"A vida é feita de pequenos nadas" —
dizia o poeta. Os pedacinhos da vida de cada indivíduo definem uma
personalidade e não escapam à curiosidade popular, endeusando ou
escarnecendo, consoante os casos. O Atita não foge à regra e de muitas
histórias é já composta a sua vivência. Nasceu "clandestino" a 21 de
Novembro de 1932! A falta de dinheiro que então os seus pais sentiam
apenas permitiu o conhecimento "oficial" do nascimento a 1 de Dezembro
e, para a sociedade, é essa a data que prevalece... mentirosamente.
Cresceu na Beira-Mar, onde muito cedo se
"divorciou" do nome de Eduardo, por ser comum a passagem das alcunhas de
pais para filhos e o seu pai era o "Atita". Quando no Rossio floresciam
os cardos e as ervas, os miúdos de então juntavam-se para caçar
pintassilgos. De entre eles um havia, mais pequeno, a quem era pedido
para espantar as aves dizendo "atita-Ihe".
Ora, como o rapazinho tinha alguma
dificuldade, "porque se lhe prendia a língua", dizia apenas ATITA. A
alcunha ficou e o Eduardo herdou-a "por ser o mais maroto da zona"
(conforme o próprio aceita).
Este ATITA, "cara de gente de Aveiro",
(a designação é, orgulhosamente, minha), cedo se dedicou ao desporto.
Foi futebolista e nadador ao mesmo tempo, defendendo as cores do
Beira-Mar.
Na qualidade de futebolista pertenceu "à
melhor equipa de juniores" do clube aveirense, segundo afirma. Com ele
jogaram o Aguinaldo (hoje presidente do clube), o Ulisses, o Ratinho, o
Baleca, o Armando, o Teto e o Canha. Jogou apenas um jogo contra o
Estarreja, o Beira-Mar venceu por 10-0 (!) e o treinador disse no
balneário que o "Atita" só jogava a primeira parte por ter que dar
entrada no Hospital no dia seguinte, a fim de se submeter a uma operação
ao apêndice. Depois da operação esteve quase dois anos sem jogar. Na
equipa sénior, era o tempo do argentino Diego, de boa memória. Mesmo
assim o Atita foi convocado (embora não jogasse) para integrar a equipa
sénior numa deslocação a Vila Real. A sorte do jogador apresentou-se
madrasta "algum tempo depois" com a fractura do menisco. O dinheiro
voltou a faltar para o tratamento em tempo necessário e o veredicto
surgiu, inapelável, aos 23 anos de vida: o futebol não podia ter mais o
Atita.
A sua Ria continuou a namorá-lo. O amor
de sempre prevaleceu e ele correspondeu à chamada. Participou em
inúmeras provas angariando títulos e troféus que, para sempre, estão
ligados à castiça zona da Beira-Mar. Para saber dos seus feitos basta
bater a uma porta, ainda que modesta, saltando a garbosa recordação: "O
nosso Atita alcançou isto ou aquilo".
As histórias pitorescas estão
catalogadas no cérebro do homem, mas bem merecem a eternização.
Para as provas de travessia do Porto de
Aveiro (em 1957/58) ele e o Vasco Naia (seu amigo de sempre) treinavam
depois das 18 horas. Certo dia pediram a um amigo que lhes transportasse
a roupa que haveriam de vestir à chegada de mais um treino e acharam por
bem terminá-lo junto ao local de atracamento da lancha, sem repararem
que ali perto um bateIão operava a sua limpeza de resíduos /
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/ de nafta. Quando saíram da água veio o espanto, por estarem com
outra cor de pele que não a sua. Completamente negros. Foi necessário
uma semana para o regresso à situação normal. Pelo meio ficaram lavagens
com sabão, lixívia e detergente. Não menos interessante foi a viagem,
nessa noite, até Aveiro. Naquele estado vieram à boleia, pois o amigo
que detinha a roupa só apareceu no Clube dos Galitos muito mais tarde.
Mas o Atita cruzou o Atlântico até
terras do Tio SAM, em busca de melhores dias. Recorda que também aí a
água o fascinou e, sempre que podia, brincava com as ondas do mar, sob o
olhar atento de canadianos, chineses, japoneses, etc.. Certo dia decidiu
saltar, em mergulho, por cima das ondas, provocando a curiosidade dos
mais novos que lhe pediram o ensino da técnica. Um falhou de tal forma
que mergulhou... na areia, sem consequências físicas. O Atita passou a
"ordenar" tal indisciplina, mas parou quando verificou que os adultos se
aliaram em números de trinta para executarem o "mergulho especial".
O Poço de Santiago fascinou a juventude
aveirense. Histórias aos milhares para cada um, embora o Atita recorde o
início do, agora, Dr. José Guerra (filho do capitão Guerra).
A mãe do instruendo apareceu, aflita,
para ver o seu filho na aprendizagem da natação, situação que conhecia
havia apenas uma semana. Sob a voz de comando do Atita o rapaz nadou até
meio do Poço de Santiago e voltou ao ponto de partida para gáudio da sua
mãe.
Aveiro orgulhava-se da sua ponte de S.
João, onde a nata dos atletas amantes da água fazia a sua presença.
Depois veio o tanque do Alboi, onde hoje está edificado o Pavilhão do
Beira-Mar. A Ria de Aveiro ainda conheceu uma piscina de madeira, no
final dos anos 30, da qual o Atita mantém recordações e, bem assim, das
provas que então se faziam no Canal das Pirâmides. Aqui disputava-se a
MILHA e a MEIA-MILHA. Pela sua estatura, aos 12 anos, o Atita também
teve a denominação de o "Meia-Milha". Incluíram-no nas equipas de Aveiro
onde pontificavam o Acácio, o Mêgato, etc..
O seu ídolo da natação era o
Baptista
Pereira, do Alhandra, e sente a alegria, ainda hoje, de estar presente
na sua despedida em piscina.
O Atita não esquece, quando se fala de
natação, do apoio que sentiu do seu pai (também atleta do Beira-Mar na
modalidade), o que tornou tudo mais fácil. Nota-se, porém, que também
não esquece o futebol e o campo que construíram ao lado da Ponte de S.
João, sobre as marinhas e a mentira que "engendrou" para a operação ao
menisco: "Caí de bicicleta". Dos jogos importantes ainda cabe na memória
o "F. C. Porto do Américo" a reconhecer a melhor exibição da sua vida
contra o Beira-Mar (em juniores), na, então, vila de Ovar.
As histórias não param e aqui deveria
ficar espaço para contar a de hoje. Juntar-se-ia a uma outra muito
importante, na operação de salvamento de três dezenas de pessoas. No
Poço de Santiago, na Ria e três nos Estados Unidos, como me foi contado.
Talvez que muitas outras fiquem por
contar. Talvez que o "maroto do Mêgato", brincalhão como só ele foi,
tivesse outras para divulgar sobre o ATITA. A história nunca se esgotará
deste "CARA DE GENTE DE AVEIRO".
António José Bartolomeu |