Ali o mui grande reino está do Congo,

Por nós já submetido à fé de Cristo,

Por onde o Zaire corre claro e longo,

Rio pelos antigos nunca visto.

CAMÕES – Canto V, est. XIlI

 

De Cabinda a Santo António do Zaire

Corria calma e quente aquela noite de Março de 1901. Ao longe, a lua acabava de mergulhar no horizonte. No céu, as estrelas cintilavam com um brilho intenso e fulgurante, como só se pode contemplar nas zonas tropicais. Da pequena colina, onde se erguem, pitorescamente dispersas, as casas de Cabinda, chegavam até nós subtis e agrestes emanações, trazidas pelo terral. E ela, a risonha capital do Congo português, outrora grande empório comercial e actualmente em plena decadência, vencida pela concorrência do Gabão e do Congo belga, encontrava-se, àquela hora, imersa em profundas trevas. Apenas o farol do porto, montado numa pequena eminência, sobranceira à praia, espargia em torno de si uma luz baça, como querendo testemunhar toda aquela decadência.

Encontrávamo-nos a bordo do Salvador Correia, pequeno vapor da marinha de guerra, então ao serviço da província de Angola. Fundeado na baía de Cabinda, sacudia-o, brandamente, de bombordo a estibordo, uma suave calema, vinda de oeste.

Tinham-se ultimado os preparativos para suspender e a guarnição, exceptuando o pessoal de quarto, dormia tranquila. De repente, no silêncio daquela noite, calma e quente, soavam, compassadas, no sino de / 399 / bordo, as quatro badaladas, dobradas, da meia-noite. Era a hora de largar. Tudo a postos: o comandante avante, no spardeck, o imediato, à proa, na manobra do ferro, o restante pessoal nos lugares respectivos. E ele, o pequenino vapor, liberto, enfim, das algemas, que o imobilizavam e sob a acção da força impulsora do hélice, lá se foi, altivo e airoso como uma gaivota, a afastar-se da baía.

Por cima de nós, o Cruzeiro do Sul distinguia-se, particularmente, no meio das diferentes constelações do hemisfério austral. Pela nossa frente, divisava-se a linha contínua e monótona do horizonte, estendendo-se para oeste, e das bandas de leste, surgiam, vagamente, umas formas confusas, mal definidas, que mal deixavam entrever os contornos da terra.

Íamos ao Zaire. Recordamo-nos, então, das nebulosidades, que por tanto tempo envolveram no mistério esta grande artéria fluvial do continente negro. A sua corrente caudalosa, o problema das nascentes das suas águas, que tanto preocupou o mundo geográfico, a etnografia dos povos marginais, as cenas de canibalismo que um ou outro viajante mais ousado e mais feliz nos descreveu nas suas memórias, todas estas reminiscências nos passavam pela mente, enquanto com o olhar procurávamos sondar o horizonte. E experimentávamos uma impaciência febril de chegarmos, de subirmos o grande rio, o «Poderoso», como lhe chamaram os primeiros navegadores, de vermos alguma coisa nova...

O silêncio da Natureza era apenas perturbado pelo bater cadenciado e monótono da manivela da máquina. Subitamente, para as bandas do oriente, esboçavam-se uns contornos violáceos. Pouco a pouco, foram tomando corpo, tornaram-se mais carregados e daí a um instante, o astro do dia elevava-se em todo o esplendor acima do horizonte. Mais uma vez se oferecia à nossa contemplação aquele característico nascer do sol das zonas tropicais, quase sem crepúsculo.

Navegávamos em plenas águas do Zaire. A corrente é tão violenta que vai cortar a carreira dos vapores que de S. Tomé se dirigem para o sul, o que se conhece, não só, pela cor acinzentada que a água apresenta naquelas paragens, mas ainda pelos detritos vegetais arrancados às margens e que a corrente arrasta consigo na impetuosidade da sua marcha.

Olhamos vivamente para a proa. Umas formas escuras, bastante afastadas, pareciam emergir do seio das águas. Mais quatro milhas andadas, o sol elevara-se quase um quarto no seu quadrante e aquelas formas tomavam um aspecto mais definido; tornavam-se mais compactas. Eram palmeiras, as clássicas palmeiras africanas, muito esguias, muito altas quase todas, o tronco quase todo nu e apenas lá no topo uma pequena copa, sob a qual bem insignificante abrigo poderemos encontrar para os ardentes raios do sol dos trópicos.

Tínhamos diante de nós a margem esquerda do Zaire. Para trás, um pouco para dentro, ficava-nos a margem direita, com a povoação de Banana, mal se distinguindo o contorno da terra, tão grande é a largura da embocadura do rio.

Isolado do renque de palmeiras, agora perfeitamente definidas, divisava-se próximo duma ponta de areia um marco de pedra, encimado por uma cruz. É o padrão de S. Jorge, ali colocado para substituir o de 1859, que já por si substituíra o primitivo que era de mármore e que fora mandado construir por Diogo Cão para / 400 / testemunhar a posse do território por Portugal.

Diz-se que este padrão foi destruído em 1645 pelos holandeses. Mais tarde, M. Schwerim foi encontrar entre os indígenas fragmentos de mármore, «feitiços» que eles veneram e que aquele viajante supõe serem restos do pilar ali colocado pelo grande navegador.

Dobrada a ponta Padrão, deparamos com uma imensa enseada, que ali forma a corrente caudalosa do rio, espraiando as suas águas ao longo da margem esquerda. É a enseada de Santo António do Zaire (baía do Sonho, ou Diogo Cão), ao fundo da qual se encontra a povoação do mesmo nome, com residência, ou comando militar. Grande e vasta, esta baía é, porém, pouco funda; apenas a podem atravessar na preia-mar os navios de pouco calado, seguindo por um canal, duns três metros e meio de profundidade, convenientemente balizado, até junto da povoação.

A margem direita, lá muito ao longe, apresentava-se confusa. Na margem esquerda sobressaíam, muito brancas, as casinhas de Santo António, com os tectos de zinco, pintados de verde.

Têm má fama os indígenas destes sítios; insubmissos e rebeldes, por várias vezes se têm revoltado contra a autoridade portuguesa, tendo-se o seu espírito de rebeldia propagado mais para o sul até às tribos que povoam o interior do Ambrizete.

Estávamos fundeados, havia pouco mais dum quarto de hora, quando ao portaló de bombordo atracava a embarcação que conduzia o prático. Era este um homem de elevada estatura, espadaúdo, tez bronzeada, uma barba esbranquiçada a acusar-lhe já uma certa idade, trajando à europeia, de branco, a cabeça coberta por um grande chapéu de cortiça, forrado dum tecido da mesma cor.

Eram passados alguns minutos depois das sete horas da manhã, quando o naviozinho, suspenso o ferro que o aguentava ao fundo, se pôs novamente a caminho, começando a subir, finalmente, aquele grande rio.

 

O curso do Zaire – As nascentes – A força da corrente – O volume das águas – A parte da região do Congo explorada pela civilização europeia.

Descoberto em 1485 por Diogo Cão, o Zaire (Nzadi) dos naturais, é mais geralmente conhecido no mundo geográfico por Congo, por atravessar, numa grande parte do seu curso, o antigo reino do mesmo nome, onde hoje existe o Estado Livre do Congo, conquistado pela civilização europeia e com os limites traçados na conferência de Berlim. Recebe das tribos marginais várias denominações, todas elas tendo, em geral, a significação de «Grande Água», nome que os indígenas da África Central empregam muito, quando querem designar um grande curso de água.

Numerosas foram as tentativas envidadas por ilustres e arrojados exploradores para devassarem os segredos desta grande artéria fluvial do continente negro. O primeiro, porém, que conseguiu aproximar-se da região dos grandes lagos, onde o rio tem as suas nascentes, foi o português José de Lacerda, em 1793, que teve a infelicidade de ser trucidado, no regresso, pelos indígenas.

Seguiram-se muitos outros, devendo ficar imorredoiras nas páginas da geografia africana os nomes de Graça, Burtan, Speke, Livingston, Stanley, os iniciadores da civilização europeia naquelas regiões que a lenda e o mistério envolveram durante longos séculos.

Tendo as suas nascentes mais distantes na vertente meridional das montanhas Tchingambo, a meio caminho do lago Tanganica ao lago Niassa e portanto mais próximo da costa oriental, o grande rio Zaire ou Gongo, cujo curso superior é conhecido por / 401 / Loua-Laba, recebendo o tributo duma infinidade de rios e riachos, constituindo uma das maiores bacias hidrográficas de todo o mundo e engrossado ainda pelas chuvas das regiões centrais, dirige-se para o norte numa grande extensão do seu curso, expande-se depois num imenso semi-círculo e subindo até 3º ao norte do equador, começa depois a caminhar para o sul, obliquando sensivelmente para oeste até vir lançar-se no Atlântico, a 40 milhas ao sul da pitoresca vila de Cabinda, entre as duas povoações de Banana, na margem norte e Santo António na margem sul.

De todos os rios do mundo só o Amazonas, que tem igualmente as nascentes na região equatorial, lhe é superior no imenso volume de água que transporta no seu leito.

A corrente do Zaire entra no Atlântico, seguindo para o noroeste, sob a acção da corrente marítima que na costa se dirige do sul para o norte, até uma distância de 200 a 250 milhas em que a água apresenta já uma cor acinzentada. A 140 milhas é frequente encontrarem-se troncos de árvores e ilhas de capim, que já chegaram a avistar-se nas proximidades do Cabo Lopez. A 34 milhas a água é amarelenta.

Quase toda a actividade comercial e política dos europeus se acha concentrada numa parte do curso médio, nas regiões circunvizinhas do lago Stanley, a montante das cataratas e em todo o curso inferior compreendido entre Matadi e a foz.

Alguns quilómetros acima de Matadi fica a primeira catarata (Ielala) seguindo-se toda uma região de rápidos e cataratas que se prolonga por muitas léguas, tornando-se a navegação impossível nesta parte do rio.

E como não há vias de comunicação de fácil acesso através daquela fertilíssima região, a civilização europeia há-de levar ainda alguns anos a assentar ali os seus arraiais.

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Subindo o Zaire – De Santo António a Boma – De Boma a Noqui – Aspecto das margens – A região das ilhas – A parte montanhosa – Vegetação e aridez

Era esta parte, a jusante das cataratas, que íamos subir pela primeira vez. Largando do porto exterior de Santo António do Zaire, o Salvador Correia lutando com a violência da corrente e seguindo, ao princípio pelo meio do rio, foi-se aproximando, sensivelmente, da margem portuguesa. Pouco a pouco, o rio, que entre Santo António e Banana tem uma largura de 11 quilómetros, vai-se estreitando cada vez mais. A margem direita, ainda bastante afastada, aparece-nos, já, bem distinta. Dum lado e do outro, uma vegetação exuberante. Através da copa das árvores, muito altas, cujos ramos entrelaçados formam uma verdadeira barreira de verdura, torna-se impossível à nossa vista alongar-se para o interior. Por baixo de nós, as águas barrentas do Zaire, correndo aos borbotões, vinham lamber na sua passagem, o costado branco do navio, deixando aí impressas umas nódoas dum amarelo-torrado. Lá do alto, os ardentes raios / 402 / daquele sol africano fustigavam-nos asperamente. E sempre, à direita e à esquerda da mesma mata espessa, impenetrável, apenas, aberta, de vez em quando, para dar entrada a algum riacho, tributário do Zaire.

Apertam-se ainda mais as margens. O rio tem agora, apenas, uma largura de 5 quilómetros. Na margem esquerda, rasga-se, de repente, aquela barreira verde, surgindo-nos uma pequena clareira, onde se a vistam algumas casas térreas pintadas de branco e várias cubatas indígenas. É a povoação de Quissanga. A montante, divisa-se mais adiante, na outra margem, a Ponta da Lenha.

Continua a abundar o denso e copado arvoredo, em ambas as margens, por sua natureza baixas e alagadiças. E a nossa vista cansa-se, aborrece-se daquela monótona vegetação.

Mas, alguns quilómetros mais acima, a paisagem muda de aspecto. Do meio do rio surgem várias ilhotas cobertas de denso e espesso capim. Temos na nossa frente o pitoresco vale das Matebas. As margens afastam-se novamente; lá ao longe, no interior, a região aparece-nos agora montanhosa. As ilhas multiplicam-se, umas apresentam-se quase nuas, outras cobertas de copado arvoredo.

Lá adiante, ergue-se na margem sul uma escarpada mole de granito onde se vê flutuar ao vento a bandeira das quinas. É a Pedra do Feitiço. Existe ali um posto militar comandado por um sargento.

Na outra margem, eleva-se um outro rochedo em forma de agulha. É o Bambandeck, chamado também o «Rochedo do Relâmpago».

A nordeste da Pedra do Feitiço, emerge do leito do rio a ilha Tchiongo, limitada ao noroeste por enormes blocos de granito da mesma formação daqueles.

Há quem suponha que a ilha estava outrora ligada à Pedra do Feitiço.

A navegação, fazendo-se agora em grande parte por entre as ilhas, torna-se mais variada. E o panorama apresenta-se-nos, na verdade, brilhante, grandioso. Suspensas no seio das águas, agrupadas sobre os rochedos, dispersas, aqui e acolá, nas muitas ilhas / 403 / que a todo o instante se nos deparam, árvores de todos os feitios, de todos os tamanhos, exalando os mais variados aromas, cruzam-se, enlaçam-se por toda a parte, numa confusão que nos deleita a vista. E a nossa alma sentia-se enlevada na contemplação daquela pujante Natureza, o espírito abandonara de todo a nostalgia, que nele provocara a continuidade da paisagem das primeiras horas de viagem.

Aqui, duas ilhas mais próximas deixavam entre si um verdadeiro túnel de verdura, que formavam os ramos das árvores entrelaçando-se superiormente, além uma série de ilhas rasas, quase exclusivamente cobertas de gramíneas, permitia-nos alongarmos a vista por cima delas e admirarmos a corrente caudalosa do Zaire, serpenteando agitada por aqueles canais. Bandos de pássaros, cruzando-se em várias direcções, animavam aquela tela vivente, com os seus gorjeios selvagens. Além, num pequeno areal, o clássico jacaré dos rios africanos, com a enorme goela escancarada, aquecia-se ao sol; mais adiante, um ou outro cavalo-marinho emergia do seio das águas a sua imensa cabeça, para mergulhar vivamente, à nossa aproximação. E tudo isto animado, glorificado por aquele esplêndido sol, que àquela hora aureolado por compridas nuvens cor de fogo, ia declinando, sensivelmente, no horizonte.

Aproximávamo-nos de Boma. Iam rareando as ilhas. Mais alguns quilómetros andados e avistávamos a de Sacran'Ambaca, coberta de densa vegetação alpestre. É talvez a mais formosa de todo o baixo Zaire.

Às 6 horas fundeávamos, finalmente, em frente da importante cidade do Congo belga.

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Boma ou Emboma, a cidade da Serpente, só em 1876 foi conquistada pelos negociantes europeus. Era até aí o principal mercado de escravos de todo o baixo Congo.

Edificada na parte mais saudável de toda aquela região, tem as diferentes feitorias das nações europeias, situadas próximo do rio. À volta delas amontoam-se as habitações dos indígenas. Vimos ali três feitorias portuguesas, duas belgas, duas holandesas, uma inglesa e uma francesa. É a cidade marítima, a cidade comercial.

O «Burgo» fica situado numa colina, 100 metros acima do rio. É encantador, com as suas casas cercadas por amplas varandas, no meio de lindos jardins. Comunica com a cidade baixa por um caminho-de-ferro de construção ligeira. Nos arredores vêem-se grandes plantações de algodão e lindas palmeiras. O movimento comercial é importante. No porto vimos fundeados três vapores.

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Tendo passado aquela noite em Boma, no dia seguinte, com um calor abrasador, suspendíamos novamente, pela uma hora da tarde, para nos dirigirmos a Noqui. Era o ponto términos da nossa viagem. Ali termina a jurisdição portuguesa sobre a margem esquerda do Zaire.

Tinham cessado as ilhas. As margens apertam-se cada vez mais, um terceiro aspecto nos oferece agora o panorama que se desenrola à nossa vista. Já não era aquele arvoredo cerrado que nos acompanhou durante a primeira parte da viagem. Cessaram também os vastos horizontes, que lhe sucederam / 404 / quando começaram a aparecer as primeiras ilhas. A região aparece-nos agora montanhosa. São montanhas graníticas e de grés vermelho, abundantes nalguns pontos, de xistos calcários e calcários propriamente ditos.

As margens, apertando-se, aumentam os fundos, que nalguns sítios chegam a atingir 100 metros e mais.

A navegação torna-se agora difícil e perigosa. Encontram-se, frequentemente, rochedos no leito do rio, alguns que se não vêem.

A corrente é impetuosa, apresentando vários sorvedouros, alguns de 3 metros de raio e uma depressão central de alguns centímetros. E dum lado e do outro, substituindo o denso e copado arvoredo, que até aí tivemos quase sempre diante dos olhos, apenas divisávamos uma raquítica vegetação alpestre, cobrindo as margens que se erguem, escarpadas, de 100 a 300 metros acima do nível das águas.

Tal é o aspecto da paisagem nesta última parte da nossa viagem. Monótona, sim, mas de uma imponência selvagem!

Íamo-nos aproximando da região das cataratas; a velocidade da corrente é cada vez maior.

Tínhamos passado o Mossuco, feitoria da margem esquerda, onde residem alguns portugueses. As margens, elevadas, tornavam-se mais abundantes de calcários, tendo alguns o aspecto do mármore. A cobri-las a mesma vegetação raquítica e enfezada que nos acompanhava desde Boma.

Mais uma hora duma navegação difícil e morosa, encostados ora a uma margem ora a outra e eis-nos, finalmente, à vista de Noqui, cujas casitas brancas, disseminadas em anfiteatro, numa maior elevação da margem esquerda, nos vão aparecendo, num conjunto pitoresco, cada vez mais distintas. Entre elas, avulta, por sua maior vastidão, com uma grande galeria à frente, a residência do comandante militar. / 405 / Tremulando ao vento, a bandeira portuguesa vê-se ali içada no topo dum mastro. Agrupadas aqui, isoladas além, as cubatas dos indígenas põem naquela tela umas manchas escuras.

Abeiramo-nos da margem esquerda. Não podendo fundear o navio no meio do rio, não só por causa da sua grande profundidade, naquela altura, mas ainda pela impetuosidade da corrente, tivemos de o encostar a terra. Um longo manto de verdura vinha acariciar-lhe o costado. Em cima, as cornetas do destacamento militar tocavam em frente à residência, a marcha de continência à bandeira, que estava sendo arriada. Era a hora do por do sol.

E ficámo-nos ali, a cismar, durante algum tempo, nos segredos que por longos séculos envolveram num denso mistério aquele rio imenso que fez a glória do grande navegador Diogo Cão, que em fins do século XV lhe descobriu a foz, e do arrojado explorador Stanley, que três séculos depois, veio, nos nossos tempos, tornar o seu curso conhecido de todo o mundo culto.

Março de 1909

CARLOS CALHEIROS
 

 

07-11-2020