ÁGUA

FACTOR DE BELEZA E TURISMO NA REGIÃO DE AVEIRO

Por DANIEL CONSTANT

 

No mundo que até hoje nos foi dado conhecer, nenhuma terra existe como a de Aveiro, onde a água tão sensivelmente tenha valorizado a paisagem e exercido uma decisiva influência nos usos e nos costumes de um povo. Pode recordar-se a Holanda, as rias do Adriático, os lagos do Norte da Itália, a ria de Valência, o curso do Reno, mas nada disto nos fala de uma união mais harmoniosa entre a água e o homem, mais íntima e mais sentimental do que na região aveirense.

Ao observarmos isto não temos o pensamento senão na vida de um povo simples que ama a água, a terra e o espaço com o mesmo fervor e adoração com que reza a Deus. Podem as civilizações operar maravilhas (a seu modo) e pode o homem, com toda a sua ambição, alterar a morfologia da paisagem através da sua obra de conquista e de progresso, sacrificando, assim a própria Natureza em favor de uma evolução que, para seu mal, não lhe tem dado paz nem felicidade. Pode tudo isto acontecer, e tem acontecido, mas será difícil, na terra de Aveiro, que a civilização destrua as suas razões etognósticas, modifique a sua etnografia e conspurque a sua beleza paisagística.

Será difícil, repetimos, porque tudo isso é parte integrante da vida do povo aveirense; anda-lhe na alma, nos olhos e no coração. É essa estranha influência do ambiente que tem mantido, com relativa pureza, os valores tradicionais da mais surpreendente região da Beira Litoral e de todo o território português.

Do ponto de vista turístico, a região de Aveiro significa uma potencialidade de tal ordem que o resultado das suas prospecções é quase imprevisível. A água exerce, em todos os lados, o seu poderoso fascínio, quer adormecida nas pateiras e lagoas, quer murmurante nos ribeiros das montanhas, cristalina nos rios ou luminosa na vastidão lagunar. Este fascínio, em nós, dura há quase meio século, pois tanto tempo decorreu desde a longínqua manhã clara em que pela primeira vez tomámos contacto com essa água, no canal de S. Roque, quando, na lancha a vapor, tripulada por «mestre» Paula, iniciámos a viagem para S. Jacinto.

 

Rio Novo do Príncipe, vasta e notável "galeria" de quadros paisagísticos.

 
 

Rio Novo do Príncipe, vasta e notável "galeria" de quadros paisagísticos.

 

 

A MAIOR INDÚSTRIA DO SÉCULO

O que então alvoroçou o nosso espírito infantil ainda hoje da mesma forma nos sensibiliza. É com uma sensação / 19 / de aventura, um prazer de descobrir algo de novo e de belo que sulcamos as águas da Pateira de Fermentelos, do Águeda, do Rio Novo do Príncipe ou as da Ria, tanto pelo pretexto de um dia de caça como pelo intuito de uma digressão contemplativa.

Toda a terra do distrito aveirense se encontra sob a magia da água. A beleza atinge o fastígio em qualquer recanto onde a água espelha o céu ou se tinge com o verde da vegetação luxuriante. Desde a Barrinha de Esmoriz até ao braço lagunar da Costa Nova e desde os rios Douro e Paiva até ao Vouga e Cértima, é sempre a água o grande cenógrafo da paisagem, água que espuma e cachoa ou languidamente adormece para deixar florir os nenúfares, acasalar os lavancos, cristalizar o sal e permitir a faina do moliço com os mais lindos e elegantes barcos que jamais se viram.

Essa beleza não nos avassala apenas a nós, Portugueses, mas sobretudo aos visitantes estrangeiros. Temo-los escutado diante das grandes panorâmicas da Ria de Aveiro, dos pinturescos trechos dos rios de águas verdes e dos miradouros dos vales serenos e silenciosos. Desvanecem-nos as suas apreciações, mas entristecem-nos alguns dos seus comentários.

 

Avero, a cidade dos canais, deve à água a singularidade de sua feição urbana.

 
 

Aveiro, a cidade dos canais, deve à água a singularidade de sua feição urbana.

 

Os estrangeiros não compreendem que tanta maravilha se encontre adormecida, quase desconhecida e, pior do que isso, inaproveitada pela maior indústria do século, o Turismo. Trata-se de uma verdadeira ironia do destino, porque essa indústria, inexistente na região aveirense, é precisamente a que melhor se coaduna com ela e com o espírito do seu povo. Turismo é um amálgama complexo, e por mais voltas que lhe sejam dadas, vem sempre à tona, em primeiro lugar, a paisagem e o clima. Este, especialmente na zona lagunar, possui todas as excelentes condições marítimas; quanto à paisagem, nunca o Aveirense deixará de conservá-la imutável, porque é parte de si próprio e razão de vida.

Não nos estamos a referir, bem entendido, aos esforços e às iniciativas dispersas dos órgãos locais de turismo da região ribeirinha da Ria, mas sim ao turismo «em grande», ao turismo «potência», capaz de fazer de Aveiro e seu termo a mais espectacular e a mais prestigiosa zona turística de toda a Península. Para isso, quais as condições naturais / 20 / que lhe faltam? Absolutamente nenhumas! Falta apenas um movimento regional, ao nível mais alto, cujo objectivo seja desvendar ao mundo turístico um paraíso de beleza natural, de desportos ao ar livre, de descanso, de gastronomia e de curiosidades etnográficas e folclóricas.

 

 

 
 

Manhã luminosa, em que, no espelho aquoso da Ria, escorre a brancura das velas dos "moliceiros".

 

 

CONSTRUIR O FUTURO

Isso implica, como é óbvio, um vultoso apetrechamento, mas se a ideia for devidamente agitada, estamos certos de que os capitais acorrerão. Noutras regiões assim tem acontecido, e com menos razão que na aveirense. O turismo é hoje uma realidade económica e a sua indústria é altamente compensadora. Para a poderem abraçar e dela usufruir todos os proveitos, países existem, onde a Natureza não foi pródiga, que chegam a «inventar» a sua própria paisagem. O que importa é obter um primeiro lugar na corrida do turismo!

Ora, quando um país ou uma região possuem os factores essenciais ao desenvolvimento e progresso turístico, deitam a fortuna pela porta fora se deles não tiram todo o proveito possível.

O turismo está para Aveiro como todas as suas indústrias tradicionais: pesca, sal, construções navais e cerâmica. São actividades resultantes das condições naturais, e elas, por força das circunstâncias, levaram os Aveirenses a praticá-las. Quase insensivelmente, essas indústrias apoderaram-se do espírito empreendedor do povo da região de Aveiro, que as fez progredir e pesar na balança da economia nacional.

Pela mesma razão as actividades turísticas, por força do potencial existente, hão-de atrair a atenção dos homens que souberam erguer uma das mais florescentes cidades do litoral português. Pena é se as futuras iniciativas vierem a pertencer a estranhos, o que seria tão pouco curial como as indústrias tradicionais, já referidas, não terem sido criadas pelos Aveirenses ou, pelo menos, pelos Portugueses.

As jóias turísticas, diamantes em «bruto», é certo, encontram-se aí por todo o distrito, e a cada passo com elas se tropeça. É tanta a fartura que nem se faz caso, mas vale a pena avaliá-la e dar-lhe o melhor dos destinos.

Aveiro, rainha das águas serenas, deve confiar ao turismo a sólida construção do seu futuro.

 

páginas 16 a 20

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