Com maior ou menor realce, sempre
Aveiro se tem associado às comemorações nacionais de grandes figuras
e acontecimentos.
Na modéstia dos seus recursos e no
seu restrito âmbito, pode não atingir brilhantismo que consinta
cotejo com outras localidades da sua igualha em algumas dessas
celebrações, mas não se esquece, nem abstém desse dever cívico.
Para cada caso conta sempre, se não
com a generalizada memória desperta, com alguém que esteja atento, e
tome sobre si a tarefa de assinalação das grandes datas da história
local ou da nacional, e dos vultos que particularmente a honraram ou
ao País, ou promova os actos rememorativos, e para eles crie o
ambiente colectivo e os estímulos necessários.
Terão tomado, maior tomo e
projecção, na generalidade, as realizações consagradas às efemérides
de mais alto significado local, como: os primeiros centenários do
nascimento (1809) e da morte (1862) de José Estêvão; o quinto
centenário do nascimento da Santa Joana Princesa (1452), na
sequência de amiudadas demonstrações de culto, desde há séculos; o
centenário da Revolução liberal de 16 de Maio de 1828; e,
coincidentes, no mesmo ano de 1959, as prolongadas festas do
Milenário da existência documentalmente comprovada de Aveiro e do
segundo centenário da sua elevação a cidade.
Mais discretas, poderiam apontar-se
as evocações centenárias dos nascimentos: do panfletário famoso e
grande paladino do progresso da sua terra que foi Homem Cristo – a
que a conjuntura política fez desluzir o programa –; do pensador e
escritor, ocasionalmente envolvido na vida pública, Jaime de
Magalhães Lima; do jurisconsulto José Maria Barbosa de Magalhães; e,
mais recentemente, o do prelado insigne, obreiro principal da
Diocese aveirense, D. João Evangelista de Lima Vidal.
Encontram-se, todavia, por jornais e
outras publicações, testemunhos de diverso tomo e mérito, dos
empreendimentos memorativos de Aveiro ou de aveirenses ou das datas
de maior expressão nacional.
1.ª página do jornal "Campeão das
Províncias" dedicado a Camões.
Na circunstância que determina estas
linhas, um rol exaustivo dessas demonstrações de civismo – para as
quais não tentamos sequer uma prospecção para além do que temos mais
presente ou ao fácil alcance – afigura-se-nos desnecessário.
Cingir-nos-emos, assim, antes de traçar um bosquejo da que nos
propomos lembrar, pois o IV Centenário da Publicação dos Lusíadas a
torna azada, a mencionar algumas delas.
Citaremos, assim, em primeiro lugar,
celebrado em 1882, o Centenário do Marquês de Pombal, que inclui a,
ainda recordada com apreço e encómio, exposição retrospectiva de
arte decorativa. Organizou-a o Grémio Moderno por inspiração e sob a
orientação competente e diligente acção do erudito e operoso
aveirógrafo Marques Gomes, patrocinador constante da valorização e
divulgação do património artístico e histórico da sua terra natal.
Nesse ensejo se publicou um número
único de um jornal exclusivamente consagrado à memória de Pombal, a
quem Aveiro devia, entre outros benefícios, os foros de cidade e a
criação do seu bispado. Inseria colaboração das mais eminentes
figuras aveirenses da época, desde Homem Cristo (que na data precisa
da comemoração e da saída da publicação – 8 de Maio – perfazia 22
anos e era o mais novo dos colaboradores) até ao General Joaquim da
Costa Cascais, poeta e dramaturgo, de Francisco Regala, Almeida
Vilhena, Joaquim de Melo Freitas, Jaime de Magalhães Lima, Joaquim
Simões Franco, Marques Gomes, Manuel de Melo e seu irmão Joaquim da
Silva Melo Guimarães, a Agostinho Melício, Alexandre da Conceição,
Carlos Faria (depois Barão de Cadoro), Agostinho Pinheiro e outros
mais.
Também «O Povo de Aveiro»,
recém-fundado, dedica integralmente um dos seus números à efeméride,
/ 52 / com a mesma data. Como
habitualmente, Homem Cristo, fundador e principal animador do famoso
semanário – que quase redigiria mais tarde da primeira à última
linha – não subscreve nenhum dos artigos insertos. A sua qualidade
de militar inibia-o de figurar abertamente num jornal de declarada
feição republicana. Mas assinavam artigos individualidades como
Teófilo Braga, Anselmo Xavier e Alexandre da Conceição, como Carlos
Faria e Egberto de Mesquita (redactores efectivos do novel periódico
e ainda Teixeira Bastos, A. Ponce Leão Barbosa, G. Benevides, F. R.
Francisco Regala, apenas apondo as iniciais para não se comprometer,
demasiadamente ?), Tavares de Castro, Bessa de Carvalho e outros de
menor notoriedade.
Ainda no mesmo dia (deliberadamente
escolhido para simultaneamente «render um preito de homenagem
simpatia e gratidão a dois nomes /.../, ambos gloriosos e dignos da
consagração popular e da apoteose nacional», como escrevia o «Povo
de Aveiro») (1)
foi solenemente lançada a primeira pedra para a estátua de José
Estêvão.
O IV Centenário do Descobrimento do
Caminho Marítimo para a índia deu motivo, pelo menos, a um excelente
número do «Campeão das Províncias», organizado e quase Inteiramente
preenchido – com prosa do próprio punho ou transcrições de trechos
menos acessíveis – pelo mesmo benemérito exumador do passado
aveirense, o fecundo Marques Gomes, patrocinador constante e
incansável obreiro da memoração e realçamento dos valores
patrimoniais artísticos e históricos da sua terra.
Nesse número especial, com muitas
prestimosas compilações, sobre alguns aveirenses notáveis – D. Frei
Duarte Nunes, D. Frei Miguel Rangel ou João Afonso
/ 53 / e, por exemplo, a
menção dos pilotos de Aveiro, conhecidos no século XV, documenta
alguns aspectos do papel que a sua terra, através de algum filhos de
maior evidência, houve, antes ou pouco depois, de relação com o
facto comemorado.
Mas, para além da evidenciação
dessas efemérides, correm impressas – já mais ou menos raras e pouca
divulgadas nas rememorações – livros e artigos de aveirenses,
redigidos a propósito do centenário da Guerra Peninsular.
Pertence mesmo ao General Costa
Cascais (aveirense nado e de afecto fidelíssimo à sua terra, que nem
mesmo com um afastamento de um período que se alongou por mais de
meio século declinaria nas demonstrações ininterruptas) a memoração
da Batalha do Buçaco, em que a estrela napoleónica deu os primeiros
indícios de vir a apagar-se.
Não passaram sem evocação as datas
em que se cumpriram as centúrias de anos sobre os nascimentos de
Alexandre Herculano ou de Eça de Queirós – este, aliás,
estreitamente ligado a Aveiro pela ascendência paterna, e, como ele
próprio se declarou, «filho de Aveiro, educado na Costa Nova, quase
peixe da ria».
*
* *
No mesmo caso, como se impunha,
estiveram as celebrações camonianas: – já no ano transacto,
celebrando o IV Centenário da Publicação de «Os Lusíadas»; já em
1880, evocando e glorificando a figura do Épico, quando se perfaziam
quatro séculos sobre a sua morte.
Sobre estas nas deteremos. Volvido
quase uma centena de anos, estão os factos esquecidos. E, conquanto
não atingissem proporções de excepção, será talvez oportuno
relembrá-los. Se não como paradigma, que os meios de que hoje
dispomos, facilitam e, porventura, impõem, em circunstâncias
similares, mais ambiciosas organizações, pelo menos darão a prova de
que as elites aveirenses oitocentistas – aliás, talvez como em tempo
nenhum da história de Aveiro, ricas de valores – sabiam cumprir,
melhor que as de hoje, essas obrigações cívicas.
Para além da posição marcada pela
Imprensa local a que mais adiante faremos a alusão devida, a
comemoração centenária teve dois actos principais, enquadrados em
galas exteriores que, embora sucintamente também, mencionaremos.
Não encontramos, nos relatos do
tempo, ecos evidentes da agitação de ideias que se verificou
especialmente em Lisboa e teria uma tão influente projecção no
incremento da partida republicana. Em Aveiro, não se pressente a
infiltração da nova parcialidade, aliás
ainda sem qualquer vislumbre de
organização aglutinadora, que só viria a verificar-se, tempos
depois, por iniciativa de Homem Cristo, a quem se ficaram devendo os
princípios da constituição do partido.
As cerimónias puderam decorrer,
assim, sem qualquer sintoma de propaganda adversa aos poderes
constituídos, gizadas ou orientadas pelas entidades Oficiais, sem
intromissões que as perturbassem.
Andariam já os estudantes do liceu,
esses porventura com mais sangue na guelra, mas sem notória quebra
de irreverência ou propósito discrepante, a gizar o seu programa, em
acordo com o reitor quando à Câmara foi sugerido o dia 10 de Junho
como a oportunidade mais apropriada à inauguração de um edifício
escolar que a municipalidade mandara construir na Vera-Cruz.
A ideia partiu de Francisco Vitorino
Barbosa de Magalhães, aveirense que especialmente se tornou
conhecido pela actividade jornalística. Com efeito, deu assídua
colaboração ao «Campeão das Províncias», (onde, ainda aluno do
liceu, nascido em 1846, ao dobrar para o decénio de sessenta, se
estreou, e de que viria a ser redactor efectivo) e a outros
periódicos locais como o «Distrito de Aveiro», o «Parlamento» e
«Beira Mar», e ao semanário viseense «O Viriato», onde fez inserir,
além do mais, dois romances, em folhetins: – «A Rosa do Adro» e
«Mistérios do Coração» hoje caídos em espesso esquecimento, mas que
parece terem despertado e comovido as sensibilidades românticas dos
leitores ou leitoras do periódico.
Funcionário da Fazenda por
profissão, desempenhou largo tempo, com infatigável solicitude,
funções de correspondente de diversos diários, como o «Jornal de
Notícias», a «Actividade», o «Diário Popular» e o «Correio da
Tarde». Farejador dos acontecimentos, pressuroso em transmiti-los
ainda palpitantes, a desabrolhar aos primeiros raios da aurora,
minucioso no seu relato, e assim ganhando jus a que, entre faceta e
familiarmente lhe chamassem o «Francisquinho das Notícias», este
aveirense estimável, como todos aqueles que se situaram já na
penumbra do segundo plano, ficou mais pelo apelido, que José Maria
Barbosa de Magalhães e, depois, com maior evidência ainda, o filho e
homónimo deste, altamente ilustrariam, do que pelos seus méritos e
acção próprios.
E, entretanto, a par da produção
literária, de efémeros ecos, caduca cama as notícias que se
apressurava a difundir, frescas como as colhera, reuniu no «Campeão»
um «Cancioneiro Popular», que, porventura, valeria uma exumação
total ou parcial, e dava sugestões, por vezes adoptadas e úteis.
Assim, sucedeu, que se aproximavam
as comemorações do centenária camoniano, e nada se prenunciava que
ficasse a assinalar materialmente, como um
/ 54 / acontecimento concreto
e perduradouro, a quota parte de Aveiro nessas demonstrações de
exaltação patriótica.
Em 16 de Abril, desse ano de 1880,
Francisco de Magalhães, com ou sem prévio contado oral, dirigiu-se
ao presidente e vereadores: «Constando /.../ que está próxima a
conclusão da casa da escola que essa ilustre e zelosa corporação
mandou edificar no largo da Vera-Cruz, e tendo lugar no dia 10 de
Junho próximo futuro a solene comemoração do tricentenário do nosso
primeiro épico – Luís de Camões – a maior das nossas glórias pátrias
– que por toda a parte se preparam para festejar, entende o
signatário que é essa a melhor data em que deve ser inaugurada
solenemente a nova escola».
E, como o tempo já não sobejava,
completava a sugestão, que a municipalidade acolheu com simpatia e
pronta anuência, para, no caso de esta se verificar, não se
protelarem os convites aos possíveis intervenientes na sessão
inaugural. Era conveniente dar-lhes tempo bastante, «aos cavalheiros
que quisessem abrilhantar (as cerimónias) com discursos, poesias ou
recitações, tão patriótica festa da civilização», para se
prepararem».
A Câmara tinha então a exercer a
presidência o vice-presidente, José Antunes de Azevedo, comerciante,
estabelecido na Praça do Comércio. Antes chamava-se a Praça do Pão,
mas, porque contígua aos Arcos (e já essa circunstância a
distinguia) e a de maior movimento para o negócio, designavam-na
como se fosse singular, singelamente despida de qualquer aposto
toponímico identificador, e, pois, por «A Praça», tout court.
Homem prático, não subestimando o
valor das letras nem de outra qualquer forma de cultura, antes o
prezando no sentido de o fruir não só se ilustrando, mas conduzindo
os filhos – um dos quais um aveirense de evidência, o Dr. António
Emílio de Almeida Azevedo – promoveu, sem pressas, mas sem perdas de
tempo, à proporção das disponibilidades dos sempre ratinhados cofres
municipais, mas com dignidade, as diligências preliminares para a
concretização da aprovada proposta.
E, após os contactos directos, o
assentar em troca de impressões orais, primeiro nas linhas mestras
e, depois, nos pormenores do programa, para só então, pôr «o preto
no branco».
Em 29 de Maio, oficiava ao
Comissário de Estudos do Distrito de Aveiro, o Dr. João de Moura
Coutinho de Almeida de Eça, que era também reitor do liceu.
Oficialmente lhe participava que a municipalidade, desejando
«associar-se ao pensamento geral e aos outros municípios do país»
resolvera escolher o dia 10 de Junho «para a inauguração da nova
casa da escola da freguesia da Vera-Cruz, convidando para esse acto
as autoridades da cidade e concelho, e principalmente o pessoal
docente do liceu e todos os professores primários desta
circunscrição».
Solicitava-lhe o parecer e conselho
sobre os pormenores da projectada comemoração camoniana certo que
«com a maior boa vontade se dignaria coadjuvá-lo neste empenho, como
é próprio do seu patriotismo e amor das boas-letras», e para que os
festejos da iniciativa camarária em tudo se harmonizassem com a
celebração promovida pelo liceu.
Solicitava-lhe ainda que se
encarregasse do discurso da inauguração ou indicasse o professor ou
professores a quem fosse confiada essa missão.
A 4 de Junho, foram expedidos os
convites às autoridades e, em 7, estabeleceu-se definitivamente o
programa. Foi redigido, textualmente, nos seguintes termos:
Art. 1.º – No dia 10 do corrente mês
terá lugar a fim de celebrar a comemoração do tricentenário de
Luís de Camões, a inauguração da escola para os dois sexos, que
esta Câmara mandou construir no Largo da Vera-Cruz, para os alunos
desta freguesia.
Art. 2.º – Pelas 9 horas da manhã do
mesmo dia, uma banda marcial percorrerá as ruas da cidade, indo em
seguida colocar-se no dito largo da Vera-Cruz, em frente do edifício
da Escola.
Art. 3.º – Para a inauguração serão
convidados, além do Ex.mo Governador Civil do Distrito, e
demais autoridades do Concelho, o pessoal docente do Liceu e
Seminário, a imprensa, os professores da instrução primária, de
ambos os sexos, deste Concelho, e mais pessoas distintas da cidade,
que é da praxe e costume convidar para tais actos.
Art. 4.º – Às 11 horas da manhã
sairá do edifício dos Paços do Concelho a Câmara Municipal,
acompanhada de todas as autoridades, professores e demais
convidados, que, para esse fim, ali estiveram reunidos, dirigindo-se
à dita casa da escola, pelas ruas da Costeira, dos Mercadores,
travessa da mesma rua, rua de José Estêvão, da Vera-Cruz, e largo do
mesmo nome, entrando pela porta principal da escola, cuja chave será
previamente entregue ao Ex.mo Comissário dos estudos,
pelo Presidente da Câmara, para a cerimónia de abertura da mesma
escola, à qual fará guarda de honra o destacamento estacionado nesta
cidade. As autoridades e convidados, que não se reunirem nos Paços
do Concelho, entrarão no edifício da escola pela porta do lado
esquerdo.
Art. 5.º – Na sala da dita escola
tomarão lugar: no topo, e tomando a presidência, o Ex.mo
/ 55 / Comissário dos
estudos, rodeado pelo corpo docente do Liceu e Seminário, tendo à
sua direita o Ex.mo Governador Civil, e seu Secretário
Geral, e a Câmara Municipal, e, à sua esquerda, todas as mais
autoridades da cidade. O estandarte Municipal será colocado à
direita da mesa da presidência. Em seguida à Câmara Municipal, e
fazendo parede, pelo lado direito da sala, estarão as professoras de
instrução primária do Concelho e, em frente, do lado esquerdo, os
professores do Concelho. Os convidados tomarão lugar em frente da
presidência. Haverá duas mesas para os conferentes que quiserem
discursar sobre o objecto do dia e acto, depois de obterem,
previamente, da presidência, a palavra.
Art. 6.º – O Ex.mo
Comissário dos estudos, presidente da assembleia, fará o discurso da
inauguração. Logo que ele, no fim dos discursos dos conferentes,
declare inaugurada a dita escola, subirão ao ar girândolas de
foguetes, e repicarão os sinos dos Paços do Concelho, tocando o hino
nacional a banda marcial, colocada no largo da escola.
Art. 7.º – Terminados os discursos,
dos que, para isso, obtiveram permissão do Ex.mo
Presidente, será dado por concluído o acto, voltando aos Paços do
Concelho a Câmara, autoridades, professores e convidados, pela mesma
forma, e pelas mesmas ruas por que se dirigiram à escola. O
Estandarte Municipal, tanto à ida, como à volta, será levado por um
cavalheiro para esse fim especialmente convidado.
Art. 8.º – Chegada a Câmara,
autoridades, professores e convidados, aos Paços do Concelho, a
Câmara tomará o seu lugar, ordenando o presidente dela ao seu
Escrivão que leia o auto da cerimónia, que será exarado no livro das
sessões municipais, e assinada pela Câmara, e todos os presentes –
feito a que se dará por terminado o acto.
Aveiro e Secretaria da Câmara
Municipal, 7 de Junho de 1880.
Fachada principal da Casa da Escola de
Instrução Primária, na freguesia da Vera Cruz.
Da forma como se deu efectivação ao
programa deixaram registo os periódicos locais – «para que se saiba
no país que Aveiro tomou parte também na grandiosa manifestação do
dia 10». (2)
Sigamos, assim, um desses
circunstanciados relatos. E sintetizemo-lo: «A manhã acordou ao som
dos hinos nacionais, que uma banda marcial soltava pelas ruas da
cidade, por iniciativa da comissão de estudantes do liceu». Porque,
diga-se, o corpo discente daquele estabelecimento de ensino
organizou, em cooperação com os professores, e paralelamente à da
municipalidade, uma comemoração da efeméride, que tomara tão
empolgante projecção e penetração.
«O largo municipal – prosseguia a
reportagem do mesma órgão da Imprensa aveirense
(3) – apareceu vistosamente
embandeirado. No centro elevava-se um formoso adorno, cercado de
galhardetes, sob cada um dos quais se viam datas comemorativas. Na
fachada do liceu, em grandes letras encarnadas, lia-se a palavra «Camões».
No Largo da Vera-Cruz (hoje
denominado Largo do Capitão Maia Magalhães), a decoração fora gizada
no mais estreme estilo da época. Aliás, a descrição, também
rigorosamente fiel aos empolados gostos de então, com ela se
harmonizava inteiramente: «...em volta do elegante edifício da
escola municipal – o elegante edifício é o mesmo que ainda hoje lá
se encontra em ruína e agora consideramos extremamente modesto, se
não mesquinho – tremulavam muitas bandeiras, cujos mastros se
ligavam entre si por festões de murtas e flores».
Decepcionantemente, «a manhã estava
triste». E, pior, «ameaçando aguaceiros eminentes». Mas, de muito
vale a vontade, ou a fantasia de um cronista imaginativo: «No
entanto, os hinos da festa atroavam os ares e as girândolas de
foguetes que estoiravam no ar mantinham na linha de respeito as
nuvens acasteladas».
O programa cumpriu-se como fora
prescrito. Saiu o cortejo, ao meio-dia prefixo, e rompeu ao som dos
repiques dos sinos da torre dos Paços do Concelho, como é da velha e
subsistente regra. Somente o cortejo, no tom de circunstância do
narrador era mais pomposamente «o préstito», como convinha à
dignidade da comemoração.
À boa maneira idealista, porque a
escola era tida como um templo, o cívico préstito de preito
camoniano ia «sagrar a escola», enquanto o povo, que nem sempre
tinha festas daquele tomo, num tempo de muito escassas distracções,
«se apinhava em volta da gentil construção». E, entregue a chave,
como no programa se prescrevia, ao Comissário dos Estudos, doutor de
capelo e borla, e que desse atributo se não dispensava de acompanhar
a assinatura onde quer que a exarasse – o Doutor João de Moura
Coutinho de Almeida Eça – , este abriu a porta.
Claro que o cronista teria de afinar
todo o relato do histórico acontecimento pelo mesmo diapasão de
ataviada linguagem, para revelar a magnitude e projecção da
cerimónia: «Abriu-se a porta do templo e os sacerdotes entraram».
Evidentemente que entre estes
sacerdotes tinha lugar o clero, desde o Vigário-Geral da ainda não
extinta diocese, ao corpo docente do Seminário e demais cleresia
citadina, mas, ali, o «Sacerdos Magnus» era o Dr. João de Moura, e
oficiantes os oradores que
/ 56 /
mencionaremos, o venerando Manuel José Mendes Leite – o intrépido e
impoluto soldado da liberdade que, sendo a mais insigne e respeitada
figura de Aveiro, conduzira o estandarte municipal –, os camaristas,
as autoridades civis e militares, o professorado.
Abriu a sessão o Comissário dos
Estudos, que proferiu «um bem ligado discurso» sobre a instrução e
sobre a festa do dia, e, «em frases dignas do seu muito
cavalheirismo e cortesia, endereçou à Câmara as suas felicitações».
Seguiram-se no uso da palavra:
António Maria dos Santos Freire – «um dos mais distintos professores
do país», na qualificação do noticiarista a que vimos arrimados –;
José Reinaldo Rangel de Quadros – «que recitou uma das suas formosas
produções poéticas».
Francisco de Magalhães, que, como
vimos, lançara a ideia de assinalar-se a data da inauguração do novo
edifício escolar, achou que não podia ficar silencioso na cerimónia
que a consagrava: «Sabendo que estava prestes a conclusão deste belo
edifício, concebi a ideia de ser inaugurado neste faustoso dia em
que a nação paga uma dívida enorme ao imortal cantor das nossas
glórias, e por isso, tomei a liberdade de apresentar à nossa ilustre
vereação uma proposta que ela benevolamente acolheu, e mais
brilhantemente efectuou, pelo que não posso deixar de tributar-lhe o
meu eterno reconhecimento».
Ao saudar, com exuberante júbilo,
aquele «dia festival», salientou: «Portugal não podia deixar de
festejar condignamente este dia como um dos principais da sua
brilhante história, e para que a mocidade – esperança da Pátria – e
o povo – tesouro da Nação – aprendessem a venerar aquele nome, como
o do mais ilustre varão, que pôs todo o empenho em tornar grande o
ninho seu paterno! E Aveiro, que se ufana de possuir aquela
que se aponta como sendo a Natércia de Camões, não podia deixar
despercebida esta data gloriosa».
Outro orador, poeta festejado e
filigranador da prosa com minuciosos esmeros, Fernando Vilhena,
quintessência as superlativações e encómios:
«A terra em que nasceu a mais
brilhante manifestação do génio e da inteligência humana, José
Estêvão Coelho de Magalhães, vai hoje inaugurar uma escola abrindo à
sacratíssima legião da infância mais um horizonte luminoso».
E na sua maneira ditirâmbica, ao que
parece de tanto agrado e aplauso dos auditórios de então, subia nos
mais altos voos retóricos:
«Augusta sagração da verdade!
Sublime festa da Ciência é esta, em que a chave de oiro do mais
acrisolado civismo vai abrir as portas do sacrário da instrução.
Soberbo facho de luz ilumina de um só jacto os domínios da
escuridão, sepultando nos abismos o demónio da ignorância».
Os últimos discursos da sessão, de
certo mais sóbrios, mas de que não topamos qualquer transcrição,
foram proferidos por Barbosa Ponce Leão e pelo aveirógrafo Marques
Gomes, sempre presente nas celebrações das datas históricas e nos
grandes momentos da sua terra.
Foi depois reorganizado o cortejo e,
na sala das Sessões dos Paços do Concelho, onde as principais
entidades se dirigiram, lavrado, lido e assinado o auto da
inauguração que integralmente transcrevemos:
Auto da inauguração da Caza da escola de instrução primária, para os
dois sexos, da freguesia de Vera-Cruz, construída no largo do mesmo
nome.
Anno do Nascimento de Nosso Senhor
Jesus Christo de mil e oitocentos e oitenta, aos dez dias do mez de
Junho do dito anno, nesta cidade de Aveiro, e Paços do Concelho,
achando-se reunida na sala das suas sessões a Câmara Municipal sob a
presidência do seu Vice-Presidente, o Sr. José Antunes d'Azevedo, e
estando assim presentes os vereadores da mesma, Ribeiro, Simões,
Santos Gamellas e Carlos Guimaraens, diversas auctoridades, o Ex.mo
Comissário dos estudos, professores do Lyceu, do Seminário e de
instrução primária do Concelho, representantes da Imprensa, e outras
pessoas convidadas, todos abaixo assignados, disse o Snr. Presidente
que, estando designado o dia de hoje para a inauguração da escola
para os dois sexos que a Câmara mandara construir no largo da
Vera-Cruz, comemorando, por esta forma, o tricentenário de Luiz
de Camões – o grande e immortal épico –, cujo poema tornaram
immorredouro o nome portuguez, convidava todos os presentes a
acompanharem a Câmara nesse acto solemne.
E logo pedindo ele Snr. Presidente
ao Ex.mo Manoel José Mendes Leite que se dignasse tomar o
estandarte municipal, o qual se achava arborado na salla atraz delle
seguiram a Câmara e todos os convidados pelas ruas da Costeira, dos
Mercadores, travessa dos Mercadores, ruas de José Estevam e da
Vera-Cruz, e largo do mesmo nome, dirigindo-se ao edifício da
escola. E ali convidando o mesmo Snr. Presidente o Ex.mo
Comissário dos estudos e Reitor do Lyceu a assumir a presidência, e
tomando todas as autoridades, funccionários e convidados, os lugares
que lhes estavam assignados no respectivo programma, o referido
Commissário dos estudos,
/ 57 / o Ex.mo Dr.
João de Moura Coutinho d'Almeida d'Eça, fez um discurso proprio da
occasião e ausivo ao acto, dando em seguida a palavra a diversos
cavalheiros que, para esse fim, a pediram. Findo o que o Ex.mo
Comissário declarou inaugurada a escola para os dois sexos,
construída no largo da Vera-Cruz, e voltou a Câmara, autoridades,
funccionários e convidados, pela mesma forma e peIas mesmas ruas, a
esta salla das sessões camarárias, onde o Snr. Presidente mandou que
se lavrasse este auto, que para constar foi escripto por mim, por
ordem delle, e vai ser assignado pella Câmara, e todos os presentes,
depois de lido por mim Francisco de Pinho Guedes Pinto, escrivão da
Câmara, que o escrevi e assigno.
José Antunes d'Azevedo
José Maria Ribeiro
Manoel Nunes d'Oliveira Sobreiro,
Adm.or do Concelho, Manuel Rodrigues Simões, José dos
Santos Gamellas, Carlos da Silva Mello Guim, Dr. João de Moura
Coutinho Alm.da d'Eça, Manuel Batista da Cunha, Professor
do Seminário, Calisto Simões da Costa, idem, Alexandre José da
Fonseca, idem, José Candido Gomes de Oliveira Vida, idem, António
Vilas Boas Salgado, Comandante militar, o Juiz de Direito da Comarca
Barão de Paçô Vieira, Francisco Augusto da Fonseca Regala, João J.e
Per.ª de Sousa e Sá, professor do Iyceu, Visconde da Azinheira,
Elias Fernandes Pereira, professor do Iyceu, Abílio César H.es
d'Aguiar, idem, Adriano Monteiro, Secrtr.º, Alfredo Gouvêa Osório,
thesour.º pagador do Distrito, João Maria Garcia, 1.º Substituto do
Juiz Ord.º d'Aveiro, Alvaro de Moura Coutinho d'Almeda d'Eça –
professor do Iyceu, Manoel Ferr.ª Corr.ª de Souza Escrivão Faz.da,
José Pereira de Carvalho, P.e Manuel Ferreira Pinto de
Sousa, Anacleto Pedro da Cunha, Joaquim de Mello Freitas, Francisco
Augusto de Paixão, Jozé António de Resende, Francisco José Barbosa,
Francisco Victorino Barbosa de Magalhães, J.e Augusto
Marques Gomes, Fernando de José Maria Barbosa de Magalhães, Alfredo
Rangel de Quadros, António Ponce de Leão Barbosa, António Maria dos
Santos Freire, Professor d'ensino primário, Agostinho D. Pinheiro e
Silva, Manoel José Mendes Leite, José Fernandes Mourão; Commissão
Escolar, promotora dos festejos do tricentenário de Luiz de Camões:
Manoel António de Sousa, Anselmo Augusto Maria da Silva, José
Rodrigues d'Ameida, Joaquim Alfredo Mourão, António. Rodrigues Cosme;
Júlio Alfredo Lourenço, professor d'instrução primária, José
Reynaldo de Quadros Oudinot, Manoel António Loureiro de Mesquita,
Silvério Augusto Barbosa de Magalhães, Domingos dos Santos Gamelas,
Arthur Ravara, Manoel José Marques da Silva Tavares, J.e
Ferreira da Cunha e Souza, João d'Almeida Vidal, professor de
Instrução Primária, Francisco de Pinho Guedes Pinto.
/ 58 /
As comemorações promovidas pelo
liceu efectuaram-se à tarde.
Organizou-se uma comissão de
estudantes com a seguinte constituição completa: presidente, José
Gerardo Vieira; vice-presidente, José Fernandes Mourão; secretário,
Anselmo Augusto Maria da Silva; tesoureiro, Manuel António de Sousa;
vogais, Joaquim Alfredo Mourão, António Rodrigues Cosme e José
Rodrigues de Almeida.
O programa elaborado pelos jovens
estudantes que foram naturalmente permeáveis à propaganda, que
tomaria nítida feição republicana, lançada em Lisboa, para as
celebrações do centenário – iniciou-se às três horas da tarde – hoje
diríamos pelas quinze – com a distribuição pelos presos da cadeia de
um abundante jantar. Aliás, os reclusos, já que a cadeia se
encontrava instalado no andar térreo dos Paços do Concelho, eram,
por assim dizer, vizinhos do liceu. De qualquer modo, era muito
apropositado o comentário do cronista da época, acentuando que tinha
sido um «acto altamente comovente e que muita honrara os sentimentos
da mocidade estudiosa».
Duas horas depois, no salão da
biblioteca do Liceu – «magestosamente adornado» e em frente de cuja
entrada se erguia o busto de Camões – efectuou-se uma sessão solene.
Usaram da palavra o Reitor – o mesmo
Dr. João de Moura Coutinho de Almeida de Eça –, Abílio César
Henriques de Aguiar, José Reinaldo Range! de Quadros – que recitou
uma poesia intitulada «Luís de Camões», no dia imediato lido no
Palácio de Cristal, no Porto -, Marques Gomes – que pronunciou um
discurso histórico acerca de D. Catarina de Ataíde –, Fernando de
Vilhena, Silvério Augusto Barbosa de Magalhães, de novo Rangel de
Quadros, declamando outro poema da sua autoria, e a encerrar, pela
segunda vez, portanto, o Reitor.
Entretanto, no termo de cada
discurso, a «orquestra académica», regida por João Rodrigues Franco
Júnior, executou uma composição e, segundo o narrador que temos
acompanhado, «com escrupulosa afinação, cuidadosa regência e
admirável certeza».
Pertenceram ainda à iniciativa da
citada comissão de estudantes, as festas realizadas à noite.
A fachada dos Paços do Concelho foi
iluminada ao gosto da época, e, bem assim, o Largo Municipal, com
invulgar profusão de lumes.
Assim se deduz do registo do
acontecimento, mesmo descontando a propensão para o encómio
exagerado do cronista, de tão regurgitante veia literária e que não
se dispensou de assinalar a «admirável iluminação»: «nunca, talvez,
nesta cidade, pródiga em festas, se viu iluminação mais vistosa».
Esta estendia-se, logicamente, à
frontaria do edifício do liceu, onde «brilhava em cintilações
formosas a palavra «Camões».
Resta acrescentar que, quer a Banda
Aveirense quer a da Vista Alegre, executaram, alternadamente, com
todos os primores de que eram capazes, ao longo de algumas horas, as
melhores peças dos seus reportórios.
Não seria nem fácil nem aconselhável
num trabalho sem pretensões exaustivas – pois que apenas se propõe
apresentar um conspecto pouco mais de objectivamente enunciativo da
participação aveirense na celebração que tanta influência tomaria no
incentivo do proselitismo dos ideais republicanos – tentar um rol,
próximo do completo, dos aveirenses – lato sensu – que
deixaram produções em prosa e/ou em verso, por publicações de
ocasião ou periódicos, nesse momento de glorificação do Épico
Nacional e de acendrada exaltação patriótica.
Apontaremos, todavia, alguns jornais
a que topamos referência, ou mesmo conhecemos por algum raro
exemplar. E referiremos não apenas os que ao acontecimento tão geral
e relevantemente consagraram, na Imprensa, números especiais,
integralmente dedicados a Camões, mas ainda um punhado dos que,
embora não de forma exclusiva, incidiram salientemente na fausta
memoração da efeméride.
Aludiremos, assim, em primeiro
lugar, a alguns números sucessivos (2892 a 2896) do «Campeão das
Províncias». A primazia seria devida, para além de haver sido o
jornal que mais desenvolvida e demoradamente se deteve sobre o
grande acontecimento nacional, por se tratar do decano dos jornais
da cidade e do distrito.
De alguns desses números nos
socorremos já e com eles continuaremos a abonar-nos. Do primeiro dos
mencionados, porque de Aveiro mesmo ou da circunscrição
administrativa que a tem por capital eram, por nascimento ou
adopção, os colaboradores, relacioná-los-emos um a um.
Todos, mais ou menos, em diversos
sectores de actividade, com maior ou menor constância e préstimo,
prestaram serviços à sua terra e nela tiveram notoriedade.
Aliás, dessa edição da tão difundido
e creditado periódico aveirense – que constitui, sem dúvida, um
muito apreciável espécime camoniano, ainda que compreensivelmente
ditirâmbico, porventura mais em jeitos de aureolação histórica do
que com intuito de valorativa apreciação de crítica literária –
extratamos, para o final desta notícia exumativa, o poema de
Francisco Joaquim Bingre – já aí repetido, que não ainda inédito,
mas quase ignorado. Segundo julgamos, bem merece ser trazido à luz
da ribalta mais uma vez neste ainda que modesto teatro das letras.
/ 59 /
Com representar uma contribuição
para divulgar a produção bingreana e numa mal conhecida faceta do
festejado e longevo árcade, que pelo seu pseudónimo de «Francélio
Vouguense» e depois com o mais popularizado de «Cisne do Vouga»,
tanto ficou ligado à região aveirense, constitui uma crítica
severíssima a José Agostinho de Macedo, e ao seu pretensioso
«Oriente», em que inflado pavorescamente se propunha «fazer esquecer
o que há na repartição das Epopeias até agora».
(4)
|
|
Francisco de Joaquim Bingre. |
Nesse escalpelar do poema, sem que o
autor famoso da «Besta Esfolada» e outros contundentes panfletos do
mesmo teor e vigor, «julga que conseguiu a possível
perfectibilidade, e que não cabe mais nas forças humanas»
(5), com a
exaltação reabilitadora de Camões, reduz-se, com o exagero da
sátira, a vanglória fátua e petulante a proporções de rasteira
inspiração.
Na verdade. como lucidamente
acentuou Castelo Branco Chaves
(6) «Julgando (José Agostinho) que
a posteridade o veneraria como poeta e, deliciada e atenta, se
debruçaria sobre os seus poemas, comunga dessa estrondosa quimera do
amor próprio, que é a celebridade, tendo sido justamente o mau poeta
que tem feito esquecer e desprezar nele o polemista insigne, o
panfletário vigoroso, másculo e pitoresco, o satírico admirável, o
critico sensato, erudito e penetrante que, de facto, foi».
Crítico, mas não autocrítico com
agudeza e bitola válida, não sabemos o que porventura haja ripostado
e com que verrina e faceta veia ridicularizadora, ele que era todo
«rebeldia, orgulho, vaidade, intolerância, sarcasmo /.../, uma
organização especialmente apta para a inteligência discursiva,
dentro da qual iria criar, entre nós, um novo género – o panfleto
político – a que deixou vincado o nome e a marca da sua natureza
apaixonada e violenta».
(7)
Sabemos também que outro órgão da
Imprensa aveirense, «O Distrito de Aveiro», semanário fundado por
José Estêvão e órgão local do tribuno, igualmente com bastante
audiência e circulação, em diversas oportunidades vigoroso
antagonista do «Campeão das Províncias» – consagrou à efeméride,
integralmente, a sua edição relativa à própria data (n.º 865), e, em
grande parte, a da semana imediata.
Nesta inseria circunstanciado relato
das comemorações aveirenses, redigido pelo próprio director do
periódico, nesta segunda fase da sua existência, António Augusto de
Sousa Maia.
Na primeira publicava, além de um
artigo, «Duas Palavras», do mesmo Sousa Maia –autodidacta que
apurara a pena na tarimba esforçada da Imprensa – e produções do
redactor principal do semanário, Agostinho Duarte Pinheiro e Silva,
(«Homenagem a Camões»), de Marques Gomes, António Marques dos
Santos, F. Vieira, J. F. Silva, Ivo Augusto, G. de Castro e Rangel
de Quadros.
Este operoso investigador,
indevidamente esquecido, aliás, versejador de pouco comum
facilidade, por igual dedicado às rimas mais copiosas e densas que
inspiradas, e à historiografia local, espalhou por diversas
publicações as suas produções camonianas, suscitadas pelas
celebrações centenárias.
Ficou-se-lhe mesmo a dever um número
especial de «A Verdade», de Oliveira de Azeméis, preenchido quase
inteiramente com trabalhos seus, em prosa e verso.
Temos ainda conhecimento de apenas
um outro hebdomadário do distrito que fosse dedicado integralmente
(ou quase) ao centenário de Luís de Camões – a «Soberania do Povo»,
de Águeda, ao tempo dirigida por Albano de Melo.
Provavelmente outros teriam tomado
similar iniciativa mas não nos foi possível, nem porventura
importaria aos propósitos restritos desta desambiciosa notícia
evocativa, fazer uma averiguação de pormenor.
Passaremos, assim, a gizar um rol,
também necessariamente muito lacunar, mas que dará uma ideia do
interesse e da participação de que deram provas os aveirenses com
mais ou menos firmados créditos nas letras ou na vida pública da
época.
Na circunstância – como, aliás,
noutras idênticas – considero aveirenses não apenas os efectivamente
naturais
/ 60 /
da cidade capital do distrito, mas de diversos concelhos da
circunscrição administrativa, e, pois, na mesma relação, sem
qualquer estulto propósito de absorção usurpadora, mas também sem
discriminação, já que o distrito só se valoriza e realça quanto mais
na sua variedade, de tão rica gama de tons, panorâmicos, humanos, de
actividades económicas o aponto.
Dispenso-me, neste passo, como é
lógico, de repetir para vários deles, alusões já anteriormente
efectuadas, mesmo muito sucintas, como a índole deste registo
rememorativo recomenda.
Darei primazia, pelo número de
produções e, até, em geral, pelo mérito literário, à menção ao
poeta, ensaísta, jornalista, antagonista de Camilo numa das suas
agrestes e famosas polémicas (na qual se não abitolou pela estatura
do genial contendor, mas não fez mesquinha figura), engenheiro de
ofício e provadas aptidões – o ilhavense Alexandre da Conceição.
Andam arrolados poemas e produções
em prosa desse ardoroso e arguto combatente e doutrinador dos ideais
republicanos, não apenas vindas a lume em jornais aveirenses – e
lembre-se que Alexandre da Conceição foi um dos nomes que Homem
Cristo levou a figurar no primeiro período do «Povo de Aveiro». Em
jornais de fora de Aveiro, regista-se-lhe colaboração – que
conseguíssemos apurar – nos seguintes, de maior ou menor projecção e
sobrevivência:
«O Primeiro de Janeiro» (n.º 135 –
XII ano); «Distrito da Guarda» (número comemorativo); «Progresso de
Lisboa» (n.º 1017 – IV ano); «Comércio da Figueira» (n.º 124 – I
ano); «Correspondência de Coimbra» (n.º 45 – IX ano); «Bejense»
(folha extraordinária comemorativa).
Da sua obra «Alvoradas» (Porto,
1875) já se lhe cita um poema, «A Camões», iniciado do seguinte
modo: «Influência fatal da tua estrela! Há destinos assim, e o teu,
poeta, quase nos faz descrer da Providência»...
Figura também na «Descrição da Festa
do Tricentenário /.../ pelo Retiro Literário Português do Rio de
Janeiro», e também nas «Outonais» (Porto, 1880, pg. 22) o seu estro
retoma o Épico Nacional como tema.
Albano Coutinho, bairradino de
irradiante idealismo republicano e primeiro governador civil de
Aveiro após a implantação do regime de que foi prosélito devotado,
que conseguíssemos averiguar, deixou escritos de seu punho, nessa
oportunidade, em «O Comércio do Porto» e «O Comércio Português»,
ambos da capital do Norte, e ainda no «Partido do Povo» n.º 223, III
ano).
De Sebastião de Magalhães Lima – que
o facto de haver nascido no Rio de Janeiro não impede de incluirmos,
pelos laços paternos e os tempos moços aqui vividos, entre os
aveirenses de evidência – aparece-nos menção a um artigo no mesmo «O
Comércio Português» (N.º 131 – V ano) a par com dois outros,
incluídos no «Imparcial de Guimarães» (n.º 694 – IX ano) e em «A
Revista de Camões» (n.º 1).
O Dr. José Maria Barbosa de
Magalhães, que, numa larga fase da sua vida teve assídua actividade
jornalística, figura, nesse ensejo, também, além da participação no
«Campeão», entre os colaboradores de «O progressista», de Coimbra
(n.º 88 – IX ano) e de «O Progresso» de Lisboa (n.º 1018 – IV ano).
Neste igualmente veio inserto num artigo de José Eduardo de Almeida
Vilhena, um aveirense que alcançou uma posição de relevo no
jornalismo, não só da sua terra, mas na Imprensa diária da capital.
Dois poetas de maior mérito e
projecção, um nascido em Águeda, outro pelo coração e ascendência
paterna intimamente ligado a Aveiro (ambos com sua passagem mais ou
menos notória pela acção política, e nesse pendor exercendo a função
de governador civil do distrito) respectivamente Fernando Caldeira e
Luís de Magalhães, não deveremos neste enunciado olvidar.
Do primeiro anda mencionado um
«Brinde oferecido aos assinantes de «Moda Ilustrada», com o título
«A Luís de Camões», e não só com versos, mas também com música da
sua lavra. Aliás, em «Mocidades», três das poesias que incluiu no
volume são dedicadas ao autor de «Os Lusíadas».
Ao segundo, o filho de José Estêvão,
deve-se pelo menos, a poesia «As Navegações»
(8), recitada no Teatro Académico
de Coimbra no sarau literário ali realizado, na véspera da
inauguração do monumento a Camões.
Do já apontado José Reinaldo Rangel
de Quadros, nas fontes de que me socorro aparece ainda registada a
participação que deu à «Homenagem dos Poetas», emparceirando com
alguns nomes de evidência, e uma página solta, com o título «Três
Séculos», de um poema seu, extraído do «Álbum Literário».
José de Melo Freitas, emigrado no
Brasil, aí preenche um rodapé de «A Província de Minas», da cidade
de Ouro Preto. Intitula-o «O Tricentenário de Camões», e, conquanto
o não subscreva com o próprio nome, só depois desvendado, logo se
denuncia como homem da região de Aveiro, adoptando o pseudónimo – e
nele se envolvendo e ocultando como num gabão de Augusto Varino.
Outro aveirense nado – e, embora
desde muito novo ausente da terra natal, sempre fielmente a ela
ligado e solicitamente presente em todos os momentos em que a sua
cooperação era suscitada – o General Joaquim da Costa Cascais,
dramaturgo e poeta, professor de ensino militar, com bagagem,
predicados e a indulgência que justificassem a denominação carinhosa
de «Pai Cascais», que lhe davam familiar e afectuosamente os
discípulos – deverá ser citado neste já estiradíssimo, mas
naturalmente muito deficiente, rosário de nomes e trabalhos
literários com eles firmados.
/ 61 /
O General Costa Cascais, além do
poema que proporcionou ao «Campeão das Províncias», escreveu, pelo
menos, para uma homenagem poética a Camões, no «Diário de Notícias»,
colaborado por vários dos então mais conceituados cultores das Musas
– uns cuja memória persiste, outros caídos no olvido – o poema «Fiat
Lux», e ainda uma produção que teria estado nas causas da
inauguração do «monumento que à memória do egrégio poeta consagrou a
pátria reconhecida» – como se dizia no «Álbum de homenagens a Luís
de Camões», seleccionada colectânea do que nessa altura (1870) fora
publicado na Imprensa periódica.
Finalizaremos com uma renovada
menção a Francisco Joaquim Bingre, o já desde há longo tempo
falecido «Cisne do Vouga».
Poderia, além do que transcrevemos
no final desta notícia, arrolar desse longevo vate, diversas
produções de mais ou menos sedutora inspiração espalhados um tanto a
esmo em colectâneas póstumas das suas poesias. E desde, suponhamos,
um «Soneto inédito sobre a catástrofe de D. Inês de Castro» aos
«Quadros Pitorescos dos Mais Belos Episódios de Camões», desenhados
cada um em um soneto.
Foram publicados no jornal
«Civilizador» (9),
do Porto. Esses episódios eram os seguintes: 1.º – A Camões; 2.º –
Concílio dos Deuses; 3.º – A frota de Mombaça; 4.º – Súplica de
Vénus; 5.º – Morte de Inês de Castro; 6.º – Sonho de D. Manuel; 7.º
– O Adamastor; 8.º – Naufrágio de Sepúlveda; 9.º – Baco entrando nos
Paços de Neptuno; 10.º – Tritão; 11.º – Os Doze de Inglaterra; 12.º
– A Tempestade e 13.º – A Ilha dos Amores.
*
Como já acentuámos, não tivemos o
propósito de efectuar um trabalho exaustivo, que aliás redundaria em
dobradamente fastidioso.
Como apontamento de um facto,
digamos, uma curiosidade do passado local, colocada no devido grau
da escala dos casos do passado local, cremos que dá alguns
pormenores evocativos de algum interesse. Lembra o que e aqueles que
estavam esquecidos. Constitui, assim, de algum modo, um acto de
justiça à memória dos aveirenses que nos precederam e alicerçaram
com afervorada devoção, ainda que modestamente nas realizações
sempre aquém dos anelos, a Aveiro de hoje.
_____________________________________
NOTAS
(1)
– N.º 14. de 1-5-1882,
(2)
– Campeão das Províncias, n.º 2894, de 16-6-1880.
(3)
– Idem, idem.
(4)
– José Agostinho de Macedo, «Obras Inéditas», Vol. I, pg.
145.
(5)
– Idem, idem, pg. 148.
(6)
– Estudos Críticos, 1932, pg. 51.
(7)
– Castelo Branco Chaves, ob. cit., pg. 17.
(8)
– Coimbra, Imprensa da Universidade. 1881, Vol. 8.º de 19 págs.
(9)
– N.º 823. de 9-X-1872.
Vol. II. 1861-1862. pgs. 66-68 e
79-80. Voltaram a ser publicados no «Museu Camoneano», Porto
1880, pgs. 66-78.
EPÍSTOLA AO REVERENDO SENHOR JOSÉ AGOSTINHO DE MACEDO
Tu nihil magno doctus
reprehendis Homero?
Horat. Lib. 1 Saf. 10 – v. 52
|
José autor de versos bem rimados
(1)
Na lusitana incude assás
batidos,
E com lima subtil alguns
limados:
Que louvores, José, te são
devidos
Pelo longo romance que fizeste
Em doze cantos orientais
seguidos?
Como afoito de Homero a par
correste?
Que pincho sobre o épico
latino?!
Que tombo ao torto português não
deste?
Eu não sei como ergueste o épico
sino;
Mais que sete da alfândega tens
força
Pois que levaste o grão badalo a
pino:
E não se há-de encontrar, não,
quem te torça?
Ora eu sempre vou dar-te uma
carreira,
Bem que pulo dás maior que
corça.
Olha: se eu te galgar pela
dianteira,
Eu te farei palrar, pois que
insensato
Corres tanto pela íngreme
ladeira.
Como aqui te pilhei, eu vou-te
ao fato.
Tu, José, queres ser cisne
beócio?...
Tu, que em tanques comuns,
grasnando és pato?
Para boa te deu, José, teu ócio:
Quando te era melhor compor em
prosa
Coisinhas de fazer algum
negócio
/ 62 /
Tu embocas a tuba majestosa?
Nem gaita de pastor tocar tu
podes
Pela falda de Pindo
pedregosa.
Para poeta tu não
tens bigodes.
Se asas não te quis dar a mãe
natura,
(2)
Porque de cera as ícaras
sacodes?..
Temerário subiste à mesma altura
Do censurado torto; mas baqueias
De trambolhão na mesma audaz
censura.
Tu podes censurar mil epopeias;
Mas fazer uma, não. O teu
ORIENTE
Voa pesado e opresso de cadeias.
(3)
Camões, águia imortal, quando
ergue a frente
Emboca a tuba de oiro, e as asas
bate,
Vai no disco poisar do Sol
ardente.
Nasceu vate, foi vate e há-de
ser vate
Enquanto viva luz der Febo no
mundo,
Sem seu nome morder o cão que
Iate.
Se a muitos imitou, também
facundo
A muitos excedeu no dom divino
De um estro que talvez não tem
segundo.
Se ele ao grego cantor, cantor
latino,
Muitas vezes seguiu com seu
compasso
Mediu as dimensões com gosto e
tino.
E tu, José... Mas vamos passo a
passo.
Quem seguiste no teu poema
chamado?
Ah! meu padre, que assim me cais
no laço!
Não foi pelo caminho já trilhado
(4)
Do censurado vate, que levaste
Segunda vez o Gama decantado?
Dize, podes negar
que não furtaste
Muito pano a Camões com que
vestiste
O façanhoso Oriente, que
geraste?
Mas ah! quão
francamente tu cerziste
Os furtados remendos! As
costuras
Da remendada capa descobriste.
Tu censurando as imortais
pinturas,
Divinas cópias de um pintor
famoso,
Foste depois fazer mil
borraduras.
Seja a primeira um sonho
venturoso
Do rei, amado herói, que Ásia
enfeitada
Viu a seus pés depondo ceptro
honroso:
Ora dize, meu padre, esta
dedada,
Ou borradela, que em teu quadro
deste
Ao nosso grão cantor não foi
furtada?...
Dos verandos rios a colheste;
(5)
Tu as guardas viraste à
fechadura,
Pois fazê-la de novo não
pudeste.
Seja Ia segunda a célebre
pintura
(6)
Do bom velho de aspeito
venerando,
Que a tua pena roubou a quem
censura.
Mas vê com que energia, meneando
Por três vezes a fonte
encanecida,
Melhor que o velho teu foi
declamando.
E aquela pincelada de fugida
Que o levita profético lançam
Julgando não seria pressentida?
E pensavas, José, que me
escapara
Tapar coas mãos o ouvido, o
moiro imundo,
(7)
Que a Camões, canto dois, o teu
bifara?
E o cabo austral, medonho e
furibundo,
(8)
Transformado na feia idolatria,
Que fizeste surgir do pego
fundo?
Este furto, José, não se faria
Ao gigantão dos dentes amarelos?
Eu não sei com que cara andas de
dia.
No teu quadro ias dando uns
traços belos;
Mas como foste sempre um mau
padeiro,
Amassaste a farinha co’os
farelos.
Galo que canta tanto
em seu poleiro,
Faz tentar a raposa, quando
passa,
De assaltada lhe dar no
galinheiro.
Mandam as musas que eu justiça
faça.
O engano de Satã na ilha
encantada
Não é o mesmo engano de Mombaça?
(9)
Naquela do anjo mau acção danada
O justo Henrique mostra ao luso
Gama; (10)
Nesta Mercúrio aponta-lhe a
cilada.
E o fogo que na aldeia acende a
chama,
Não é o mesmo fogo que tu viste
(11)
Ateado em Camões na seca rama?
Ora repara bem como caíste
Também, padre José, censor
ufano,
Na mesma cova que em Melinde
abriste.
Ao velho rei insone melindano
(12)
Como Camões a história não
contaste
Da fundação do reino lusitano?
Porém, quão secamente lhe
narraste
Dos nossos lusos reis a heróica
história!
Como com ela ao sono
convidaste!...
O caso triste e digno de memória
(13)
Passaste, como gato passa as
brasas,
E outros, que aos reis dão fama,
e ao todo glória.
Mas os patos só dão
voadelas razas;
As altas são dessa ave, que
alevanta
Sobre o disco do Sol as pandas
asas.
Camões dos lusos reis a história
canta
Tu dos lusos reis a história
contas:
Teu Gama narra só, e o outro
espanta,
E as formigas, que tu, tontinho,
apontas
(14)
Entre as comparações também
roubadas?...
E de fazer o mesmo não te
afrontas?!
Olha que tão famosas
pinceladas
Vais dando em teu painel! que
finas tintas
Por tua mão grosseira
esperdiçadas!
Para que tu, José, me não
desmintas,
É que te vou fazendo
apontamentos
Dos furtos, de Camões, com que
tu pintas.
/ 63 /
O teu Gama lutou co’os mesmos
ventos:
Do Gama de Camões não é
diferente.
Senão em ser mais pobre de
ornamentos.
E foi isto compor originalmente?
(15)
Não havendo Lusíadas, de
certo
Não vinha à luz o celebrado
Oriente.
E foi isto fechar livros esperto
(16)
Para compor, sem ver, o teu
poema?
Ora sempre a Camões deixaste
aberto
De teu longo sermão
foi este...
E para neles teres venda boa
A censura meu padre
foi sistema.
Fugiste dos parceis; deste co’a
proa (17)
Nos escolhos, que o torto
embicar fora;
Não sei como surgiste à plaga
eoa.
Mas paremos aqui; vamos agora
Tesourar no romance um
bocadinho;
Tem paciência José, já que és
tesoura.
Isto acontece àquele que é
daninho,
Pois que, tendo de vidro o seu
telhado,
Vai atirar co’a pedra, ao do
vizinho.
Primeiramente o
título foi dado
Contra a melhor opinião
corrente,
(18)
Por ser da acção e não do herói
tirado.
Faltou depois no façanhoso
Oriente
A invocação também, regra
prescrita
(19)
N'alta epopeia ao vate
inteligente.
Qual é a musa tua que te incita
Ao épico furor? Mas um romance
De auxílio divinal não
necessita.
E queres que o leitor não durma
e canse
Co’a narração monótona que
fazes,
Sem encontrar um pouco onde
descanse?
Os episódios todos que tu trazes
São à força de malho ali
metidos;
De alegrar o leitor não são
capazes.
São férreos, secos são, nunca
floridos;
Não são filhos do génio, são
bastardos;
Vêm para ali os pobres
constrangidos.
Os marinheiros teus, os teus
soldados
Nunca têm um deleite, em mar
bonança,
Co’a narração de feitos
sublimados.
Enfastia, aborrece, amarga e
cansa
Longa viagem ao triste navegante
(20)
Se a algum prazer no mar a mão
não lança.
Que aventuroso o seu Quixote
andante
E os seus Sanchos encontram nas
florestas,
E nos cerros de assombro
nigromante?
Logo ao primeiro desembarque
entestas
Ao teu herói com colossal
figura,
(21)
Que no alto cerro aos nautas
manifestas
Quem, poria essa estátua em
tanta altura
Para o Tejo apontando? E quem na
base
Apontaria a profética escritura?
Mago vate inventor, magia faze
Nigromâncias fatídicas ião belas
Para o teu romance arraste e
traze...
E o portentoso tríduo das
donzelas
Pretas que iam no fogo ser
lançadas
(22)
Co’a carapinha ornada de
capelas?
Se não fossem as lúcidas espadas
Dos lusos em favor da natureza
Não livrava Veloso as
desgraçadas.
Nem se a viúva Malabar francesa
Te não lembrasse esta aventura
andante
Não tinha o teu Quixote esta
alta empresa.
E a outra tal da negra
Unhamba amante
A quem os dois pretinhos se
votaram
(23)
Por negro fado e negro amor
constante?
Por voluntária súcia se mataram
Todos os três amantes negregados.
Que temo raro os nautas dois
toparam!
Todos os teus pincéis são
ensopados,
Meu padre em negra tinta; em
lindas cores
Nunca uma vez sequer senão
molhados?...
Lá vai Veloso e os seus
exploradores
O templo descobrir no canto
quinto
Dos mausoléus dos reis e seus
horrores.
Este dos mortos funeral recinto
E seu bonzo ansião foi furtadela
Que tu fizeste a Fernão Mendes
Pinto.
(24)
A pincelada de Lindara bela
Que no grão mausoléu inchado
deste (25)
Foi tua, que eu conheço a
borradela.
Sempre és bem córneo! E coração
tiveste
Em fazer com que o rei matasse a
amante?...
Dar-lhe outra volta, padre, não
pudeste?
Não vês que da natura está
distante
Sem choque de paixão tão pronto
lance?
Ceder de a pôr no trono era
bastante,
Porém, importa pouco que eu me
canse
Em te inspirar ternura: é vã
empresa;
Deixemos tal, tornemos ao
romance:
Em tão comprida história uma
beleza
Não se encontra sequer, nem que
digamos:
– Benza-te Deus, José, que tens
viveza!
Ora um pouquito ver agora vamos
Todo o histórico fio: ou não
diviso
(26)
Causa nova: debalde a
procuramos.
Tu tens erudição, tu
tens juízo;
(27)
Não to nego, José, mas não tens
gosto;
És monótono sempre em teu
repiso;
Não tens outro
bordão nem outro encosto:
Os vindouros sucessos do Oriente
Mudam de personage,
e não de rosto.
(28)
Sonha lá D. Manuel:
Ásia potente
(29)
Lhe aponta logo ali glória
futura,
E o mesmo faz também o anjo
esplendente.
(30)
/
64 /
Em dois sonhos depois Henrique
augura
As ditas orientais e lhe repisa
(31)
Na Índia, do Gama teu, lusa
ventura.
O mesmo em sonho o Samorim
divisa
(32)
Em sonhos Alexandre ao Gama fala
(33)
E S. Tomé o mesmo profetiza.
(34)
No princípio em Belém já se não
cala
O levita ancião; iguais proezas
(35)
Aos nautas vaticina em voz que
estala.
No pedestal da estátua, as
portugueses
Acções orientais se vaticinam.
(36)
Em velhas letras garrafais
chinesas.
Enfim, por toda a parte se
amotinam
As proféticas ditas lusitanas
(37)
Com que tanto as cabeças se
amofinam.
Enfastiam quem lê tantas
indianas,
Repisadas acções mil vezes ditas
Por bocas divinais, bocas
profanas.
E és tu, ó padre meu, esse, que
gritas
Tanto contra Camões, que
degradá-lo
Do Parnaso, onde mora,
premeditas?
É ele o historiador ou tu? Abalo
(38)
Te não dá cair nesta
incoerência?
Qual dos dois narra mais? Pois
não me calo;
Eu já agora tomei por penitência
De ler até ao fim teu Oriente;
Hei-de falar verdade: tem
paciência.
A teu longo romance impertinente
A conta não farei qual tu
fizeste
(39)
Ao poema de Camões erradamente.
Tu faze-lo por história, lhe
abateste
O melhor que ele tem de alta
poesia,
E mesmo assim mordê-lo não
pudeste.
Eu sei contar, José; também
podia
Muita coisa abater no teu, se
história
Ele não fosse sem mais valia,
E a escritura que o
Gama na memória
Ao Samorim pagão meter pretende?
(40)
É maré de chegar à palmatória.
Este longo sermão não compreende
Cento e meio de oitavas
enfadonhas?
Chega a mão, meu José, leva e
aprende.
E quantas têm os cantos, em que
sonhas?
E as tuas narrações a quanto
montam?
Defeitos que tu tens, noutro não
ponhas.
(41)
Noventa oitavas, padre meu, se
contam
Na profecia do último santo
Apóstolo Tomé, que bem se
apontam:
(42)
Duzentos e sessenta e cinco –
tanto
Somam tuas proféticas estâncias:
(43)
Testemunho, José, não te
levanto.
Tem teus sonhos as mesmas
concordâncias,
O mesmo nível têm as profecias.
Curtas de umas a outras nas
distâncias.
E és tu, o padre meu, tu que
avalias
O poema de Camões? Tu que
tropeças
Pior, muito pior nas mesmas
vias?
E és tu, que aos céus os voos
arremessas?
Cisne, que espaços não trilhados
pisa? (44)
É bem que agora em trambolhão os
meças.
De Calecut ao porto finaliza;
(45)
Toda a épica acção do teu
romance.
Voltar à pátria o Gama não
precisa.
Deste descobrimento o heróico
lance
Não se sabe em Lisboa. Esta
certeza
Ficou só, meu José, ao teu
alcance.
O Tejo viu sair com gentileza
Por sua foz o Gama belicoso
Mas té agora jejua o fim da
empresa.
(46)
E acaso julgas tu não ser
forçoso
ser o rei, que empreendeu tão
alto feito,
Sabedor nesta acção do fim
ditoso?
Ora confessa, pois, que não tens
jeito,
Meu padre pregador, para poeta,
Bem que mordaz a declamar
afeito.
Eu bem previ que se virava a
seta
Contra ti mesmo que atiraste ao
torto,
Quando intentaste
transcender-lhe a meta.
Quiseste a fama
enegrecer de um morto,
Que, em três séculos quase, tem
luzido
Da eternidade no
seguro porto.
(47)
Quiseste o nome seu
ver abatido,
E remontar o teu n'alta epopeia,
Que julgaste melhor ter
concebido:
Vã presunção de alucinada ideia
Os teus olhos vendou. Assim
Faetonte
Tontinho se abrasou na luz
Febeia.
Subiste ao pico do Piério monte,
Tentando derrubar Camões do
cume;
Mas – caiste de lá quebrando a
fronte.
Ora pois, meu José, perde o
costume
De satírico ser, pois tens
borbulhas
Muitas para cortar com férreo
gume.
Tens-te feito um agressor de
bulhas
(48)
Pois na pousada idade tens mania
De andar feito malsim-fiscal de
grulhas.
Trazes tão embrulhada a
fantasia,
Que no prefácio teu no fim
mentiste
Em seguir como Tasso a recta
via. (49)
Se do Tejo com seu herói saíste
E com ele por fim lá não
entraste,
Como a ordem da história então
seguiste?
Que vergonha, José!... e
censuraste
O divino Camões?!... tu,
plagiário,
(50)
Que os melhores adornos lhe
furtaste!
Ora põe para ali o vestuário
Que é alheio também; despe-o na
praça,
Já que larápio és, meu censor
vário.
/ 65 /
Quem de Alcmena ao filho arranca
a moça?
Quem o louro a Camões da fronte
arranca?
Que temerário pode haver que o
faça?
Não se assustam os dois desta
carranca
Que vê o argueiro. O teu
Oriente
Em seus olhos não vê a grossa
tranca?
Tudo o que nele é mau, é
propriamente
Porto do teu bestunto
anti-poético,
(51)
E o bom é de Camões furto
evidente.
Ora pois, se morrer não queres
ético,
Vomita para aí esta verdade,
Que eu já não posso dar-te mais
emético.
Se de fazeres poemas
tens vontade,
Compõe outra famosa burricada
(52)
Que ali podes zurrar com
liberdade:
Esta epopeia, sim, não foi
furtada
Tu tens a glória de cantar os
burros,
És original cantor dessa burrada,
E o principal herói de eternos
zurros
Francisco Joaquim Bingre |
_____________________________________
NOTAS
(1)
– Segundo Aristóteles são degredados da classe dos poetas os que não
Incitam. A este rancho pertence o crítico Macedo.
(2)
– O padre Macedo nunca foi conhecido na Arcádia por poeta, mas sim
por um bom forjador de versos. A natureza não lhe conferiu aquele
dom divino de entusiasmo ou furor poético, que (segundo Platão) põe
em êxtase os verdadeiros poetas.
(3)
– Faltam no Oriente aqueles grandes arrebatamentos poéticos,
aquela doçura poética, que sabe mover os afectos, e fazer-se senhora
dos ânimos de quem lê, como pondera Horácio, Ep. de Art. poet.,
v. 99.
Non satis est pulchra esse
poemata: dulcia sunto;
Et cuoqumque voJa.nt, animam
auditoris agunto.
(4)
– Quem quiser ter a pachorra de coadunar o Oriente com Os
Lusíadas, conhecerá como este crítico alucinado imitou
servilmente a Camões, seguindo as suas pisadas e sujando com lodosos
pés o brilhante trilho do nosso poeta.
(5)
– Combine-se no canto 4.º de Os Lusíadas, a estância 71 com
est. 29 do canto 1.º do Oriente e ver-se-á se a Ásia, que
aparece em sonhos a D. Manuel não é imitação (ainda que
incomparavelmente menos brilhante) dos rios Indo e Ganges que, ao
mesmo rei, Camões fez aparecer em sonhos.
(6)
– Combine-se no mesmo canto 4.º de Os Lusíadas a est. 94 com
a est. 12 do Oriente no canto 2.º.
(7)
– Combine-se a est. 100 do 2.º canto de Os Lusíadas com a
est. 33 do canto 2.º do Oriente.
(8)
– Combinem-se as est. 31 até 36 do canto 7.º do Oriente com a
est. 39 e seg. do canto 5.º de Os Lusíadas.
(9)
– Combine-se o canto 5.º do Oriente com o canto 2.º de Os
Lusíadas.
(10)
– Combine-se a est. 14 do canto 5.º do Oriente com a est.
61 do canto 2.º de Os Lusíadas.
(11)
– Combine-se a est. 9 do canto 7.º do Oriente com a est. 49
do canto 3.º de Os Lusíadas.
(12)
– Combine-se o canto 8.º do Oriente desde a est. 2 até 44 com
os cantos 3.º e 4.º de Os Lusíadas até à est. 66.
(13)
– O episódio de Inês de Castro, que em Camões é uma pincelada de um
grande mestre, é em Macedo um borrão de um reles aprendiz.
(14)
– Combine-se a est. 35 do canto 4.º do Oriente com a est. 23
do canto 2.º de Os Lusíadas.
(15)
– Veja-se o que diz o A. do Oriente no discurso Preliminar,
pág. 48.
(16)
– Veja-se o dito discurso Preliminar, pág. 98.
(17)
– Veja-se o dito discurso Preliminar, pág. 97.
(18)
– É muito mais nobre aquele título, que mais se deduz do herói que
do lugar, porque este é o sujeito da acção e aquele a causa
eficiente. Vid. Freir. Poet.º 13.º cap. 5 – Escalg. Poet. 3.º cap.
97, na censura que fez a Lucano na Pharsalia.
(19)
– A invocação que é a 3.ª parte do poema épico na quantidade faltou
no Oriente. O seu autor se arremessou logo aos ares sem
socorro divinal. Não se lembrou da elegantíssima invocação de Tasso
à Musa celestial em uma belíssima oitava; e de Zarate, em seu poema
Invencion de la Cruz, invocando a mesma Cruz, com expressões
mais vivas e delicadas.
(20)
– O nosso Macedo diz no seu «Discurso Preliminar», pg. 99, que
lutara sempre contra a natural esterilidade da monótona viagem do
mar. Fizesse como fez Camões no canto 6.º em que Veloso diverte os
navegadores com o episódio dos 12 de Inglaterra, dando honra e fama
a seus naturais.
(21)
– Esta estátua do canto 3.º do Oriente, que no bico da serra se
patenteia ao Gama magicamente, em laivos de aventura andante, pois
não se decifra o modo ou razão por que ali foi posta.
(22)
– Este episódio do canto 4.º do Oriente foi tirado da
tragédia francesa – A Viúva Malabar.
(23)
– Quão inverosímil não é a catástrofe deste negregado tríduo amante
do mesmo canto 4.º do Oriente! Quão arrastado não entra ali
este episódio! Quão eloquente não é o negro que ainda resta vivo! Um
boçal discorre assim? Enfim, esta brutal catástrofe não inspira ao
leitor nem horror nem compaixão.
(24)
– Veja-se Fernão Mendes Pinto, cap. 76, pág. 99.
(25)
– O episódio de Lindara, do canto 5.º do Oriente, sacrificada
por um esposo amante ao fanatismo, é contrário à Natureza; pois se a
lei fundamental daquele império
proibia que reinassem mulheres,
cedendo o rei de a pôr no trono, aplacava a fúria dos seus deuses, e
escusava de matar a sua esposa tão amante.
(26)
– Não se vê em todo o Oriente um trilho diverso, novo, e não
usado por outros épicos, à excepção destas negras pinceladas, ou
borrões sem gosto.
(27)
– Seria fazer injúria à verdade negar ao padre Macedo uma grande
erudição e uns vastos conhecimentos literários: o que se lhe nega é
um paladar delicado em matéria de poesia, pois lhe falta a natureza,
ainda que abunde em arte.
(28)
– As futuras proezas dos portugueses na Índia, vaticinadas por
diferentes sujeitos, no Oriente são sempre as mesmas, sem
gosto repisadas.
(29)
– Veja-se o canto 1.º do Oriente est. 29 até 41.
(30)
– Veja-se o canto 1.º do Oriente est. 42 até 61.
(31)
– Veja-se o canto 6.º est. 12 até 87, e o canto 8.º est. 61 até 67.
(32)
– Veja-se o canto 10.º est. 72 até 91.
(33)
– Veja-se o canto 12.º est. 3 até 14.
(34)
– Veja-se o canto 12.º est. 17 até 100.
(35)
– Veja-se o canto 2.º est. 28 até 57.
(36)
– Veja-se o canto 3.º est. 57 até 60.
(37)
– Veja-se o canto 5.º do Oriente est. 57 até 60, e canto 11.º
est. 26 até 34, e as mais que se apontam.
(38)
– Veja-se o «Discurso Preliminar», pág. 86.
(39)
– Veja-se o mesmo discurso, pág. 87.
(40)
– A Escritura Sagrada d'O Velho e Novo Testamento que o Gama conta
ao Samorim em 150 oitavas desd
(41)
– Se se fizer bem a conta no Oriente, as próprias narrações e
digressões de Macedo, os sonhos, as profecias, e tudo o mais em que
ele se aparta da verdadeira acção do poema tão somente fica sendo os
pés da estátua de Nabuco. Olhem como caiu no mesmo que injustamente
acusa a Camões no «Discurso Preliminar», 88.
e a est. 43 do canto 9.º até à est.
68.ª do canto 10.º é um longo sermão, onde de propósito o nosso
Macedo quis mais ostentar de pregador que de poeta.
(42)
– Somem-se as oitavas das notadas profecias, e ver-se-á a verdade.
(43)
– Somem-se as oitavas das notadas profecias.
(44)
– Verso da est. 10 do 1.º canto do Oriente.
(45)
– Com o fim da visão e predição de S. Tomé ao Gama no porto de
Calecut finda a acção do Oriente e não se sabe se ele
alevantou dali as âncoras.
/ 66 /
(46)
– A quarta propriedade da epopeia é que seja de êxito feliz; nesta
parte não seguiu o nosso censor a Camões; pois o êxito de «Os
Lusíadas» é a entrada de Vasco da Gama e seus companheiros pela
Barra de Lisboa, trazendo ao rei a alegre noticia de deixar
descoberto um novo império ao reino de Portugal. Veja Freir. Port.
L. 3.º pág. 174.
(47)
– Com efeito, é necessária uma paciência extraordinária para aturar
de bom grado a filáucia e pedantismo de Macedo em abocanhar a
merecida reputação de Camões. testificada geralmente pelo juízo dos
sábios de todos os tempos e de todas as nações, e pelas inumeráveis
edições de suas obras, abalançando-se a tratar o mesmo assunto
tratado pelo corifeu dos poetas das Espanhas, proferindo que a sua
epopeia é a menos defeituosa possível que compôs originalmente, que
fechou todos os livros, etc., quando se nele se encontra alguma
coisa boa é o que furtou a Camões. É de notar que o que Macedo
censura em Camões é quase o mesmo que há muito censurou Voltaire,
mil vezes refutado pelos críticos estrangeiros e nacionais:
advertindo que ainda assim mesmo Voltaire pode ser desculpado;
Macedo não o pode ser de maneira nenhuma. Voltaire ignorava a língua
portuguesa. Macedo sabe muito bem a língua portuguesa; Voltaire
serviu-se de uma tradução infiel, Macedo tinha à mão na língua
materna as melhores edições e os melhores comentadores de Camões;
Voltaire era um estrangeiro, Macedo é um nacional. Além de
impolítico, mostrou nisto Macedo um grande descaramento.
(48)
– O padre José Agostinho de Macedo sempre foi um abocanhador do
merecimento alheio, e quer ganhar nome que passe à posteridade de um
satírico mordaz.
(49)
– Diz o nosso Macedo no seu «Discurso Preliminar», 98, que seguiu
como Tasso a ordem natural da história desde a saída do herói até à
sua entrada no Tejo. Que mentira! Qual é a oitava ou verso que o dá
entrado em Lisboa?
(50)
– Quem tiver alguma lição do poema de Camões e ler o Oriente,
achará que aquelas belezas de Os Lusíadas, censuradas por Macedo
como furto feito por Camões a muitos poetas foram também furtadas
por Macedo, que costuma primeiro sujar a água que depois bebe: por
isso bem lhe compete o nosso rifão – quem o alheio veste na praça o
despe.
(51)
– O nosso censor, no seu «Discurso Preliminar», pg. 96, atreve-se a
dizer que tudo o que nos Lusíadas é bom, estranho, e que é
fraco e fastidioso é próprio; apliquemos pois ao Oriente a
mesma dose.
(52)
– Poema original do reverendo Sr. José Agostinho de Macedo, em que
magistralmente desenvolve todo o seu burrical estro, e que que
cingiu a fronte de uma capela de cardos, que é o que os burros comem
com fome. |