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Dr. Fernando
Cardote
Natural de Aveiro, Fernando Cardote
nasceu em 27 de Janeiro de 1924. Iniciou-se no jornalismo
desportivo num semanário bairrista, "Ecos de Belém", passando
depois a escrever na "Baliza". Muito novo, é já dos nossos melhores
técnicos de atletismo, sendo actualmente magnífico colaborador
de "A Bola".
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A nossa cidade desportiva
ARTIGO DE FERNANDO CARDOTE
O futebol é um ópio. Os que uma vez lhe
descobrem os encantos de jogo-espectáculo dificilmente conseguem depois libertar-se da sua mágica
influência. Só querem futebol, só vêem futebol, só pensam em futebol.
Pois esse jogo que não é natural, nem completo,
nem simples; esse jogo que vem desvirtuando o ideal
desportivo e a função clubista; esse jogo que nas
grandes cidades faz viver os grandes clubes e nas pequenas cidades
arruína os pequenos clubes; esse
jogo-vício está tomando conta da nossa Cidade. |
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Esse jogo embriagante que
desvaira os espíritos mais serenos e adultera as mais sãs formações
desportivas; esse jogo erva daninha que avassala tudo, tudo exige para
si e aniquila os outros desportos; esse jogo egoísta que resume o
desporto a si-mesmo e o progresso do desporto ao seu próprio progresso;
esse jogo-rei, como lhe chamam, está fazendo do desporto na nossa Cidade
um desporto apagado, incaracterístico, igual ao de tantas outras
cidades. E a nossa Cidade não o merece! Consenti-lo será praticar a
maior das injustiças às condições naturais da nossa região. O caminho já
está traçado. Os nossos nadadores e remadores já no-lo indicaram.
Tomemos resolutamente por Ele: a nossa Cidade tem de ser, há-de ser «A
Cidade dos Desportos da Água». Mar a dois passos, água ao pé da porta
em vastas extensões. Uma população que vive na água, remando,
velejando, pescando. tripulando. Garotada que adora a água, que duma tábua engendra um barco,
dum pau improvisa um remo;
e dum trapo arma uma vela; miudagem que mal engatinha se mete dentro da
ria, chapinha,
bóia, e num ápice está a nadar; rapaziada do liceu e das
escolas para caminhar, para dirigir a essa outra escola de intrepidez, decisão, resistência, auto-domínio
e entreajuda que
são os desportos da água: a natação, o remo e a vela.
O homem e a natureza conjugam-se; que nos falta
então? Falta-nos principalmente
saber o que queremos e, depois, sabermos querer. Precisamos de criar
uma mentalidade
desportiva, adequada, conseguir adesões e boas-vontades, converter, entusiasmar, interessar
as entidades oficiais e as chamadas forças vivas da Nação. Numa palavra:
fazer cruzada.
Precisamos de escolher definitivamente o caminho a seguir, necessitamos
de fixar em definitivo a nossa política desportiva e dar-lhe depois o
apoio de todos os recursos mobilizáveis.
O perigo da mediocridade desportiva
ameaça-nos. Convençamo-nos: a nossa cidade nunca poderá ser Alguém no
desporto nacional à custa do futebol. A sua glória desportiva não é daí
que advirá. Os nossos remadores já o demonstraram!
Especializando-nos naquilo que os recursos naturais aconselham. Não
consentamos
que
a nossa cidade seja «mais uma», igual a tantas outras de desporto incaracterístico, vivendo
numa agitação estéril em volta de onze homens pagos para fazer desporto,
que as mais das
vezes nem da terra são. Façamos da nossa Cidade: «Aveiro ─ a dos
Desportos da Água»! |