Sinto-me muito honrado – não, não é presunção – porque me vou dando
conta por conversas de acaso, por haver muita gente que vai tendo a
curiosidade e a gentileza de me ler nas páginas deste jornal. Muito
honrado e, naturalmente, muito agradecido.
Alguns
fazem-me críticas, o que me é ainda grato. E dizem-me que por vezes sou
confuso e que alguns títulos parecem desgarrados dos artigos. Claro que
ambiciono ser entendido e penso estar sempre a ser claro e transparente
como a água e que presumo que as pessoas que me lêem conheçam o que às
vezes é brevemente referido. Por exemplo, dei uma vez o título a uma
croniqueta utilizando um verso de Camões "E por força do muito amar".
Pensava que os meus ocasionais leitores o reconheceriam e completariam
mentalmente e, de imediato, antes da leitura do meu artigo, aparecia "se
torna o amador na coisa amada". Neste caso, o conhecimento do poema de
Camões era a ferramenta necessária sem a qual, de facto, a leitura do
meu artiguelho ficava mutilada. Assim, também noutras voltas destas
minhas ocasionais prosas, que ao longo dos meses fui procurando
diversificar, para não fastidiar. Mas há uma coisa que pertence à
sabedoria das nações: o que é demais é moléstia. Para quem lê e para
quem escreve. No meu caso, os escritos ocasionais para este jornal
tornaram-se regulares pela insistência amiga dos seus responsáveis, a
que não me soube furtar. Contudo isto é-me penoso.
Quero
escrever sobre moliceiros, quero amanhar outras bateiras, quero escrever
sobre os touros da minha querida raia (sabei que eu não sou vosso, que
tenho a alma noutros montes, onde gostava de ter nascido), quero gastar
a minha tinta em proveito dos meus silêncios. Quero ceder o passo, dar o
lugar a outros.
Em
nome do porvir é fundamental que os mais jovens criem o seu espaço, se
imponham, abram novas janelas. Eu confesso-me fatigado, mesmo que a
enxada vos pareça leveira. E a terra por desbravar é tão vasta... Não,
não é preciso que a vossa pena se gaste e se agaste na política local. A
um tempo isso seria demasiado fácil e escusado, já que, como sabeis, não
se deve gastar cera com fracos defuntos. Não haverá quem se proponha
render-me? Fico expectante.
Entretanto, há coisas das quais posso ainda falar. Como dum papelinho
com que me deparei não há muito e que é uma preciosidade nos meus
arquivos: uma licença para usar isqueiro de 1966. Era primeiro-ministro
Oliveira Salazar; e não se podiam acender cigarros ou quejandos, a não
ser com fósforos. Para utilizar um vulgaríssimo isqueiro era preciso,
sob pena de pesada multa, tirar licença na magnífica câmara. Devia ser
coisa única no mundo. De resto, um certo tipo de mentalidades está
constantemente a urdir singularidades (ainda se lembram da "rua do
Táxi"), como esta outra que a gravura recorda e que aqui, no nosso
Concelho, ainda se pode ver nas paredes de algumas casas.
Ainda
estará em vigor o mencionado Decreto-Lei? Salvo honrosas excepções,
nunca fizemos nacionalmente outra coisa senão mendigar e desafiando
sempre a amplitude dos gráficos...
Talvez
na miserável placa até esteja uma ideia de negócio para alguns. Porque
não vender placas destas para os bancos afixarem à porta? Para países do
terceiro, quarto e quinto mundo? Para as portas dos administradores das
empresas, das nossas casas e de quanto nos couber na imaginação?
Eu
próprio estou merecedor de um recuerdo destes, eu, que ainda há
instantes mendigava o direito a calar-me, a não escrever croniquetas sem
pés nem cabeça...
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