Um animador da natação aveirense - Homenagem efectuada em Novembro de 1992.


Cara de gente de Aveiro

"A vida é feita de pequenos nadas" — dizia o poeta. Os pedacinhos da vida de cada indivíduo definem uma personalidade e não escapam à curiosidade popular, endeusando ou escarnecendo, consoante os casos. O Atita não foge à regra e de muitas histórias é já composta a sua vivência. Nasceu "clandestino" a 21 de Novembro de 1932! A falta de dinheiro que então os seus pais sentiam apenas permitiu o conhecimento "oficial" do nascimento a 1 de Dezembro e, para a sociedade, é essa a data que prevalece... mentirosamente.

Cresceu na Beira-Mar, onde muito cedo se "divorciou" do nome de Eduardo, por ser comum a passagem das alcunhas de pais para filhos e o seu pai era o "Atita". Quando no Rossio floresciam os cardos e as ervas, os miúdos de então juntavam-se para caçar pintassilgos. De entre eles um havia, mais pequeno, a quem era pedido para espantar as aves dizendo "atita-Ihe".

Ora, como o rapazinho tinha alguma dificuldade, "porque se lhe prendia a língua", dizia apenas ATITA. A alcunha ficou e o Eduardo herdou-a "por ser o mais maroto da zona" (conforme o próprio aceita).

Este ATITA, "cara de gente de Aveiro", (a designação é, orgulhosamente, minha), cedo se dedicou ao desporto. Foi futebolista e nadador ao mesmo tempo, defendendo as cores do Beira-Mar.

Na qualidade de futebolista pertenceu "à melhor equipa de juniores" do clube aveirense, segundo afirma. Com ele jogaram o Aguinaldo (hoje presidente do clube), o Ulisses, o Ratinho, o Baleca, o Armando, o Teto e o Canha. Jogou apenas um jogo contra o Estarreja, o Beira-Mar venceu por 10-0 (!) e o treinador disse no balneário que o "Atita" só jogava a primeira parte por ter que dar entrada no Hospital no dia seguinte, a fim de se submeter a uma operação ao apêndice. Depois da operação esteve quase dois anos sem jogar. Na equipa sénior, era o tempo do argentino Diego, de boa memória. Mesmo assim o Atita foi convocado (embora não jogasse) para integrar a equipa sénior numa deslocação a Vila Real. A sorte do jogador apresentou-se madrasta "algum tempo depois" com a fractura do menisco. O dinheiro voltou a faltar para o tratamento em tempo necessário e o veredicto surgiu, inapelável, aos 23 anos de vida: o futebol não podia ter mais o Atita.

A sua Ria continuou a namorá-lo. O amor de sempre prevaleceu e ele correspondeu à chamada. Participou em inúmeras provas angariando títulos e troféus que, para sempre, estão ligados à castiça zona da Beira-Mar. Para saber dos seus feitos basta bater a uma porta, ainda que modesta, saltando a garbosa recordação: "O nosso Atita alcançou isto ou aquilo".

As histórias pitorescas estão catalogadas no cérebro do homem, mas bem merecem a eternização.

Para as provas de travessia do Porto de Aveiro (em 1957/58) ele e o Vasco Naia (seu amigo de sempre) treinavam depois das 18 horas. Certo dia pediram a um amigo que lhes transportasse a roupa que haveriam de vestir à chegada de mais um treino e acharam por bem terminá-lo junto ao local de atracamento da lancha, sem repararem que ali perto um bateIão operava a sua limpeza de resíduos / pág. 52 / de nafta. Quando saíram da água veio o espanto, por estarem com outra cor de pele que não a sua. Completamente negros. Foi necessário uma semana para o regresso à situação normal. Pelo meio ficaram lavagens com sabão, lixívia e detergente. Não menos interessante foi a viagem, nessa noite, até Aveiro. Naquele estado vieram à boleia, pois o amigo que detinha a roupa só apareceu no Clube dos Galitos muito mais tarde.

Mas o Atita cruzou o Atlântico até terras do Tio SAM, em busca de melhores dias. Recorda que também aí a água o fascinou e, sempre que podia, brincava com as ondas do mar, sob o olhar atento de canadianos, chineses, japoneses, etc.. Certo dia decidiu saltar, em mergulho, por cima das ondas, provocando a curiosidade dos mais novos que lhe pediram o ensino da técnica. Um falhou de tal forma que mergulhou... na areia, sem consequências físicas. O Atita passou a "ordenar" tal indisciplina, mas parou quando verificou que os adultos se aliaram em números de trinta para executarem o "mergulho especial".

O Poço de Santiago fascinou a juventude aveirense. Histórias aos milhares para cada um, embora o Atita recorde o início do, agora, Dr. José Guerra (filho do capitão Guerra).

A mãe do instruendo apareceu, aflita, para ver o seu filho na aprendizagem da natação, situação que conhecia havia apenas uma semana. Sob a voz de comando do Atita o rapaz nadou até meio do Poço de Santiago e voltou ao ponto de partida para gáudio da sua mãe.

Aveiro orgulhava-se da sua ponte de S. João, onde a nata dos atletas amantes da água fazia a sua presença. Depois veio o tanque do Alboi, onde hoje está edificado o Pavilhão do Beira-Mar. A Ria de Aveiro ainda conheceu uma piscina de madeira, no final dos anos 30, da qual o Atita mantém recordações e, bem assim, das provas que então se faziam no Canal das Pirâmides. Aqui disputava-se a MILHA e a MEIA-MILHA. Pela sua estatura, aos 12 anos, o Atita também teve a denominação de o "Meia-Milha". Incluíram-no nas equipas de Aveiro onde pontificavam o Acácio, o Mêgato, etc..

O seu ídolo da natação era o Baptista Pereira, do Alhandra, e sente a alegria, ainda hoje, de estar presente na sua despedida em piscina.

O Atita não esquece, quando se fala de natação, do apoio que sentiu do seu pai (também atleta do Beira-Mar na modalidade), o que tornou tudo mais fácil. Nota-se, porém, que também não esquece o futebol e o campo que construíram ao lado da Ponte de S. João, sobre as marinhas e a mentira que "engendrou" para a operação ao menisco: "Caí de bicicleta". Dos jogos importantes ainda cabe na memória o "F. C. Porto do Américo" a reconhecer a melhor exibição da sua vida contra o Beira-Mar (em juniores), na, então, vila de Ovar.

As histórias não param e aqui deveria ficar espaço para contar a de hoje. Juntar-se-ia a uma outra muito importante, na operação de salvamento de três dezenas de pessoas. No Poço de Santiago, na Ria e três nos Estados Unidos, como me foi contado.

Talvez que muitas outras fiquem por contar. Talvez que o "maroto do Mêgato", brincalhão como só ele foi, tivesse outras para divulgar sobre o ATITA. A história nunca se esgotará deste "CARA DE GENTE DE AVEIRO".

António José Bartolomeu


 

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