OS CASAMENTOS EM NISA
Por JOSÉ FRANCISCO FIGUEIREDO
São dos mais curiosos e originais os costumes inerentes à celebração
dos casamentos nesta vila do Alto-Alentejo.
Apesar da onda modernista ter levado na ressaca os mais interessantes
usos tradicionais, o casamento, nas classes populares tem resistido a
todas as investidas e continua a realizar-se como antigamente, apenas
com ligeiras variantes.
Noutros tempos, quando qualquer mancebo chegava aos dezoito ou vinte
anos, a mãe escolhia-lhe a noiva entre as donzelas da terra. Depois de sancionada a escolha pelo marido, era o filho intimado, por ambos a aceitar a preferida.
Seguia-se o pedido de casamento. Para isso, a mãe do rapaz dirigia-se,
em dia prefixo, a casa dos pais da jovem e, recebida na lareira, dizia
do fim que ali a levava.
Deferida a pretensão, era marcado o dia para
se fazer o casamento,
designação que em Niza corresponde à celebração dos esponsais. Chegado
esse dia, as duas famílias reuniam-se, à noite, na casa da noiva, onde se
festejava o acontecimento com lauta ceia e se trocavam as primeiras
prendas entre os namorados.
Até ao casamento eram amiudadas as visitas da família do noivo a casa
dos compadres.
Hoje ainda assim é. E nessas visitas vão
combinando a época
do enlace, os alqueires de trigo que hão-de amassar, o feijão e vinho a
comprar, tudo se aprestando para que, nos dias da festa, nada falte.
Oito dias antes do consórcio, os pais dos nubentes
ou na falta destes,
os parentes mais próximos, percorrem as ruas do burgo a avisar para a
festa todas as
pessoas da família e outras das suas relações.
Quando o casamento é de filhos de lavradores chega a ser de quinhentos
o
número de convidados.
Tem, por isso, de escolher previamente um recinto espaçoso que sirva, ao
mesmo tempo, de cozinha e refeitório para tanta gente. É o quintal da festa.
Junto de uma das paredes, ao ar livre, alinham-se os fogareiros,
formados por grandes pedras cobertas de leivas para maior estabilidade
das caçarolas.
Há bodas em que chegam a matar oitenta
carneiros, ovelhas e cabras, na
sua quase totalidade oferecidos pelos lavradores e pastores.
À matança do gado e escolha da carne, na véspera da festa, assiste
grande número de rapazes e raparigas, sendo este acto animado pela sua
gárrula alegria e pretexto para ousados galanteios.
Nesse mesmo dia, à noite, multidão enorme peja todos os
compartimentos onde irão residir
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329 / os noivos: são os convidados
que vão levar as ofertas – quase
sempre um ou mais alqueires
de trigo, – e o mulherio que ocorre para ver e admirar o recheio do novo lar, nessa ocasião
propositadamente exposto, desde o bragal confeccionado pela
noiva e realçado pelos típicos
e inconfundíveis alinhavados e
primorosas rendas de bilros, até
à mais modesta peça cerâmica
regional, a linda louça pedrada,
já hoje conhecida em todo o país.
Antigamente, a boda durava
dois dias. Hoje com a penúria das subsistências, as refeições
no quintal da festa são apenas
no dia do casamento. A mais
interessante é o almoço.
As mesas são formadas por
escadas de mão colocadas horizontalmente sobre bancos ou
madeiros. Por cima dos degraus
alinham-se sucessivas tábuas de
pinho revestidas de alvíssimas
toalhas. De um lado e outro sentam-se os convivas noutras
tábuas apoiadas em pedras ou
toros de madeiras.
Numa dependência do recinto,
um grupo de muitas mulheres
não faz outra coisa senão migar
as sopas. É junto delas que vão
os serventes com os grandes pratos, para os encherem de
delgadas fatias de pão, sobre as
quais os cozinheiros vertem o
sarapatel, iguaria genuinamente
regional em que entram o sangue e as vísceras do gado abatido, fortemente temperados de colorau, pimenta, e outros excitantes.
Depois do almoço tudo se apresta para se começar a fazer
a distribuição do jantar – um
prato de sopa de pão com carne
refogada, a que chamam afogado – que muitas mulheres, adrede contratadas, levam ao domicílio
de cada um dos convidados, em
retribuição da oferta com que contribuíram.
A cerimónia do casamento costuma ser sempre pelas 14 ou 15
horas.
O noivo, com os seus convidados, dirige-se a casa da noiva,
onde se organiza o cortejo para
a Igreja Paroquial.
À frente, a noiva, com as duas
madrinhas, levando ambas a par,
os respectivos maridos ou pais,
irmãos ou outros parentes. Segue-se o noivo com os padrinhos e numeroso acompanhamento.
Celebrado o matrimónio reorganiza-se o cortejo em direcção à casa da festa, de cuja porta o
noivo cumprindo à risca a tradicional pragmática, se aproxima e, tirando o chapéu e inclinando a cabeça numa vénia toda mesurada, convida a comitiva a
entrar.
Segue-se o copo-de-água. Depois dele, os padrinhos ladeando
o afilhado, de novo se colocam
à frente do acompanhamento,
para irem percorrer as principais ruas da vila, entre os trinados do harmónio, contratado para esse
fim, e o gargantear da
rapaziada numa vozearia de ensurdecer. E todos fumam cigarros ou charutos que o noivo tem obrigação de fornecer. São raras as
tabernas em que não entram, sendo todas as fartas
libações à custa dos padrinhos.
E terminam sempre estas movimentadas núpcias
por animados bailes no dia da festa e no imediato.
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