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N.º 9

Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro

Junho de 1970 

Origem da indústria rolheira no Norte do País

Por José d' Almeida Mira

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Depois de cozida e escolhida, a cortiça é cortada em traços (rabaneação), donde se extraem as rolhas.

Lamentavelmente, receio bem que esteja ainda por escrever a história da indústria rolheira no Norte do país. Na verdade, não tenho conhecimento algum da sua existência e, muito menos, da sua origem. Tudo o que se sabe relativamente ao início da industrialização da cortiça no Norte do país perde-se nas mais díspares versões, sobretudo a partir dos anos anteriores a 1900.

Com efeito, salvo elementos concretos em contrário, a explicação da origem da indústria rolheira no Norte chega vagamente até nós, numa transmissão de história falada, muito difusa e imprecisa.

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Secção de brocas – Os traços são brocados, saindo as rolhas.

Admite-se, porém, que a indústria rolheira tenha proliferado em regime de artesanato doméstico, tendo encontrado, inicialmente, como mercado de consumo, as caves de vinho do Porto. Seguindo esta linha de orientação histórica, facilmente se compreenderá qual a razão do alheamento narrativo acerca de uma indústria que se iniciava de modo rudimentar, ou quase medieval. Talvez o vulgo de então não se apercebesse de que se esboçava, pela primeira vez, a que viria a ser a maior concentração da indústria rolheira do país, hoje, num total de 207 unidades fabris.

Estas unidades estão repartidas mais densamente pelas freguesias de Lourosa, Lamas e Paços de Brandão. A indústria rolheira estende-se, ainda, sem tamanho / 38 / afluxo às freguesias limítrofes de Fiães, Moselos, Oleiros e S. João de Ver.

Com efeito, pode quase asseverar-se que a indústria rolheira do Norte se encontra quase exclusivamente no progressivo concelho da Vila da Feira.

 

EVOLUÇÃO INDUSTRIAL

No ano de 1912, a indústria rolheira no Norte apresenta-se ainda com uma técnica muito rudimentar, e denunciando manifesto atraso em relação à indústria roIheira do Centro e do Sul do país. Entretanto, a despeito da crise provocada pela guerra de 1914/1918, foi proliferando o surto industrial-rolheiro, embora em ritmo muito lento. Esta agonia prolonga-se até 1925.

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Secção de escolha das rolhas

O Norte desconhece o mundo do consumo. A Inglaterra procura-nos e transacciona. Exporta-se em regime de consignação. O importador é que dita o preço que entende pagar pela mercadoria. Por vezes, o próspero importador, pretextando que o artigo exportado não oferece condições de apresentação ou aspecto favorável, não só decide não pagar um centavo ao industrial rolheiro como ainda tem o arrojo de exigir uma indemnização, ao que se afirmava, para suprir despesas de transporte e encargos alfandegários.

Hoje, continuam a exportar-se as mercadorias sem as mínimas garantias de solvência. Admite-se sempre que o importador «é bom homem» e cumpridor. Mas, por vezes, não é uma coisa nem outra e, por sistema, reclama periodicamente e faz descontos. Há peritos (importadores) especializados neste género de trabalho.

Ora, como ia dizendo, a Inglaterra, é nessa altura, o mercado das rolhas por excelência. Depois, distribui por bom preço esse artigo pelo resto do mundo.

Os desperdícios de cortiça começam também a ser procurados pelo estrangeiro, que nos visita e nos compra; e por isso as aparas deixam de ser queimadas nas lareiras.

1926/27 são anos encorajadores para o industrial rolheiro, pois as rolhas de cortiça são requeridas agora com mais regularidade. Esta favorável situação industrial terá induzido alguns industriais a incrementarem e a desenvolverem tecnicamente a sua indústria, o que viria a ser tremendamente trágico e inoportuno, para muitos deles, perante a crise de 1929.

A despeito de uma falta de estruturas coordenadoras, de uma ausência quase absoluta de capacidade industrial, a indústria rolheira do Norte foi-se disseminando pelas freguesias de Lourosa, Lamas e Paços de Brandão. Entretanto, durante o decénio 1930/1940, o industrial nortenho sente-se receptivo a uma técnica mais evoluída, e há muito usada pela indústria rolheira do Centro e do Sul. Mecaniza-se, assim, embora tardia e rudimentarmente, a indústria rolheira e só então a / 39 / unidade fabril no Norte perde a sua conhecida designação de palheiro.

 

EM 1937 É FUNDADA A DELEGAÇÃO DA J. N. C. DO NORTE

Por outro lado, a indústria rolheira espanhola quase se extingue, pois fica tremendamente abalada, durante a guerra civil nesse país. (1936/1939). Durante este período, verificou-se uma maior afluência na procura das rolhas de cortiça em Portugal e o Norte tomava também posição de relevo num maior incremento industrial.

Os dez anos subsequentes caracterizar-se-ão mais pela proliferação de unidades fabris, dando escoamento a uma procura mais intensiva que por qualquer outro aspecto de modernização tecnológica.

A técnica é, também, então, produto há muito importado, mormente da vizinha Espanha, e já incompatível com as necessidades exigidas pela senda da evolução e progresso.

O período áureo da indústria rolheira inicia-se praticamente a partir do ano de 1950 e prolonga-se até ao fim de 1955.

Assiste-se a uma onda intensiva de consumo a nível internacional, mais reforçada e confundida pela presença da Argentina, durante o governo de Peron. Mas, positivamente, a indústria rolheira também então não procurou reestruturar-se tecnicamente, e limitou-se apenas a colher os frutos de uma situação esporádica.

Todavia, esta época sacudiu e despertou iniludivelmente uma noção de consciência comercial, que até então andava muito arredada do industrial rolheiro do Norte. E os mercados, que durante esse período eufórico nos procuravam, depois dessa época, começaram, pela primeira vez, a ser visitados nos seus países por uma grande parte de industriais rolheiros.

Esboça-se, aqui, uma fase de prospecção comercial até então ignorada pelo industrial nortenho, e quebra-se definitivamente o «slogan» bem denunciador de uma ausência de capacidade industrial e comercial: «o vender é em casa, e o comprar é na feira».

Irrompe-se, com efeito, de um torpor industrial e comercial generalizados e dinamiza-se um espírito de comercialização, embora incipiente, mas ousado e competitivo.

Em síntese, assiste-se nestes últimos 10 anos a um inegável recrudescimento geral da indústria rolheira, mas, como sempre, sem um conveniente sentido de orientação técnica e comercial.

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Por aqui se podem avaliar os milhões de rolhas que se produzem diariamente, de que
o concelho da Feira é o maior produtor do mundo com 200 fábricas em actividade.

 

POSIÇÃO ACTUAL DA INDÚSTRIA

Há elementos imprescindíveis na composição dos corpos, como existem condições mínimas e fundamentais para a formação e valorização das empresas.

Os alicerces de que emergiu a indústria rolheira não oferecem condições ideais para uma evolução saudável. Minguam os valores humanos na chefia ou Direcção / 40 / das empresas. Faltam os viveiros de técnicos neste país para estudo de máquinas actualizadas e muito mais produtivas. Faltam as rédeas de um comando autêntico e eficiente nos organismos coordenadores – travando oscilações e crises fabricadas, ignobilmente, por vezes, pelas empresas mais prósperas, na mira de grandes lucros. Rareia a mão-de-obra qualificada em consequência de uma franca emigração, que de modo algum serve para neutralizar o presente desequilíbrio industrial.

Com tamanhas carências acumuladas, não é fácil admitir uma perspectiva feliz para a indústria rolheira. Contudo, não se pode olvidar os extraordinários e insuplantáveis recursos qualitativos da cortiça, pois bem sabemos que a presença da indústria rolheira adentro dos mercados mundiais se deve mais às excelentes características da matéria prima, que a um processo tecnológico e comercial evoluídos. Mas não se poderá perpetuar, por ignorância de uns, e por comodismo ou negligência de outros, este género de confusão comum em que tem assentado a vida industrial rolheira.

Há uma luta grandiosa a travar na defesa de uma grande indústria portuguesa, a indústria rolheira. Nessa batalha de fomento e desenvolvimento técnico, industrial e comercial deveriam empenhar-se os organismos coordenadores, os industriais e o Governo.

Todavia, na qualidade de industrial rolheiro, sou de opinião de que deverão ser os industriais, em permanentes reuniões de trabalho, a estudar os problemas relativos à técnica industrial e comercial. Daqui dirijo o meu apelo aos Ex.mos elementos do Grémio Nacional da Cortiça do Norte, para que coordenem essas inestimáveis reuniões, e assim se inicie e desenvolva um trabalho prático, objectivo e seguro, no estudo dos problemas mais prementes da nossa indústria.

 

páginas 37 a 40

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