Almanaque Desportivo do Distrito de Aveiro 1950, pág. 34.


JOSÉ SANTA

Um campeão português que defrontou
os melhores pugilistas mundiais

Certa vez, para um espectáculo de luta livre que se efectuaria em Lisboa, no Coliseu, procurava-se um indivíduo possante para se opor a profissional consagrado.

A tarefa não foi fácil... Ao fim e ao cabo, surgiu o hercúleo José Santa – o «Camarão», como no vulgo era mais conhecido, que ao tempo se encontrava na Capital granjeando a vida.

Confiado, exclusivamente, na força e na destreza (que a idade era de sonhos...), porque, dos segredos da luta nada conhecia, subiu ao palco um tanto receoso e tomado de natural timidez. Em breve, porém, readquiria a calma e era declarado vencedor.

Após tão concludentes provas, que não passaram despercebidas ao portuense Alexandre Cal, fácil foi abrir-se-lhe o caminho doutro desporto para que dispunha de reais condições. Despede-se, então, de Lisboa, e fixa-se na Invicta, onde frequenta uma escola de pugilismo que funcionava na sede do F. C. do Porto. E, depois de meia dúzia de treinos, Santa estreia-se no boxe, entusiasmando a multidão desportiva portuense, que começou a ver nele, se não um futuro campeão do mundo, pelo menos um valoroso intérprete da «nobre arte». O campeão Benjamim Branco foi a vítima deste baptismo...

O segundo combate travou-o em Lisboa, obrigando o seu adversário, o polaco Geo Morgan, a desistir ao 3.º assalto. Ainda em 1925, ano em que abraçou o desporto com que o Novo Mundo delira, dominou o valente francês Mahieu, ao cabo de 10 assaltos de movimentada e árdua luta.

Conquistada aura favorável para uma viagem promissora de bons resultados financeiros e até desportivos, Santa seguiu rumo à Alemanha, estabelecendo quartel numa das suas principais cidades. Daqui, deslocou-se à Inglaterra, França, Itália e Espanha, onde efectuou vários combates, inclusivamente os que contavam para o campeonato da Europa. Com cartaz positivo, passou para terras de Santa Cruz. Aqui, por razões estranhas, não conseguiu confirmar o valor de que justamente ia precedido. Perdendo até um combate com Isla, um desconhecido no boxe, a sua cotação sofreu ténue baixa, embora efemeramente, porque na América, onde só os de reputado valor conseguem vencer, Santa, mercê das suas invulgares qualidades, ascendeu de novo a plano de relevo, a ponto de só o seu nome valer um apreciável cartaz.

Realizando dezenas de combates, sentiu as «carícias» destruidoras dos punhos do campeão mundial Max Baer (1932), a quem resistiu dez «rounds», do alemão Schmelling, outro campeão do mundo, e do italiano Primo Carnera (só citamos estes por serem os de maior nomeada). Mas Santa sabia «acariciar» de igual maneira. Algumas das suas «sapatadas» fizeram muitos adversários beijar a lona.

Enfim, o valente ovarense deu e recebeu muitos socos (a máscara actual é bem significativa), distribuídos por mais de uma centena de combates.

Natural de Ovar, onde nasceu a 25 de Dezembro de 1902, José Santa não foi positivamente um pugilista da classe ou da subtileza dum Carpentier. Todavia, dispunha dum «punch» de ferro e dum físico excepcional, que em nada perdia em confronto com o de Primo Carnera, que o grande campeão Joe Louis definiu como «uma cordilheira de carne e osso».

Mal orientado logo no começo da carreira, que a pressa de explorar o negócio era grande, foi impedido de se candidatar seriamente ao título mundial. E sempre mal amparado por quem tinha obrigação de acautelar a forma e brio de José Santa, com prejuízo evidente das suas faculdades, nunca lhe deram azo a que aperfeiçoasse a maneira rudimentar como combatia. Mas apesar de todas as deficiências de que enfermava, Santa foi mesmo assim o maior baluarte do boxe nacional, a estrela que cintilou com raro fulgor no firmamento do boxe.

Seria agradabilíssimo, na realidade, que um nome português fulgisse entre o dos campeões mundiais de todas as categorias, de permeio com os Sullivan, Corbett, Jeffries, Johnson, Dempsey, Tunney, Schmelling, Joe Louis e uns tantos mais de semelhante valia....

Com a saúde perigosamente abalada e exausto, regressou a Portugal em 1934. Apesar disso, ainda subiu ao ringue para defrontar Cláudio Vilar, sofrendo dura punição nos nove assaltos que durou a inglória luta, desbobinada em Lisboa, no Campo Pequeno. Este combate assinalou, de forma deplorável, o epílogo duma carreira que teve momentos brilhantes.

Hoje, comerciante na sua terra, revive ainda muito, e saudosamente, um «palmarés» que encheria de orgulho qualquer desportista.


 

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