Em continuação das intervenções sobre
natação, feitas no Semanário "O Aveiro", em que temos vindo a fazer
emergir do passado e do silêncio figuras e feitos que o tempo em longo
abraço tem abafado, mas que agora cedeu, à força dos grandes exemplos
que nos tocou e fez fraquejar a tumba do esquecimento, vamos falar
hoje duma figura carismática da nossa natação:
EDUARDO RAPOSO RODRIGUES DE SOUSA conhecido desde sempre por
"ATITA".
Vulto dum passado mais recente, com
corpo e rosto no presente do nosso quotidiano, o ATITA, nascido a
1/12/1932, é um caso "sui generis", como expressão das simbologias que
animam algumas razões objectivas de ontem e de hoje, todas elas
retratos caracterizadores duma personalidade, cujos galardões, não
sendo muitos, alguns ostenta a merecerem-nos o maior respeito.
De registar também é a sua postura de
há muito catapultadora da imagem da natação e dos interesses que ela
arrasta, a partir desse fogo intenso que o ATITA mantém
permanentemente vivo, agora já sem querer ou continuamente apostado,
que tem feito e continua a fazer de si uma figura mítica da nossa
natação!...
O COMEÇO
A história oficial do ATITA, como
nadador, começou em 1951, nos Campeonatos Regionais de Aveiro,
realizados em Águeda pela ASSOCIAÇÃO DE NATAÇÃO DE AVEIRO, tendo-se
classificado em 3º lugar nos 100 metros livres, Iniciados.
Esta sua aparição em registos
estatísticos do Organismo que supervisionava, nessa altura, a nossa
natação a sério segue-se a uma outra anterior do ATITA, brincando às
natações, mas já a dar nas vistas! E aqui os registos vêm dos arquivos
ainda existentes nas prateleiras da memória, que continuam a fazer ver
com nitidez os saltos de "Anjo" e os de "Carpo", seguindo-se muitas
vezes a cabeça partida ou enterrada na lama, quando a teimosia ou o
entusiasmo faziam "voar" da Ponte de S. João ou do simples cais, com a
maré a um terço do seu limite, quando cheia, acompanhando dum grito
grave que fendendo o seu espaço, era fragor continuado sobre as
pequenas ondas que se perdiam ao longe!...
Mais para trás tinham ficado já, nos
seus tempos da "Primária", os jogos da "bandeira", da "bilharda" e das
"espadas" de pau, bem como outras cargas vivenciais trazidas da
"Mestra" com as suas "Ladainhas", que o ATITA substituiu sempre pelas
histórias do "Sabú" e do "Tarzan"!
Depois, após ter conseguido "fabricar"
uma cabana em cima duma das árvores ainda hoje existentes no largo do
"Adro", frente à Escola da Vera-Cruz e ter-se especializado em gritos
que para seu azar atraiam quase sempre o "Evaristo" da Câmara ou o
"12" da polícia, o ATITA, que a si mesmo se baptizou ou pela
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pequenada
do seu séquito de admiradores começou a ser assim chamado, devido ao
seu grito de "guerra" não possuir os agudos do pequeno Indiano ou do
forte Rei da Selva, o ATITA, dizíamos, desceu aos canais da ria, sem
crocodilos nem "chetas", mas abundando de "Janes"! Só que o Cabo do
Mar, como era chamado o fiscal do boné branco, já o tinha avisado que
não tolerava ver ninguém como "Adão", o que fez com que o ATITA
tivesse de regressar muitas vezes a casa com as mãos em concha,
tapando a "toca funda da trincheira" e toda a "artilharia", após ter
corrido e nadado entre viveiros, porque a multa doía tanto ou mais do
que os "tabefes" paternos, embora muito menos do que as cargas de
cinturadas!...
Ficou, entretanto, a paixão da ria e
das águas cheias de histórias, alimentadas permanentemente pelos
antigos tritões que pareciam dialogar com as enchentes e as vazantes,
como era o caso do Tobias de Lemos, no seu estaleiro construindo
barcos ou do Domingos Calisto que vinha a nadar da "marinha" ou ainda
do Serafim Moreira, do Mêgáto, do
Felisberto Fortes, dos Ravaras, do
Acácio e seus irmãos Agostinhos da Costa, bem como outros, todos
estrelas do nosso meio, que contribuíram para a entrega total do ATITA
às águas da ria, passando a vivê-las como uma paixão de tal modo
embriagante que jamais se calou, até hoje, qualquer poro do seu
corpo!...
A GRANDE PROVA
Se em 1951 acabou oficialmente em
terceiro, os anos que se seguiram mostraram-no algumas vezes em
primeiro lugar, situando-se o ano de 1955 como o marco indicador do
seu mais espectacular feito como nadador, ao conseguir realizar com
êxito a travessia de S. Jacinto/Aveiro.
Efectivamente, em 25 de Setembro de
1955, EDUARDO RODRIGUES DE SOUSA, mais conhecido por "ATITA" e "MEIA-MILHA",
fez a ligação de S. Jacinto/Aveiro a nado em estilo livre, numa
distância de cerca de 10 kilómetros, "gastando no percurso cerca de
duas horas e meia. Manuel Moreira de Castro, que foi o animador e
orientador do atleta, acompanhou-o durante a prova, que cronometrou".
Esta Travessia pôs cobro aos "Adamastores"
que se tinham instalado desde 1923, data da sua última realização,
levada a efeito com êxito por TOBIAS DE LEMOS, que segundo o
"Democrata" de 29 de Setembro desse ano, assim nos diz:
"No Domingo passado, realizou-se uma
prova de grande fundo — natação entre S. Jacinto e o cais da cidade,
ou sejam mais de 9 kilómetros. Foram 4 os competidores, chegando
apenas à meta TOBIAS DE LEMOS, que correu pelo Galitos, gastando no
percurso 2 horas precisas".
O tempo do ATITA, nesta prova, não se
poderá considerar famoso; mas isto é sempre uma resultante de muitas
outras coisas, importando mais (quanto a nós) registar outras grandes
verdades desta prova: é que não é a sua distância, só por si, o factor
mais relevante, se tomarmos em conta, à luz dos dias de hoje, as
distâncias que se nadam em treinos, somadas as suas parcelas, e que
assim possibilitam a melhor defesa como resposta aos grandes desgastes
dispendidos. A verdade maior desta Travessia será a das grandes
dificuldades provocadas /pág.
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pelas variações de temperatura da
água, naturalmente que também uma grande resistência para ultrapassar
remoinhos "vadios" e, a par da preparação física e técnica, uma
preparação psicológica que possibilite a predisposição mental
consentânea com essa grande aposta que é a própria vencida da
Travessia.
No Correio do Vouga, saído à estampa
em 6/10/56, Higino Gonçalves, grande amigo da natação e redactor
desportivo, começaria:
"Quando, nos fins do mês de Setembro
de 1955, Eduardo Raposo fez com pleno êxito a travessia da Ria entre
S. Jacinto e Aveiro, os jornais noticiaram o acontecimento, mas a
maior parte das pessoas ignoraram quem era o nadador, porquanto
Eduardo Raposo é conhecido pela alcunha de ATITA. O acontecimento
ficou sendo do conhecimento público, mas o seu autor continuou sendo
uma incógnita para a maior parte dos aveirenses
A apresentação do ATITA é quase
desnecessária: toda a gente o conhece. Se, realmente, trouxéssemos
para aqui o seu verdadeiro nome, tornava-se imprescindível a sua
apresentação que, diga-se de passagem, se resumiria numa palavra
apenas — ATITA".
E seguindo-se toda uma intromissão
consentidamente amiga, pelo espaço desportivo do ATITA, este diria,
entre aplausos ao seu Beira-Mar que, desde a primeira hora representou
sempre, "incontestavelmente acarinhado" e a "quem devo em parte os
meus triunfos", também o seguinte:
"Quando fiz a travessia S.
Jacinto/Aveiro, senti algumas dificuldades porque a água, devido à
época (fins de Setembro), encontrava-se já muito fria e, além disso,
apanhei contra água desde os Moinhos até Aveiro. Mesmo assim, fiz o
percurso em 2,45 horas. Na próxima tentativa conto baixar o tempo para
2 horas".
Não chegou o ATITA, todavia, a
realizar mais nenhuma tentativa da Travessia, embora a preparação
física não faltasse, como são disso testemunhas outros feitos que
conseguiu nos Campeonatos Regionais de Natação de Aveiro, que fixaram
as suas marcas de Campeão nos seguintes anos:
SEGUINDO E SOMANDO
Em 1956, de acordo com os registos
visuais e oficiais, o ATITA venceu os 400 e os 1.500 metros livres,
Seniores, realizados em Águeda.
No ano de 1957, foi apenas
vice-campeão dos 200 e 1.500 metros livres, igualmente realizados em
Águeda, mas em 1958, volta a subir o pódium por 3 vezes, embora no
centro mais alto, uma só vez recebesse as maiores palmas: 1º nos 1.500
metros livres, Seniores; 2º nos 400 e 3º nos 200 metros, sempre livres
e Seniores e novamente em Águeda, com organização da ASSOCIAÇÃO DE
NATAÇÃO DE AVEIRO.
Mas não se ficam por aqui, como
nadador, as provas deste nosso vulto do passado e do presente da nossa
natação!...
Eduardo Raposo Rodrigues de Sousa, o
ATITA, foi o 1º numa prova de 100 metros livres, integrada num
festival realizado no antigo "Tanque-Piscina" do Beira-Mar,
em 4/8/1956 e onde também nadou "Mariposa", chegando em 2º lugar,
classificações que repetiria em 1957, nos 400 metros livres, na mesma
piscina, /pág.
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durante um Festival de Socorros a
Náufragos.
Em 1958, após os Campeonatos Regionais
de Aveiro, com o ATITA no pódium, três vezes nesse mesmo dia, como já
referimos, perspectivava-se já no horizonte o fim da sua carreira como
atleta (não podemos esquecer que um nadador de competição tem uma vida
desportiva muito curta), assim também o entendendo o Sport Clube
Beira-Mar que resolveu organizar um festival a que chamou "A FESTA DE
DESPEDIDA DE ATITA".
Sobre esta "Festa de Despedida",
diz-nos o "Litoral de 11/10/1958, que "O Sr.
Carlos Gamelas, dirigente
do Clube, ao iniciar-se a interessante reunião desportiva, referiu-se
às qualidades de "Atita", enaltecendo a sua dedicação pelo Beira-Mar e
os enormes serviços que prestou à natação, como praticante valoroso,
quer ainda, e muito principalmente, como paciente preparador de
nadadores.
No final das diversas competições,
Atita recebeu algumas prendas, entre elas uma oferecida pelos
nadadores do Clube dos Galitos.
De referir ainda que nesta "festa de
Despedida de Atita", foram realizadas 14 provas que envolveram cerca
de setenta (70) nadadores, tendo o ATITA vencido nos 200 metros
(especialidade nadores-salvadores) e ficado em 4º lugar na prova de
Manequim.
Em 1959, o mesmo ATITA, com a sua
entusiasta alma que o tinha celebrizado já, como grande animador da
natação, continuava a competir, pois tomou parte no
"BEIRA-MAR—BELENENSES", realizado em 15 de Setembro, voltando a
competir, integrado em equipa, numa Travessia do Douro.
Em 25 de Setembro de 1961, num
"FESTIVAL NÁUTICO DA RIA DE AVEIRO", em que foi realizada a "VI
MEIA-MILHA", como foi chamada essa grande prova, o "nosso" ATITA
voltou a competir entre a "fina flor" do Algés e Dafundo, do Futebol
Clube do Porto, do Fluvial, do Algés e Águeda e do Beira-Mar, sendo o
3º melhor classificado do seu clube, que apresentou em prova 5
destacados nadadores.
O ATITA voltou a competir, dissemos,
mas foi também para se despedir das competições.
NO GIRAR DA RODA
Mas a natação não tem somente as suas
provas competitivas, que são estímulo e referência avaliadora do
progresso dos nadadores, mas também outras fases de permeio que vão
desde a aprendizagem ao aperfeiçoamento e da manutenção ao simples
recreio. E nestas não deixou nunca o ATITA de igualmente estar
presente, levantando a voz e os braços, mergulhando e fazendo
mergulhar nas águas, gente e mais gente, cuja conta se perdeu há muito
no tempo, já que em 1955, primeiro para os lados das "Pirâmides",
depois no "Paraíso" e mais tarde no "Poço de S. Tiago", aqui fazia
férias no verão, mas para continuar a ensinar na "Biarritz"!
Foi assim desde 1955 a 1968, após os
seus treinos e também após o tempo sobrado da Fábrica Campos, onde
trabalhava, até ao momento em que o Tio Sam americano o atraiu com os
seus dólares e onde o ATITA se manteve até Setembro de 1981.
/pág.
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Esta paragem, no entretanto, iria
roubar ao ATITA a possibilidade de ser o homem que mais gente ensinou
a nadar em Aveiro (mas isto pensamos nós e podemos estar enganados) e
também de ser o homem que há mais tempo está ligado à natação (e aqui
temos a certeza absoluta), dado que em 1972 é reactivada a natação de
competição e de ensino, que não parou mais até hoje, sendo de relevar
o ano de 1976, pela grande arrancada das classes de aprendizagem, dado
que o Governo de então, na altura o Socialista, criou o chamado
"Desporto para Todos e efectivamente a todos estendeu a natação,
entretanto organizada e rapidamente desenvolvida pelas
Direcções-Gerais dos Desportos,
A necessidade de técnicos para essa
grande aventura fez que fossem dadas preferências a antigos nadadores
e técnicos com determinado curriculum, quer desportivo, quer
pedagógico, pois havia cursos antigos de natação que o ATITA e outros
também possuíam, afim de se reciclarem, face aos progressos técnicos e
científicos da natação de hoje.
E o que vai acontecer? Enquanto outros
antigos nadadores e treinadores retomavam o ensino e novos nomes e
valores nele se iniciavam, a natação ganha um desenvolvimento (estamos
a falar da natação de Aveiro) e um interesse geral até aí nunca
experimentado e que tem vindo a desenvolver-se até aos nossos dias!...
O ensino da natação começa, pois, a
partir dessa altura (1972), de manhã à noite, com classes organizadas,
sucedendo-se urnas após outras durante dias, meses e anos, com tantas
e tantas centenas de alunos (diariamente) que os seus monitores ou
professores, rotinados já nessa grande via, não só fazem caso como não
alardeiam esse facto, por considerarem ser absolutamente natural a sua
função de ensinar!...
A OUTRA FACE
Temos de dizer, por respeito à verdade
e à história de alguns esforçados e dedicados nomes da nossa natação,
que existem entre nós grandes figuras como, por exemplo, um
José
João Quintela Costa Lobo (grande reanimador, desde 1972, da
natação aveirense, após anos de estagnação em termos competitivos e o
“Pai” dos grandes êxitos do Sporting de Aveiro, onde também passou a
existir o ensino infantil, depois se mudando para o S. Bernardo, onde
efectiva ainda hoje um trabalho exemplar, por ser de alta qualidade
tudo o que faz; como por exemplo um
José Luís Corte-Real (a
grande revelação, mantida ainda hoje, que atingiu o topo do ensino de
natação a determinado tipo de crianças como as inadaptadas, sendo
actualmente e desde 1988, o Treinador da Selecção Nacional, com
passagem em Campeonatos do Mundo — 1988 — realizados na Suécia e
Campeonatos Olímpicos — 1992 — realizados em Madrid), bem como outros
que agora se nos escapam e que merecem de nós o mais elevado respeito,
já que numericamente e qualitativamente, em termos de ensino da
natação, não têm ninguém que os ultrapasse.
Em face disto e do que mais atrás se
disse sobre o ATITA, em que ficamos afinal?...