Almanaque Desportivo do Distrito de Aveiro 1950, pág. 153.


Jornalistas Desportivos do Distrito

  Dr. Fernando Cardote
Natural de Aveiro, Fernando Cardote nasceu em 27 de Janeiro de 1924. Iniciou-se no jornalismo desportivo num semanário bairrista, "Ecos de Belém", passando depois a escrever na "Baliza". Muito novo, é já dos nossos melhores técnicos de atletismo, sendo actualmente magnífico colaborador de "A Bola".

A nossa cidade desportiva

 

ARTIGO DE FERNANDO CARDOTE

 

O futebol é um ópio. Os que uma vez lhe descobrem os encantos de jogo-espectáculo dificilmente conseguem depois libertar-se da sua mágica influência. Só querem futebol, só vêem futebol, só pensam em futebol.

Pois esse jogo que não é natural, nem completo, nem simples; esse jogo que vem desvirtuando o ideal desportivo e a função clubista; esse jogo que nas grandes cidades faz viver os grandes clubes e nas pequenas cidades arruína os pequenos clubes; esse jogo-vício está tomando conta da nossa Cidade.

 

Esse jogo embriagante que desvaira os espíritos mais serenos e adultera as mais sãs formações desportivas; esse jogo erva daninha que avassala tudo, tudo exige para si e aniquila os outros desportos; esse jogo egoísta que resume o desporto a si-mesmo e o progresso do desporto ao seu próprio progresso; esse jogo-rei, como lhe chamam, está fazendo do desporto na nossa Cidade um desporto apagado, incaracterístico, igual ao de tantas outras cidades. E a nossa Cidade não o merece! Consenti-lo será praticar a maior das injustiças às condições naturais da nossa região. O caminho já está traçado. Os nossos nadadores e remadores já no-lo indicaram. Tomemos resolutamente por Ele: a nossa Cidade tem de ser, há-de ser «A Cidade dos Desportos da Água». Mar a dois passos, água ao pé da porta em vastas extensões. Uma população que vive na água, remando, velejando, pescando. tripulando. Garotada que adora a água, que duma tábua engendra um barco, dum pau improvisa um remo; e dum trapo arma uma vela; miudagem que mal engatinha se mete dentro da ria, chapinha, bóia, e num ápice está a nadar; rapaziada do liceu e das escolas para caminhar, para dirigir a essa outra escola de intrepidez, decisão, resistência, auto-domínio e entreajuda que são os desportos da água: a natação, o remo e a vela.

O homem e a natureza conjugam-se; que nos falta então? Falta-nos principalmente saber o que queremos e, depois, sabermos querer. Precisamos de criar uma mentalidade desportiva, adequada, conseguir adesões e boas-vontades, converter, entusiasmar, interessar as entidades oficiais e as chamadas forças vivas da Nação. Numa palavra: fazer cruzada. Precisamos de escolher definitivamente o caminho a seguir, necessitamos de fixar em definitivo a nossa política desportiva e dar-lhe depois o apoio de todos os recursos mobilizáveis.

O perigo da mediocridade desportiva ameaça-nos. Convençamo-nos: a nossa cidade nunca poderá ser Alguém no desporto nacional à custa do futebol. A sua glória desportiva não é daí que advirá. Os nossos remadores já o demonstraram!

Especializando-nos naquilo que os recursos naturais aconselham. Não consentamos que a nossa cidade seja «mais uma», igual a tantas outras de desporto incaracterístico, vivendo numa agitação estéril em volta de onze homens pagos para fazer desporto, que as mais das vezes nem da terra são. Façamos da nossa Cidade: «Aveiro ─ a dos Desportos da Água»!


 

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