«Aveiro, 27 — Após mais um acto de
heroísmo ocorrido perto do local denominado Biarritz, entre a Barra e a
Costa Nova, impõe-se que o público saiba que em Aveiro há um homem que
já salvou durante a sua existência — esta apenas tem 34 anos — mais de
20 vidas, quer na Ria quer no mar.
Estivemos na Fábrica
Jerónimo Pereira
Campos onde trabalha e é estimado por todos — o Eduardo Raposo Rodrigues
de Sousa, mais conhecido por "ATITA". Dissemos ao que íamos e logo o
"ATITA" se prontificou a contar-nos com simplicidade os seus actos de
heroísmo que ele considera vulgares.
Antes de mais conta o último salvamento:
trata-se de um jovem de 15 anos, Carlos Alberto da Silva. Apercebi-me,
diz, do perigo eminente e imediatamente me lancei á água trazendo-o para
terra quando já estava completamente exausto.
A primeira criança que salvei foi o
António Ramires e até hoje são mais de vinte as que salvei da morte.
Qual o salvamento mais difícil da sua
vida?
— Já lá vão vinte anos — tinha apenas 14
— na Ponte de S. João. Estava com alguns colegas quando de repente oiço
gritos. Olhei e apenas vi algumas crianças a apontar para um local.
Imediatamente me deitei da ponte para a água e consegui agarrar um miúdo
que já estava engolido pelas águas. Era um tal Arlindo. Dessa vez senti
muitas dificuldades e até tive medo de lá ficar... Curioso, esse
rapazinho fazia anos nesse dia.
Também no mar, já lá vão dez anos, senti
muitas dificuldades no salvamento de outro jovem; e quando tudo parecia
perdido, ele lá veio para a areia conseguindo ainda reanimá-lo.
São tantos casos que para os contar
estávamos aqui todo o dia, disse a sorrir-se: "Lembro-me apenas de ter
salvo vinte, mas estes se não for cá o "ATITA" já estavam no outro
mundo".
Desde quando pratica a natação?
— Comecei aos seis anos e aprendi
sozinho na Ponte de Pau.
Contou-nos depois o seu "curriculum
vitae" de natação: ingressou na secção de natação do Beira Mar aos doze
anos; tomou parte em três cursos para nadador-salvador; em 1965 tirou o
curso de Ensino e Treino de Natação no I.N.E.F.; foi campeão regional
dos 1500, 400 e 100 metros. Guarda belas recordações da Travessia do
Porto em estafeta: 12 quilómetros.
Sente-se feliz por ter poupado essas
vidas de serem tragadas pelas águas?
— Oh! muito. Já que nunca recebi
qualquer condecoração oficial mas são as medalhas que constantemente
adornam o meu peito e cada vez mais me activa em mim o desejo de ser
útil à sociedade.
E pronto; estávamos inteirados da vida
deste homem que merece ser posto como exemplo à humanidade, desta
humanidade que escasseia em gestos nobres e dignificantes.»
(Recorte de Jornal
não identificado do ano de 1966) |