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N.º 4

Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro

Dezembro de 1967 

 

A Igreja da Nossa Senhora da Apresentação

Pelo Coronel Diamantino Antunes do Amaral

 

Subordinado ao título «Subsídios para a história da Igreja de Nossa Senhora da Apresentação de Aveiro», o Sr. Dr. Francisco Ferreira Neves publicou no n.º 3 da Revista «AVEIRO E O SEU DISTRITO», de Junho passado, um artigo em que afirma não serem exactas as conclusões que tirei acerca da actual Igreja de Nossa Senhora da Apresentação e que constam do artigo que publiquei no n.º 1 da mesma Revista.

Para «demonstrar» a inexactidão das minhas ilações, transcreve excertos de vários documentos, alguns dos quais coevos do assunto em discussão.

Não podendo, porém, concordar na totalidade com os argumentos em que baseou a «demonstração» que pretendeu fazer, venho hoje, afirmar que julgo estar mais próximo da verdade dos factos que o Sr. Dr. Ferreira Neves.

Desejo, contudo, que as ilações, que formulo nas linhas que vão seguir-se, sejam mais do que a refutação de uma afirmação feita pelo Ilustre Director do «ARQUIVO DO DISTRITO DE AVEIRO», mas um pequeno contributo para a história daquela Igreja.

Vejamos, por isso, quais as conclusões em causa e que mereceram reparo ao articulista.

1.º - As obras para a construção da actual Igreja de Nossa Senhora de Apresentação foram começadas posteriormente a 1606.

2.º - A mesma Igreja foi concluída em 1627, sendo posta ao serviço paroquial por Setembro do mesmo ano.

Trataremos separadamente cada uma das conclusões.

 

I

As obras para a construção da Igreja de Nossa Senhora da Apresentação foram começadas depois de 1606.

Estava dentro da lógica o que no meu artigo disse acerca do assunto; porém, a transcrição que faz, de um enxerto da Informação Paroquial de 1721, veio demonstrar, sem sombra de dúvida, que a construção da actual igreja de Nossa Senhora da Apresentação foi iniciada em 1606.

E, assim, tem toda a razão o Sr. Dr. Ferreira Neves.

Mas... estou-me recordando que antes de abordar propriamente o assunto, tive o cuidado de informar que não tinha visto o processo que serviu de base à concessão da licença para esta construção.

Assim, creio que, depois de tão categórica prevenção, quanto dissesse sobre o assunto devia ser considerado, não como uma certeza, mas como mera hipótese assente em fundamento incerto.

«Julgo», dizia eu... E julgar não é afirmar como certo, mas supor que determinado facto se deve ter passado de certo modo que pode não ser verdadeiro, como, afinal, aconteceu no caso presente.

Portanto, o esclarecimento do Sr. Dr. Ferreira Neves foi oportuno e, quando não tivesse outra vantagem, pelo menos, teve a virtude de varrer do meu espírito a dúvida que em mim se levantou e que então formulei.

 

II

A Igreja de Nossa Senhora da Apresentação foi posta ao serviço paroquial em 1627.

Uma Igreja só o é, plenamente, quando nela se podem realizar todos os actos de culto a que se destina.

E, para que tal se dê, é necessário que, antes, seja sagrada, ou pelo menos benzida.

Até à realização de qualquer destas cerimónias, ela não é mais do que uma construção material onde, normalmente, não é permitido praticar actos de culto oficial, nomeadamente serviço paroquial.

Ora, nenhuma das transcrições feitas pelo Sr. Dr. Ferreira Neves nos pode levar a concluir que o serviço paroquial passou a realizar-se, na totalidade, na nova Igreja de Nossa Senhora da Apresentação, a partir de 1617. / 36 /

A meu ver, o silêncio feito pelo Visitador a partir de 1616 não nos pode levar a semelhante conclusão; quando muito, ele pode significar que a obra material estava acabada, ou quase pronta.

Mas teria ela já sido sagrada ou, pelo menos, benzida para que ali se pudesse, desde 1617, realizar todo o serviço paroquial?

Não sei de documento mais seguro e mais actual que o registo paroquial; ele vai mencionando, dia a dia, os baptizados, casamentos e óbitos, à medida que tais actos se realizam, dando, por vezes, os termos que os referem pormenores curiosos que muito úteis são ao investigador que os consulta.

Lancemos, por isso, um olhar sobre o registo paroquial que, talvez nos ajude a dor uma resposta àquela pergunta.

Os termos de casamentos e de baptizados pouco nos esclarecem sobre o assunto em causa, como nos mostram as transcrições de alguns que a seguir se fazem.

«Hoje vinte e tres de Julho de seiscentos e dezaseis puseram os Santos Oleos a Domingos o qual baptizou em casa José Dias por necessidade. Seu pai se chama Domingos Nunes, sua mãe Isabel de Almeida. Padrinhos o mesmo que o baptizou, Catarina Antão de Palmeira».

«Em os tres dias de Outubro baptizei eu p.e João Gomes, cura que sou em a Igreja de Nossa Senhora de S. Gonçalo a uma filha por nome Isabel, filha de Pero Migueis e de sua mulher Antonia Fernandes e foram padrinhos Domingos André marido de Luzia André e madrinha Isabel André do Albôe era 1618 anos».

«Em os cinco dias de Outubro do ano de seiscentos e vinte, baptizei a Manuel, filho de Jacinta, cativa de Gonçalo Guedes, solteira. Deu por pai a António da Rocha, mareante natural de Viana. Foi padrinho André Fernandes, mareante e me assinei no dito dia, mês e ano ut supra».

«Aos vinte e dois dias do mês de Fevereiro do ano de seiscentos e vinte e quatro, baptizei eu o p.e Francisco Fernandes Salazar pelo p.e André Luis, cura nesta igreja de Nossa Senhora das Candeias que me deixou a igreja em verdade, a António, filho de Luis Nunes Penela e de sua mulher Maria Migueis. Foram Padrinhos Jacinto da Rocha, escrivão da Comarca e Catarina Migueis, moça donzela, irmã da mãe do baptizado e por verdade assinei aqui no dito dia, mes e ano, ut supra».

«Em os 14 de Julho de 626, baptizei a Catarina filha de Francisco Marcos e de Leonor André. Foram compadres Pero Fernandes Pires e Ana Botelha viuva, todos desta freguesia em fé do que fiz este termo, dia, mês e ano ut supra».

«Em os sete de Março baptizei eu o p.e João da Rocha, a Maria filha de Sebastião da Rocha e Maria João. Foi padrinho Diogo Nunes e madrinha, Maria João Baltazar. Em fé do que fiz este termo por esquecer em a era de 1627». 

 

O exame dos termos transcritos, que são os mais esclarecedores, dentro dos anos que vão de 1616 a 1627, aludem à «igreja de Nossa Senhora de S. Gonçalo» (1618) e à de «Nossa Senhora das Candeias» (1624).

Ora ninguém poderá afirmar que tais denominações, nessa época, podiam já corresponder às da actual igreja de Nossa Senhora da Apresentação, mas à que foi sede da freguesia, criada pela Provisão de 10 de Junho de 1572 do Bispo de Coimbra, D. Frei João Soares.

As designações «freguesia de Nossa Senhora da Apresentação» e «Igreja de Nossa Senhora da Apresentação» vi-as pela primeira vez no termo de abertura do «Livro 2 de Bautizados», começado em 5 de Julho de 1624, o qual é do seguinte teor: «Livro de Bautizados desta igreja de Nossa / Senhora da Apresentação da vila de / Aveiro, que é da Ordem de São Bento / de Avis, de que é vigário e Revd.o frei / Jerónimo Galvão, freire conventual do convento de São Bento de Avis / Ano de 1624».

Tenha-se em conta que o vigário frei Jerónimo Galvão, não queria referir-se, no citado termo de abertura, propriamente a «igreja» mas à «freguesia»; porquanto os baptizados não são «desta igreja», mas «desta freguesia».

Isto é, a partir desta data (1624), a freguesia que geralmente foi designada por «freguesia de Nossa Senhora das Candeias» e algumas vezes por «freguesia de S. Gonçalo», passou a ter uma terceira denominação: de «Nossa Senhora da Apresentação».

Esta nova denominação, em 1624, 1625 e 1626 foi usada pelo pároco, por 19 vezes, chegando mesmo a dizer, em alguns termos, que baptizou «em esta igreja de Nossa Senhora da Apresentação», expressão que, porventura, podia levar-nos a admitir que a nova igreja, desde 1624, estava já posta ao serviço paroquial «Mas, não é assim como adiante se mostrará.

Debrucemo-nos, agora, sobre os termos de óbitos; eles são mais precisos que os de baptizados.

Antes de 1624 não havia Livro especial para o registo de defuntos, visto que, no livro começado naquela data, se diz: «Livro primeiro de defuntos».

Os óbitos que ocorreram, antes de 1624, devem ter sido registados no mesmo Livro em que o foram os baptizados e os casamentos, mas hoje não existem ou, pelo menos, não os encontrei. / 37 /

O primeiro termo do Livro especial de defuntos é de Isabel, solteira que faleceu em 6 de Julho de 1624 e foi sepultada na Ermida de S. Gonçalo que é anexo desta igreja de Nossa Senhora da Apresentação.

Todos os registos que a este seguem, muitos dos quais, com dificuldade consegui decifrar, além de alguns que são totalmente ilegíveis, são os que a seguir se extractam no que contêm de útil ao fim em vista.

– Em 25 de Agosto de 1624, faleceu Mateus André. Está sepultado na Ermida de S. Gonçalo que é anexo desta Igreja de Nossa Senhora da Apresentação.

– Em 9 de Setembro de 624, faleceu Margarida Gonçalves. Está sepultada nesta Igreja.

– Em 17 de Setembro de 624 faleceu Margarida. Está sepultada no convento de S. Domingos.

– Em 21 de Julho de 1625, faleceu Domingas, solteira. Está sepultada na ermida de S. Gonçalo.

– Em 1 de Agosto de 1625 faleceu Inês, solteira. Está sepultada na ermida de S. Gonçalo.

– Em 1 de Agosto de 1625 faleceu André Lopes. Está sepultado na igreja de S. Gonçalo.

– Em 1 de Agosto de 1625 faleceu Maria. Está enterrada na igreja de S. Gonçalo, desta freguesia.

– Em 9 de Outubro de 1625, faleceu Diogo Gonçalves. Está enterrado na igreja de Nossa Senhora da Apresentação.

– Em 5 de Dezembro de 1625 faleceu Inês Pinheira. Está sepultada no Convento de Jesus.

– Em 11 de Janeiro de 1626, faleceu Maria Gomes. Está enterrada em Santo António.

– Em 20 de Janeiro de 1626, faleceu Afonsina Jorge. Está enterrada na igreja de Nossa Senhora das Candeias.

– Em 22 de Março de 1626, faleceu Manuel Fernandes. Está sepultado na Igreja de S. Domingos.

– Em 27 de Março de 1626, faleceu um filho de Roque André. Sepultado na Igreja de Nossa Senhora da Apresentação.

– Em 23 de Julho de 1627, faleceu Leonor Cardosa. Está sepultada em Santo António.

 

Quer dizer: até 6 de Março de 1627 encontramos as denominações «Ermida de S. Gonçalo, anexa a esta igreja (1624), igreja de Nossa Senhora da Apresentação (1625 e 1626) e igreja de Nossa Senhora das Candeias (1626).

Pode julgar-se por estas denominações que se trata da actual igreja... Mas, não o creio; já pelo que se disse em relação aos baptizados, já ainda e principalmente pela transcrição que a seguir se faz do assentamento de óbito de Maria Pinheira que é do teor seguinte:

«Em 16 de Setembro de 627 faleceu Maria Pinheira, mulher do vianês. Está sepultada em a igreja Nova, morreu abintestada. Em fé do que fiz este termo dia, mês e ano ut supra».

Ao ler os extractos feitos e a transcrição supra, notamos, desde logo, que por um lado, há uma igreja que o vigário frei Jerónimo Galvão, em 1624, 1625 e 1626, designou por «Igreja de Nossa Senhora da Apresentação» e pelo outro, há uma outra igreja que o mesmo vigário frei Jerónimo Galvão designa por «Igreja Nova».

Ora, se se tratasse da mesma igreja que o Sr. Dr. Ferreira Neves, no seu artigo, diz ter sido concluída em 1616 e posta ao serviço paroquial em 1617, não poderia explicar-se facilmente:

1.º – o motivo porque, só dez anos depois de ter sido inaugurada, o vigário frei Jerónimo Galvão passou a designá-la por Igreja Nova.

2.º a razão porque, desde 1624 até 1627, apenas 3 enterramentos nela teriam sido feitos.

É ainda de notar que a denominação de Igreja Nova nem obedeceu a um simples capricho do pároco, nem tão pouco a fez esporadicamente; ela repete-se pelos anos fora, até que, em 1633, substituiu-se a expressão «sepultado na igreja nova» por «sepultado na igreja de N. S. da Apresentação».

Assim, torna-se evidente que a designação de «Igreja de Nossa Senhora da Apresentação», adoptada pelo vigário frei Jerónimo Galvão até 1627, queria significar, não a actual Igreja, porque essa passou a designá-la desde 1627 até 1633, por «Igreja Nova», mas a antiga Ermida de Nossa Senhora das Candeias, ou de S. Gonçalo.

De outra forma, ficará sem significado a expressão «Igreja Nova» que o pároco usou durante seis anos.

Creio, pois, que não foi por mero arbítrio que ele a designou assim; mas o fez desde o dia em que pôde, pela primeira vez, ali realizar serviço paroquial, pelo menos enterramentos.

Reforçando esta minha convicção, direi ainda que, ao mesmo tempo que o vigário frei Jerónimo Galvão continuava a empregar a expressão Igreja Nova, em 20 de Abril de 1628 e em 7 de Junho e 12 de Dezembro do mesmo ano, o P.e João da Rocha, que nesse ano substituiu algumas vezes o vigário, designava a mesma igreja por «S. Gonçalo» facto que, pela primeira vez, se deu em 5 de Outubro daquele ano e o repetiu ainda em 9 do referido mês e em 4 de Dezembro.

Isto é, a nova igreja de Nossa Senhora da Apresentação, além da denominação que o Vigário lhe deu / 38 / durante os anos que vão de 1627 a 1633, teve também a de «Igreja de S. Gonçalo», desde 1628, pelo menos.

Ora, como havia, então, duas igrejas conhecidas pela mesma designação de «igreja de S. Gonçalo», o vigário frei Jerónimo Galvão, para não haver dúvidas sobre a Igreja ou Capela em que o acto se realizava, passou a designar a antiga igreja de Nossa Senhora das Candeias por «ermida de S. Gonçalo Velho», denominação que, pela primeira vez, foi usada em 23 de Maio de 1628, e repetiu-a em 30 de Junho desse ano e nos anos que a este se seguiram.

Assim, surge naturalmente a pergunta: porque é que somente a partir de 1628 e não antes aparece esta designação de «ermida de S. Gonçalo Velho»?

Julgo que a resposta não pode ser outra que não seja esta: antes de Setembro de 1627 havia uma só igreja que designava por «igreja de S. Gonçalo»; a partir daquela data, havia duas, às quais davam a mesma denominação: a antiga sede da freguesia e a actual.

Para terminar direi que julgo válidos e de toda a segurança os argumentos em que me baseei para afirmar no meu artigo, inserto no n.º 1 de «Aveiro e o seu Distrito» que a actual igreja de Nossa Senhora da Apresentação, só foi igreja, ou pelo menos, o teria sido em sentido pleno, a partir de 1627.

Nesta convicção ficarei até ao dia em que a fortuna coloque diante dos meus olhos documento coevo que afirme o contrário.

Aveiro, 15 de Setembro de 1967.

 

páginas 35 a 38

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