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PELOS TRILHOS DO CANTE (I)

(Os Poetas)

 

José Simão Miranda e José Roque

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Quadro de Gonçalo Jordão (Colecção Particular)

 

Pelos trilhos do cante percorremos estradas, veredas, caminhos, aldeias, vilas, ribeiras, rios e montes, aqui e ali, lembrando os nossos poetas. Todos Grandes! Sim, todos! Os trilhos e os poetas. Estes preferencialmente, exímios na descrição daqueles mas sobretudo na definição da vida.

Ouçamos o Castro:

“O homem traça os espaços / mas não consegue inventar / borracha que apague os traços / que o destino lhe traçar”

Muitos, anónimos. Mas sinceros e verdadeiros! De simplicidade extrema, arquivados de ouvido no pequeno espaço que a memória colectiva, teimosamente, mas felizmente resistente, ainda lhes reserva:

«… não esquecendo o tempo / em que no campo trabalhava / quando de casa saía / nem sequer o sol rompia / e eu para o campo caminhava.

Quando chegava ao destino / começava a trabalhar / com uma foice na mão / para assim ganhar o pão / muito tinha que ceifar.”

Poetas, também, esses ceifeiros…

Ceifeiros de corpos curvados / ceifando e atando aos molhos / a bênção loira da vida. Enquanto isto se processa / o sol felino e sem pressa / queima mais a tez bronzeada / o suor rasga as camisas / homem queimado mais fica / a vida é feita de brasa.

Esses pastores…

O velho pastor lá na sua lida, trabalha cantando, por vezes chorando as mágoas da vida … de sorriso franco e rosto enrugado… tem cabelo branco e corpo cansado… Olhando as estrelas, lá no seu montado… vem-lhe ao pensamento todo o sofrimento… e guarda no peito com grande respeito o tempo passado…

Cantando, as moças dão-lhe alento e coragem para a sua dura caminhada.

Por entre o arvoredo, canta sem medo ao amor e à vida:

Os porcos me dão canseira / quando estão ao pé do trigo / mas as lindas mondadeiras / cantam e brincam comigo.

Na imensidão da planície, onde o pensamento voa mais alto até ao infinito, lavrando a terra, o almocreve evoca a solidão de forma estóica:

Nesses campos solitários, onde a desgraça me tem, brado ninguém me responde, olho não vejo ninguém.

Ai, solidão ai dão ai dão… cá para mim, quer sim, quer não… vem a morte leva a gente, quem não há-de ter paixão...

Quem paixão não há-de ter… solidão ai dão ai dão…serei firme! Até morrer…

Exaltação do modo de ser Mulher…

Ouve lá tu, ó poeta! Com teus olhos de bem ver… olha lá a camponesa, o que é essa mulher…ouve lá mas não lhe digas, numa quadra falseada…que ela é linda, apenas linda … linda papoila encarnada… olha lá poeta, olha e olha bem… olha a camponesa e o bem que ela tem…

Olha não lhe chames, só linda ou lindeza… chama-lhe também, mulher de proeza… ela os filhos cuida, ela é enfermeira… ela os campos trata, ela é mondadeira… ela o trigo ceifa, ela é costureira… ela é milagre ou é feiticeira…

De forma singela percorremos os trilhos poéticos desta nossa memória, lembrando Fialho, em narrativa que atinge a grandeza de gesta heróica:

Dias ásperos, quer a monte, quer na labuta pelas herdades…”, ”Eles, entanto, à borda do trigo…”, “começam em silêncio a terrível faina de ceifar…”, “lançam a foice, e a palha estala, os molhos vão caindo…”

Ou evocando o poeta Camões

“ haverá algo mais verdadeiro do que cantar sem música” ?

Cantando, vamos dizendo a toda a gente…Alentejo uma paixão, o Cante o nosso orgulho!!!

José Simão Miranda

Damaia, 10 de Setembro de 2009

José Roque

Cuba, uns dias mais tarde…

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