Na
década de oitenta, sim, creio que foi por esses anos, existiram no
concelho de Estarreja uma chusma de rádios locais: em Pardilhó, na sede
do Concelho; em Salreu, duas ou três, tomando o espectro todo já que o
invadiam também as que existiam por Oliveira de Azeméis, S. João da
Madeira...
Por
esses anos, o conceito de analfabetismo era já diferente. Analfabeto já
não era apenas o que não sabia ler e escrever; a definição era mais
generosa, mais permissiva, democratizara-se, cabia lá muito mais gente e
havia lugar para todos. E, como ser-se locutor emprestava um brilho
social do outro mundo, floresciam os locutores, misturavam-se as duas
coisas e os resultados foram tão imediatos quanto brilhantes...
Ficou
memorável um programa emitido de qualquer rádio, que operava ali para os
lados de Sever do Vouga, e bem captada em Aveiro. Era um directo com um
concurso de quadras alusivas ao S. João. Para alcançar o prémio
anunciado, cada um se esmerava o melhor que podia, como no similar
concurso do J. N. Acabou uma por se distinguir das demais:
Ó meu
rico S. João
Tu
para mim foste um ladrão
Das
três pernas que me deste
Há uma
que não chega ao chão
Destas
estações de rádio eu fugia como o diabo da cruz. Quis porém o acaso que,
um sábado à tarde, eu estivesse sozinho em casa, aborrecido, a olhar
para o céu horas a fio, à espera dos pombos que vinham de Espanha e que
nunca mais chegavam. Procurei a companhia dum rádio portátil; mas, o
único que havia em casa estava avariado. Soube-o procurando estações: o
malvado só captava a Rádio Independente, que emitia ali mesmo dum prédio
fronteiro a minha casa, posteriormente demolido. Não tive outro remédio
que aturar aquilo. O locutor prometia um prémio a quem adivinhasse o que
dizia um cão quando um miúdo lhe atirava uma pedra. Sucediam-se os
telefonemas dos ouvintes na ânsia do prémio. Uns diziam que era Caim,
outros Caim-Caim, outros ainda ai-ai, ui-ui; e por aí fora, num
desespero de tentativas sem que ninguém conseguisse adivinhar.
Um
artista qualquer, que já tinha feito dois ou três telefonemas sem êxito,
liga de novo e sai-se com esta:
– O
que o cão diz quando um miúdo lhe atira a pedra é assim: foda-se!
O
programa era directo e acabou logo ali com o locutor a gaguejar um
sermão ao atrevidote. Mas foi pena, porque fiquei sem saber a solução de
tão transcendente questão...
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