Pelos trilhos do cante
percorremos estradas, veredas, caminhos, aldeias, vilas, ribeiras, rios
e montes, aqui e ali, lembrando os nossos poetas. Todos Grandes! Sim,
todos! Os trilhos e os poetas. Estes preferencialmente, exímios na
descrição daqueles mas sobretudo na definição da vida.
Ouçamos o Castro:
“O homem traça os
espaços / mas não consegue inventar / borracha que apague os traços /
que o destino lhe traçar”
Muitos, anónimos. Mas
sinceros e verdadeiros! De simplicidade extrema, arquivados de ouvido no
pequeno espaço que a memória colectiva, teimosamente, mas felizmente
resistente, ainda lhes reserva:
«… não esquecendo o
tempo / em que no campo trabalhava / quando de casa saía / nem sequer o
sol rompia / e eu para o campo caminhava.
Quando chegava ao
destino / começava a trabalhar / com uma foice na mão / para assim
ganhar o pão / muito tinha que ceifar.”
Poetas, também, esses
ceifeiros…
Ceifeiros de corpos
curvados / ceifando e atando aos molhos / a bênção loira da vida.
Enquanto isto se processa / o sol felino e sem pressa / queima mais a
tez bronzeada / o suor rasga as camisas / homem queimado mais fica / a
vida é feita de brasa.
Esses pastores…
O velho pastor lá na
sua lida, trabalha cantando, por vezes chorando as mágoas da vida … de
sorriso franco e rosto enrugado… tem cabelo branco e corpo cansado…
Olhando as estrelas, lá no seu montado… vem-lhe ao pensamento todo o
sofrimento… e guarda no peito com grande respeito o tempo passado…
Cantando, as moças
dão-lhe alento e coragem para a sua dura caminhada.
Por entre o arvoredo,
canta sem medo ao amor e à vida:
Os porcos me dão
canseira / quando estão ao pé do trigo / mas as lindas mondadeiras /
cantam e brincam comigo.
Na imensidão da planície,
onde o pensamento voa mais alto até ao infinito, lavrando a terra, o
almocreve evoca a solidão de forma estóica:
Nesses campos
solitários, onde a desgraça me tem, brado ninguém me responde, olho não
vejo ninguém.
Ai, solidão ai dão
ai dão… cá para mim, quer sim, quer não… vem a morte leva a gente, quem
não há-de ter paixão...
Quem paixão não
há-de ter… solidão ai dão ai dão…serei firme! Até morrer…
Exaltação do modo de ser
Mulher…
Ouve lá tu, ó poeta!
Com teus olhos de bem ver… olha lá a camponesa, o que é essa mulher…ouve
lá mas não lhe digas, numa quadra falseada…que ela é linda, apenas linda
… linda papoila encarnada… olha lá poeta, olha e olha bem… olha a
camponesa e o bem que ela tem…
Olha não lhe chames,
só linda ou lindeza… chama-lhe também, mulher de proeza… ela os filhos
cuida, ela é enfermeira… ela os campos trata, ela é mondadeira… ela o
trigo ceifa, ela é costureira… ela é milagre ou é feiticeira…
De forma singela
percorremos os trilhos poéticos desta nossa memória, lembrando Fialho,
em narrativa que atinge a grandeza de gesta heróica:
“Dias ásperos, quer
a monte, quer na labuta pelas herdades…”, ”Eles, entanto, à borda do
trigo…”, “começam em silêncio a terrível faina de ceifar…”, “lançam a
foice, e a palha estala, os molhos vão caindo…”
Ou evocando o poeta Camões
“ haverá algo mais
verdadeiro do que cantar sem música”
?
Cantando, vamos dizendo a
toda a gente…Alentejo uma paixão, o Cante o nosso orgulho!!!
José Simão Miranda
Damaia, 10 de Setembro de
2009
José Roque
Cuba, uns dias mais tarde… |