Acesso à hierarquia superior.

N.º 9

Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro

Junho de 1970 

Belém do Pará – Aveiro

«CIDADES IRMÃS»

A iniciativa – e não importa se vinha a gerescer de há mais tempo, informe e informulada, em caldeados sentimentos recíprocos de simpatia – deve-se a um homem. Dele brotou e irradiou. E cresceu como a bola de neve, por aderência e avultamento. Esse homem inspirado, intérprete de generalizados sentimentos, que lançou a chispa, de luz e lume, a uma ideia-fogueira latente, foi o então Prefeito de Santa Maria de Belém de Grão Pará – o Dr. Stélio de Mendonça Maroja.

Clicar para ampliar.
O Dr. Leandro Tocantis, Adido à Embaixada do Brasil em Lisboa, em representação do Encarregado de
Negócios, descerra a lápide com o nome de «Rua de Belém do Pará - Cidade Irmã».

A missão dos políticos, como a dos artistas, é ver para além do presente. É antecipar-se ao homem comum, e rasgar horizontes para o futuro. Stélio Maroja, impulsionador do progresso da capital amazónica e do seu alfoz – todo um mundo de grandezas e potencialidades / 4 / – lançou a semente da fraternidade especificadamente belemita-aveirense, no quadro lato da comunidade luso-brasileira. Lançou a semente e cuidou porque afundasse raízes firmes e frutificasse. E de uma ideia simpática e aliciante fez uma concreta realidade afectiva. Enlaçou, com as adesões, lá e cá, entusiástica, diríamos alvoroçadamente despertadas, as duas cidades Belém do Pará e Aveiro.

Classificou-se de geminação o pacto de fraternidade, firmado, solenemente, firme como uma escritura, na pujante capital paraense, em doze de Janeiro. Seja geminação ou conúbio. Conúbio das duas urbes, irmanação dos filhos de ambas as duas.

No fundamento desta matrimoniação belemense-talabrigense há como que um Sant' Antoninho casamenteiro, e um Santo António taumaturgo, que descobriu os noivos predestinados e lhes abriu caminhos de futuro risonho. Pois fixemos como autor da iniciativa vinculadora e dela concretizador, o seu nome, louvemos-lha e agradeçamo-la cativadamente. E, quando outras cidades, cimentando novos padrões de luso-brasileirismo, calcarem as pisadas das pioneiras não olvidem, ao fim e ao cabo quem, fulcrou que se juntassem, com anelou outros mais elos, indissoluvelmente, como os sacramentos.

O pacto de fraternidade, como oficial e oficiosamente se vem denominando, e todos tomamos como um assento, desses que registam e atestam para a vida e para a morte, com genitura e paraninfos, e firmas firmes, garantes dos lavados propósitos e da lealdade impoluta, pelos Drs. Artur Alves Moreira, presidente da edilidade, e David Cristo, em realçante representação da Comissão Municipal de Cultura, e por Carlos Alberto Soares Machado, presidente da Comissão Municipal de Turismo. E, a par da representação oficial, a do Grémio do Comércio local, com credenciada qualificação confiada ao respectivo presidente, Carlos Mendes. E, no acaso da designação dos que no momento foram embaixadores e intérpretes da comunidade aveirense – e de Aveiro, «Iatu-sensu», cabeça de um aro de largo raio, um aro que o mar quebra em semicírculo, e se estende até às serras de todos os colaterais do leste – calhou, para maior fidelidade, que cada um fosse nado em uma das três freguesias onde se vem ao mundo «cagaréu». A da Glória, a da Vera-Cruz – que tanto sugere Brasil – e a de Esgueira, a incorporada, antiga vila ajustada à cidade, como o Vouga se integra na ria, e nela se confunde. Foi, assim, mais inteiro o simbolismo.

Por Belém, não curamos de saber, quem apôs a assinatura – brasileiros nados ou de adopção e irmanação de radicados esforços e simpatias. Ao certo sabemos, que à frente de todos, o governador e o prefeito, que a todos ao cabo representavam, subscreveram com punho seguro e indelével tinta esse documento que cativa e obriga. Ao Governador, Tenente-Coronel Alacid da Silva Nunes, há que fixar também o nome, a par do Professor Doutor Stélio Maroja, que é o autor da ideia, e do Dr. Augusto Ebrermar de Bastos Meira que redigiu e também assinou a acta – e lhe transmitiu todo o exaltante fervor do seu desbordante luso-brasileirismo.

Desse documento perpetuador do acto histórico para nos servirmos do qualificativo nele adoptado que selou solenemente o convénio fraterno entre as duas cidades irmãs, transcrevemos algumas passagens:

«Aos doze dias do mês de Janeiro do ano de mil novecentos e setenta, trigésimo quinquagésimo quarto aniversário da fundação da cidade de Nossa Senhora de Belém do Grão-Pará, no Salão de Honra do Palácio «António de Lemos» da Prefeitura de Belém, exactamente às dezassete horas e trinta minutos, presentes o Exmo Sr. Dr. Stélio de Mendonça Maroja, digníssimo Prefeito Municipal de Belém, Exmo Sr. Dr. Artur Alves Moreira, digníssimo Presidente da Câmara Municipal de Aveiro, em Portugal, assistidos por numerosas e ilustres autoridades que assinam esta ata, entre as quais o Exmo Sr. Tenente-Coronel Alacid da Silva Nunes, digníssimo Governador do Estado do Pará, Senhores, Senhoras, pessoas gradas de povo /.../ firmaram entre as duas cidades o honroso e histórico convénio de amizade fraterna, passando a figurar, a partir desta solenidade pública nos Anais dos dois países – Brasil e Portugal – como cidades irmãs, nos seus destinos, no seu futuro, no seu progresso, procurando em todos os tempos aumentar e consolidar cada vez mais aquela fisionomia lusa que sempre caracterizou a metrópole paraense, destacando-a na comunidade Brasileira como a mais portuguesa das cidades do Brasil. E pelos Exmos Srs. Drs. Stélio de Mendonça Maroja, Prefeito de Belém de Grão-Pará, e Artur Alves Moreira, Presidente da Câmara Municipal de Aveiro, foi proclamada esta Aliança de Amizade que, Ad Perpetuam Rei Memoriam, celebrará a união material, moral e espiritual das duas cidades...»

Ratificada a geminação, havia que consagrá-Ia em Aveiro e que belemitas, calcando o nosso solo, e respirando o nosso ar salino, nesta terra que nasceu do sal da amizade e do baptismo – encontrassem Aveiro tão aberta de cordialidade fraterna como é rasgada para os horizontes desempecilhados e sem limites.

De 9 a 16 de Maio, Aveiro proporcionou a contra prova da auspiciosa fraternidade das «cidades-irmãs». As cidades, como os homens, não se medem aos palmos. Especialmente em sentimentos. E Aveiro mostrou que tinha Belém do Pará no coração. No coração da gente e no da urbe milenária. O nome da capital da Amazónia foi integrado na toponímia local. E no ponto mais simbolicamente significativo. No que, efectivamente, pode considerar-se o coração citadino. Na artéria que faceia / 5 / a sede representativa da comunidade aveirense, os Paços do Concelho; e o «forum» onde se ergue a figura inspiradora de grande tribuno liberal José Estêvão; e o decano dos teatros locais, cheio de tradições de arte cénica e musical e de sessões cívicas memoráveis; e um dos edifícios liceais, o lar disseminador de cultura desde há mais de um século. Na rua que, passando junto a este, um dia serviu uma das primeiras obras de assistência da antiga, nobre e notável vila de Aveiro, a Albergaria de S. Braz, de cujas ruínas o liceu surgiu; e logo abaixo a casa solarenga dos Sousas, paço dos Latões e Arronches, onde terá nascido uma graciosa Catarina de Ataíde que muitos tomaram pela Natércia de Camões. E logo, além, se implantaram a vetusta matriz de S. Miguel, e o palácio dos Tavares, senhores de Mira e fruidores dos impostos do pescado – depois Paço Episcopal. E mais adiante a Misericórdia, com seu templo, de traça terziana ou não, que foi a primeira Sé aveirense. E os edifícios que por cerca de quatro centúrias lhe serviram de hospital.

A essa se ficou chamando «Rua de Belém do Pará – Cidade Irmã» e as lápidas que a indicam foram festivamente descerrados pelos Drs. Leandro Tocantis, por feliz casualidade um belemense que ocupa o cargo de adido cultural junto à Embaixada do Brasil em Lisboa, e que a representava nas solenidades consagradoras da irmanação, e pelo também historiador Dr. Augusto Meira, transbordante de comunicabilidade, mestre de afervoramentos de lusitanismo.

Ao Prof. Dr. Stélio Maroja coube cimentar – e a ninguém melhor competiria a tarefa – a primeira pedra para o monumento que enlaçará os brasões das duas urbes e perpetuará a sua fraternidade.

Sucederam-se sessões, homenagens, visitas a lugares históricos como a Vila da Feira e o Buçaco, a pontos turísticos de maior beleza panorâmica, – da ria, a Vale de Cambra –, a indústrias e museus e templos; homenagens e reiterações de simpatia. Efectuaram-se romagens à terra de Frei Caetano Brandão, um inolvidável prelado paraense, e à casa onde nasceu Ferreira de Castro, o autor aureolado da «Selva», universalizada epopeia da Amazónia. Recordaram-se melhor laços da união de Aveiro a Belém, um bispo cheio de piedade nascido a meia légua da cidade – D. Miguel de BuIhões – e um Governador setecentista de Grão-Pará, natural da própria cidade – ainda então vila –, João da Maia da Gama, que deixou memória da sua acção e antes se distinguira por actos de heroísmo.

Mostramo-nos como somos. Abrimo-nos. Procuramos merecer a honra cativante da escolha em que fomos espontaneamente distinguidos. E cremos ter conseguido cingir mais forte os laços com que voluntária e jubilosamente nos deixamos prender à «Cidade-Irmã» de Belém, e aos seus Filhos, irmãos-belemenses.

EDUARDO CERQUEIRA

 

páginas 3 a 5

Menu de opções

Página anterior

Página seguinte