Tenho
a sorte de ter um pequeno quintal onde me entretenho mais do que
trabalho, já que nada do que lá cultivo e faço representa sacrifício mas
se torna antes numa fonte de prazeres. Seja plantar beterrabas ou couves
com que crio o porquinho, seja cuidar das minhas abelhas, cortar lenha,
produzir macieiras ou cuidar das roseiras... Vergo a mola, como se diz,
mas lavo o espírito enquanto peno. E, ao contrário do que pensam alguns,
não sinto que nesses afazeres desperdice o pouco tempo que tenho, que
roube à leitura ou à escrita. Há um tempo para apanhar pedras e outro
para as atirar, como consta no Eclesiastes, como já se sabe.
Quando
ando mergulhado nessas minhas descuidadas lides, gosto de vestir roupas
velhas e de calçar sapatos gastos. Posso assim sujar-me, posso conviver
com os meus cães, atender ao que é simples e natural sem que me
ensombrem outros cuidados que, de ordinário, tornam as pessoas
infelizes.
O que
entrego neste livreco é um pouco isso, uma compilação de artigos
publicados ao longo dos anos nos nossos jornais a que apenas dei alguns
golpes, benévolos, pouco reflectidos golpes de tesoura de podar. Por
entre as hastes sem préstimo ou fanadas deixei escapar algumas coisas
que saíram fora de portas, no “Diário de Aveiro” ou no “Nova Guarda”, p.
ex., na presunção que pudessem compor o ramalhete. São tudo coisas muito
datadas, muito localizadas, treino de mão, recreação de discreto artista
de charanga. E isso explica o número de exemplares da edição. Porque não
pode aspirar a melhor terreiro quem se apresenta mal vestido, sujo,
impróprio. Por muito que se não queira, o hábito ainda faz muito monge.
Perdoarão os mais íntimos, os que já não ligam e aceitam as minhas
maneiras de estar e os meus escritos. Pode ser que (na vaga presunção de
que leiam) a caprichosa fortuna lhes dê o perfume duma maçã, o travo do
mel ou os espinhos das minhas roseiras, uma vez que a vestimenta já só
encontra derradeiro préstimo no ninho dos meus cães, que por muito tomam
o nada e continuam meus amigos.
Nem
tudo meti para o saco. Há coisas que não sei onde param e também já se
sabe que, quanto maior é a nau, maior é a tormenta. Não tive cuidados na
ordem, fosse por publicações, fosse por datas. A melhor ordem...
(lembram-se do que dizia Breton?). A Bicicleta é o único inédito e vou
ver se me dedico mais à caça e à pesca, nem que seja só por uma questão
de economia...
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