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Sérgio Paulo Silva, A Mascote, 1ª ed., Estarreja, Dezembro 2008.

A Mascote

Foi decretado que todas as escolas da região tinham que ter uma mascote. A ideia até era boa porque, sendo escolhido um animal para mascote, as crianças de cada escola teriam que cuidar dele como se fosse uma pessoa e as crianças que gostam e convivem com animais, quando já forem crescidas, também gostam das pessoas.

As crianças que crescem sem terem animais em casa, as crianças que não aprendem a gostar de animais, nunca gostarão verdadeiramente dos outros, porque haverá sempre um lado afectivo das suas vidas que ficou anquilosado, que não se desenvolveu.

Disseram, portanto, que todas as escolas da região tinham que ter uma mascote; e todas escolheram. Cão, gato, canário, hamster, burro, ovelha, cabrinha mansa... Todos escolheram até chegar a vez da última escola e, como se sabe, a escolha para os últimos, para os mais atrasados, é sempre difícil. Toda a gente dizia:

– Cão!

– Gato!

– Papagaio!

Mas já estava escolhido, não podia ser.

– Porquinho-da-índia!...

– Já foi escolhido...

– Um pato! Um pato com três patas...

– Também já está...

E todos os meninos se puseram a olhar uns para os outros, a arranhar a cabeça e sem saber onde pôr as mãos, à medida que o silêncio ficava mais denso que nevoeiro que não deixa ver nada.

Havia uns dias que, no cantinho superior direito da porta da sala de aula, se tinha instalado uma aranha que, mal terminou de fazer a sua teia, se deixou ficar a apanhar moscas e a ouvir as lições que os professores davam, para passar o tempo. Ninguém se lembrava dela, porque não era um bicho simpático. Onde já se vira alguém reparar num bicho assim a não ser para o eliminar? Porém, no mundo imenso, há sempre uma criança que se lembra dos bichos mais feios, mais sozinhos, e lhes quer bem apenas pelos seres vivos que são. Quem gosta de borboletas tem que gostar de lagartas, mesmo que elas devorem, comilonas que são, as belas folhas dos jardins.

Só porque um menino assim, que olhava para o nada à procura duma solução, viu a aranha e gritou, apontando:

– A aranha!...

Conseguiu-se encontrar a mascote da turma.

A aranha, quando viu que tinha sido escolhida e que era assim um pouco única entre tantos outros animais, sacudiu a teia de alegria e apanhou uma mosca gigante que tinha acabado de se soltar das pautas de música dum famoso compositor russo.

Para toda a turma foram meses de grandes canseiras, porque todos tinham que levar alimento para as suas mascotes: bocadinhos de carne e lambarices de presunto para o cão, girassóis para o papagaio, carapauzinhos para o gato, caracóis para o pato, que tinha três patas e precisava de mais comida, feno para o burro e cenouras para o coelho. Para a aranha, moscas, muitas moscas e traças que eram difíceis, quase impossíveis de apanhar sem teia.

Passava o tempo e a aranha engordava a olhos vistos, o que causava a estranheza dos professores e, facto muito curioso, os aranhiços, como passaram a ser conhecidos todos os meninos daquela turma, tinham-se tornado os melhores alunos.

Para estudar o assunto e elaborar o respectivo relatório, foi reunido, de urgência, o conselho directivo.

– Bzz, Bzzz, Bz, Bzzz, Bzzz...

– Bla, Bla, Blalala...

E mais bzz, bzzzz...

E mais bla, blablabla e não chegaram a conclusão nenhuma. Resolveram então montar um comité de vigilância que acabou por descobrir tudo, embora com recurso a câmaras de filmar camufladas. A aranha, que queria ser agradecida aos seus pequenos amigos e como era muito ardilosa, tinha-se lembrado de tecer uma teia especial que, em vez de capturar moscas, apanhava as asneiras e os erros todos que eles davam. Por exemplo: se havia uma palavra que se escrevia com um S em vez de um Z e alguém a tivesse escrito mal, a teia apanhava o Z, a aranha comia-o e, dando pela falta da letra, quem tivesse dado o erro corrigia logo e ficava a saber escrever bem. Não admirava, portanto, que a aranha tivesse engordado e fizesse muita inveja às outras turmas que tinham outras mascotes.

E foi assim até chegar o tempo das férias grandes. Como não ia haver ninguém na sala, levaram, com muita delicadeza, a aranha para um arbusto do jardim, onde ela poderia enganar novas presas com a sua teia; e as mulheres da limpeza já poderiam limpar a sala toda sem a matar com a grande vassoura. No próximo ano, se as turmas tiverem que escolher outra vez uma mascote, quem sabe se alguém se vai lembrar da sardanisca que anda à espreita no muro...

 
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