Estarreja, 23 de Agosto de 1922
...Snr. Director d«O Concelho de Estarreja»
Fazendo parte da vereação municipal desde concelho, sou o vogal mais
visado como presidente que também sou da sua comissão executiva, na
campanha ad hoc levantada com fins do próximo acto eleitoral.
Nenhum dos vereadores é empregado da câmara nem funcionário publico, e
por isso em situação de inferioridade aos autores de tal campanha,
para dispor de tempo pago pelo município ou pelo Estado para defesas
pormenorizadas. A vida está cara, e quem não é empregado publico não
pode desperdiçar tempo, que o tempo é dinheiro.
Mas
resolveu se esclarecer o publico com a intuição da verdade e a lógica
do bom senso em resumo das notas, redigidas terra a terra, ao alcance
de todas as compreensões, das quais procuraremos desempenhar nos em
correspondência oficial para os três jornais do concelho.
Fala
se contra os empregados da Câmara, menos contra os da Secretaria. A
campanha é destes, e é natural que falem de todos, menos de si.
Os
empregados do ad valorem, serviço escabrosíssimo, são apenas três; um
para a estação de Avanca com 45 escudos de ordenado e 8 % sobre a
cobrança; outro para serviço da sede do concelho com 80 escudos e 8 %
sobre a cobrança; e outro do escritório junto á estação da vila com 60
escudos. Não ganha tão pouco o mais fraco jornaleiro rural!
Os
empregados da secretaria são cinco: um secretario com 193 escudos:
dois amanuenses com 160 escudos. Isto fora as mais alcavalas. Um
contínuo e zelador com 125 escudos, ou seja o pessoal menor da
secretaria, eram os únicos escalados por esta para serviço da cobrança
da Praça aos domingos, e da feira dos 15 de cada mês. Toda a cobrança
reduzia se ao que estes dois pobres homens podiam juntar, apanha aqui
agarra acolá, e era a que entrava nos cofres da câmara.
Os
outros nem a faziam nem a auxiliavam. Declaravam e declaram que tal
serviço era incompatível com a categoria dos seus lugares e que a lei
não lhes marcava tais obrigações.
Contudo a secretaria mantém-se fechada aos dias de feira, porque
dantes todos os empregados iam prestar o serviço ás feiras. Hoje não
prestam esses serviços mas gozam
/ 18 /
a regalia do feriado para manter esta sagrada tradição da soberania
municipal. Não há cadastro de feira, não se sabe quem são os donos de
barracas, paga quem quer, quem não quer não paga. Uma incúria, um
desleixo criminoso, de que só a secretaria é responsável.
Como
fiscalizar a arrecadação das receitas sem uma escrituração bem
metodizada e cuidada organização, se zelo nem atenção nunca foram
dispensados a tal ramo de serviços?
Em
1920 organizou-se o serviço de cobrança do imposto sobre carnes de
porco, o qual se cometeu a um empregado de secretaria com 10 % de
percentagem, para se decidir a faze-lo. Apesar de se limitar a
comezinhas avenças, já hoje rende 500 escudos. Mas, tendo se em
consideração que a matança para consumo publico é superior a 2.000
porcos com a média de 6 arrobas de peso, e a 0,015 por quilo, podia
este imposto sobre uma carne verde de luxo elevar-se a contos.
A
secretaria não dava um passo no sentido de aumento e arrecadação de
receitas. Esse serviço representava trabalho, e trabalhos ninguém os
deseja. O brio de funções nem sempre anda associado ao desempenho das
mesmas.
Mas
a situação de aumento constante de despesas e as receitas sempre as
mesmas, não podia aguentar-se.
Tomava-se urgente uma organização condigna. Como faze-la se não era
possível contar com elementos da secretaria? Recorrer a estranhos. Foi
daqui que se fizeram as experiências com o snr. Perdigão, funcionário
dependente do ministério da agricultura, que o autorizou a prestar
serviços neste concelho.
De
lápis em punho, cabeça por cabeça, barraca por barraca, averiguou que
na feira dos 15 entraram: vendedores de hortaliça 28, borel 6,
castanhas 94, cintas 5, cordas 12, cobertores 20, cobertas 5, tabernas
e casas de pasto 22, coiros 7, crivos 5, frigideiras de peixe 12,
padeiras 71, caldeireiros 2, funileiros 4, quinquilheiros 20, louça 4,
gamelas 4, rodilhas 4, chapéus de chuva 2, cestos 5, fazendas 65,
panos crus 28, chitas 84, frutas 92, relojoeiro 1, ourives -'
ferreiros 12, sapateiros 14, tamanqueiros 53, chapeleiros 27, tendas
94, gado bovino 1841 cabeças, cavalar e muar 652, suíno 1625, lanígero
e caprino 892, carros de bois e cavalos 221, bicicletas 229, etc. Etc.
Se
isto tudo pagasse uma taxa de poiso ou entrada, ainda que pequena, mas
legitimamente equitativa à realização de lucros dos feirantes calcule
se o montante do rendimento anual. E este rendimento e o terreno não
seriam o bastante para garantir a transformação da feira de Santo
Amaro no mais belo certame quinzenal do paíz? Respondam os que sabem
ler estatisticas.
O
serviço do matadouro municipal era uma vergonha. Se o empregado da
câmara tinha chave para matança do dia, os marchantes tinham outra
para a matança clandestina da noite. O empregado fiscalizava pela
frente o serviço da balança, e pelas costas transmudavam se
/ 19 /
peças de carne dos ganchos directamente para as carroças de
transportes.
E
quando se apreciaram todos os serviços que o snr. Perdigão vinha
prestando ao município desde janeiro, e se discutia em sessão a sua
remuneração; eu fui um dos que votei, como votava sempre por pequenos
ordenados.
Foi
porém observado por um vereador: Que a câmara conservava vago um lugar
de zelador, que a Praça de Estarreja em 1921 rendeu 1.239$40 e que em
1922 rendia 902$05 nos seis primeiros meses, ou seja mais 25$58 que em
cada mês do ano anterior que o matadouro em 1921 rendeu 814$20 e que
em 1922 ia render nos sete primeiros meses 1.751$93 ou seja mais
189$42 que em cada mês do ano anterior; que a feira dos 30 de Santo
Amaro rendeu pela primeira vez que nela se fez a cobrança 9$00, a
pequena Praça das quintas feiras 1$30 ou seja 5$20 por mês, nós
encontramos o seguinte aumento mensal de receita:
|
Ordenado mensal que se daria a um zelador (vago)
Aumento mensal do rendimento da Praça de Estarreja aos domingos
Aumento mensal do rendimento do matadouro
Rendimento da feira dos 30
Rendimento novo da praça das quintas feiras
Total |
125$00
25$58
182$42
9$00
5$20
347$20 |
|
Ora considerando que o snr. Perdigão como encarregado
extraordinariamente de serviços da Câmara fazia o serviço de zelador
vago; que pela sua acção já naquela altura tinha promovido lucros
bastantes para um ordenado condigno e para deles também como partilhar
o município; que é de direito divino e humano pagar-se o trabalho a
quem o faz, e da lei de Deus pagar o jornal ao trabalhador, a
eloquência dos números apresentados por esse vereador convenceu da
fixação dum ordenado de 300 escudos, ordenado que de certo nunca
chegará a ser pago, que a campanha também é de calote e de inveja.
De
inveja, porque a fase dessa campanha é caracterizada na ultima semana
por duas patadas, ambas a reivindicar para os médicos direitos de
primazia à Inspecção Sanitária da Pecuária do Concelho.
Uma
diz donde vem e, como é lógico e natural, saiu grossa asneira. Outra
não diz donde vem, mas nota-se logo que é de burro.
Remédio: prisões curtas.
Saúde e fraternidade.
O presidente da C. Executiva
António Tavares Afonso e Cunha O Concelho de Estarreja – 26 de
Agosto 1922