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Sérgio Paulo Silva, Um santo lavado com vinho. Breve memória do meu S. Paio, 1ª ed., Estarreja, 2004, 48 págs.

A Festa do S. Paio da Torreira

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Harmónicas, navalhas, pentes... Numa roda que girava com o fascínio das crianças de todas as idades.
(Foto Prof. Jorge Gaspar)

Na festa de S. Paio, a grande romaria da gente ribeirinha, a Ria coalha-se de barcos que provêm de todas as freguesias marginais. Abundam os moliceiros lindamente embandeirados, com sinais distintivos para que os tripulantes os reconheçam quando, encostados uns aos outros, formam, na Torreira, a frota da alegria.

São as famílias e amigos do proprietário do barco que o enchem de raparigas airosas, de olhos escuros e tez morena, e de rapazes desempenados e garbosos, tisnados pela maresia. Gente moça, belos tipos em que há linhas gregas e fenícias de colonizações passadas e músculos robustos de atletas feitos no trabalho árduo e pesado. Tocam violas e harmónicas a dar a toada às raparigas que cantam em coro baladas langorosas e dolentes.


Esteiro de Salreu. Recuperação de uma bateira de ervagem. De camisa branca, o último dos Garridos. À sua
direita, mestre Arnaldo. Atente-se na casa grande e no nicho com a imagem do S. Paio pequenino, desaparecido há muitos anos.

Os barcos seguem não longe uns dos outros e, quando o vento ajuda, alguns tiram-no com a vela ao que os acompanha, à recaxia, com protestos raras vezes indignados e por vezes com despiques em cantares quando a canção ribeirinha da «Caninha verde» pede resposta em verso a quem desafia. E tudo se compõe, sem ralhos, afastando-se as embarcações para que o norte dê fôlego a todas as velas e coragem aos arrais e mais pessoal do manejo náutico.

Por vezes, surge a calmaria e, então, a propulsão faz-se à vara, forte haste de pinho que de um dos topos se lança ao fundo da Ria. Os mancebos, fortes e valorosos destas terras, encostam ao peito a outra extremidade e passeiam o bordo do barco, fazendo-o seguir no sentido desejado. Dois barqueiros possantes, além do arrais ao leme, são indispensáveis. Mas mesmo que a embarcação vá bem carregada, nunca deixa de chegar a seu termo. (...)

Se os pequenos têm pernas para ir aos cordeirinhos, disse minha mãe, também podem ir à capela de S. Paio. Não deve ser maior distância. Nisso todos concordaram. Decidiu-se que se iria primeiro à missa e no regresso se tomaria o banho.

No domingo fomos à capela, perto de meia hora de viagem através do areal. Foi uma pequena violência que a gente miúda suportou com coragem.

Ouvida a missa que foi rápida, pois nesse tempo ainda não havia a prédica do evangelho, e depois de ter retirado a maioria dos devotos que faziam cauda à porta da capela de exíguas dimensões, ficámos para ver o S. Paio pequeno, um santinho, de menos de palmo, preto avermelhado, que estava num altar do lado. Todos os anos pela ocasião da festa havia promessas de, se as sezões passassem, darem ao infeliz santo um banho de vinho numa tigela de barro vermelho que depois corria em redor pela família, para beberem o líquido santificado. Atrás de uns vinham outros e, nestas libações, de tipo pagão, se passavam horas, Hoje acabou a prática desses tempos, não sem protestos violentos dos amigos do santo milagreiro e da bebida dada em redor, havendo quem estivesse sempre pronto a receber os restos com as respectivas consequências. E lá se foi a cantiga do meu tempo:

Ó S. Paio da Torreira

Ó milagroso santinho,

Hei-de cá voltar pró ano

Lavar o santo com vinho.

Prof. Dr. Egas Moniz, in "A Nossa Casa"

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Romeiros de Canelas numa rusga.

 
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